José Alberto Mar. Com tecnologia do Blogger.

7.10.14

É preciso escoar a coisa


 
Uma mulher negra coberta de panos amarelos sentada num banco de madeira pintado de verde, no jardim. Ao lado um Sr. de camisa & calças vermelhas, também sentado num banco verde à sombra de uma árvore com folhas tenramente ainda.

O sino do relógio dá 6 badaladas bem compassadas ao ritmo do calor hoje abafado, será que vai chover?

Passam mulheres e mulherzinhas agrupadas, com as bundas arrebitadas todas janotas em direção à igreja já apinhada de crentes para a missa domingueira. Espreito discretamente e parece-me haver ali um fervor amornecido, uma entrega naturalmente física à devoção, neste caso católica, mas a fé lá no fundo terá algum nº de porta?

No jardim, um casalinho namora espreguiçadamente num outro banco de cimento que já não tem cor. Ela deitada sobre o colo ali à mão de semear e ele com as mãos dedilhadas no corpo da paixão. No chão quente do dia as suas sombras estremecem quase sem darmos por isso, evolam-se no ar em formas de carne & paixão e até encantam as flores sonolentas à volta.

Volto a dar 1 longo passeio pelo Plateau sem deixar de passar pelo mercado. E volto ao lugar. A meu lado está alguém com ar de quem já não espera nada e também não se rala com isso. Talvez esteja em plena divagação do seu ser, talvez seja o seu modo de estar, talvez a luz do seu olhar esteja toda estancada no pequeno sol de dentro, mas o que é que eu terei a ver com isto?

Passam mais meia-dúzia de moços todos coloridos, todos alegres, entretidos com eles próprios, em direção aos finais da missa. Ouço o barulho de uma moto bastante na estrada ao lado, e leva atrás um indígena de patins a deslizar por ali como gente grande, lá vai ele a espalhar o seu imenso sorriso branco pela cidade adiante, adiante que é sempre cedo para se ser feliz.

 
Cabo Verde. Ilha de Santiago. Praia - 2008

12.9.14

18.7.14

Sentimentos Ilhados


 
O céu cheio de manchas cinzentas umas mais outras menos escuras sobre um fundo que se pressente azul. O Monte Cara pousado na sua lonjura pensativa e sempre tão presente na alma de cada mindelense. O aroma nostálgico do Ser de uma ilha com as raízes mergulhadas no oceano Atlântico, os sons de uma morna abrindo a noite como quem pede licença para entrar, mas já se instalou suave e inteira abrindo os braços a quem quiser estar, a menina de camisa encarnada e mini-saia-azul abertamente com as coxas de ébano demoradamente nuas e brilhantes até um determinado ponto inexacto, os 2 amigos calados & unidos a uma garrafa de grogue, a criança ainda de colo de camisa cor-de-rosa e 4 totós verde-alface no cabelo encarapinhado a chupar uma manga pela boca adentro e uma gota docemente a cair-lhe pelo queixo até à mão naturalmente aberta da mãe absorta aos sons do cantor, unindo-nos a todos num só lugar e depois lá fora os ruídos dos ilhéus que vão e vêem dos seus destinos circulares, e ali fora na estrada alguém vai sentado de lado sobre uma bicicleta que desliza sorrateiramente pelas azáguas* a fora sem darmos por isso

 

 
*Em crioulo: poças de água da chuva

(Texto de J.A.M., inédito.Cabo Verde.Mindelo.2005)

Série B2. 2014.

17.7.14

bilhete aceso

 
....colher dos teus olhos a voz que me chama sei lá para onde eu olhe o teu corpo está nu e eu vejo-me despedido pela natureza e já não é a carne, nem os cabelos, nem a púbis, é outro o espanto que me afronta, talvez volte aos teus olhos e ao fundo dessa luz irei a caminho de quem me cativa assim, sem mais nenhuma palavra embalo a noite que me leva...e já nada tem haver contigo.. é outra a chama que me
 
 
 
...regressa..debruça-te sobre os teus primeiros sonhos enquanto eras criança era a água metafórica a respirar para cima, o teu corpo aberto ao sol e às perguntas que amadureciam com as folhas das árvores, verdes, verdes eram as emoções impressas dentro das noites que acordavas, a infância é sempre tão vasta e desprendida, não era?..
 
 
.. no entanto, ainda há os dias que virão, as velas acesas dentro dos corações animados para cima dos sonhos e estes como gritos acordados a chamarem o corpo para o equilíbrio das vozes inspiradas e tudo o que realmente é desconhecido como um desenho esboçado à felicidade do Homem - quanto tardas?

..e do animal às asas nos símbolos ocidentais da brancura, as imagens nos tempos que correm já ultrapassam as visões dos homens de génio, ainda espero desesperado uma espécie de justiça entre os homens, porque é que a ganância nunca mais sabe encontrar a sua morte?..


- 25-Out.- 2009 -



10.6.14

Vadu : La fora


Visão


São 5 H. da manhã e
por aqui é noite fechada
e um nó de silêncio ampara a visão

um astro ancorado nos olhos
diz "não"
a este Mundo medonho
das europas no estertor da doença
mais funda: a do espírito
que está a secar, sem
sem mais nada a dizer.


Não me venham com mais imagens
das glórias que se apagam
sobre os corações de pedra(s)
já sem vida.
Todos os Impérios desaparecem
em cada gesto hediondo, todos
os dias são assim-assim,
sem vocês, já darem por disso.
E a História, não está : Viva
nos livros, nos museus, por aí..
bem guardada em baús de cimento dourado
A História, quando está, prolonga-se
nos actos de quem sente
o dever & o direito
de lhe dar : outras Novas Luzes.

Estais a morrer, aos poucos
muitos de vocês já morreram, mas ainda
não o sabeis
é que, a questão, a verdadeira Questão é que
os nossos filhos talvez não tenham tempo
de resgatar tantas mortes erguidas como glórias.
A juventude ofusca-se ( vocês lembram-se?)
com as 1ªs luzes,
e não têm tempo para o tempo
que irão ter mais tarde.

Só Vocês, OH! Sr.s deste antigo & carcomido
lugar do Mundo
só alguns de vocês ainda
poderão reparar nas brechas
do Novo Sol, que já chegou.

Estejam atentos, pois o Tumulto já começou.
Não é tarde nem é cedo,
mas, nenhum mal se compadece
com tanta vã loucura, e
há 1 ponto nesta viajem
em que o mal se desmorona
e tudo já não poderá ter regresso
algum

17.3.14

Grupo Dourado ( da Série-Exposição: "O Ouro Breve das Imagens")

















Técnica: Tinta da china e tinta dourada. Março.2014.

( meia dúzia de palavras )


Meia dúzia de palavras podem iluminar uma alma que esteja atravessar a ponte entre a escuridão e as riquezas da luz.
Por vezes, 1 alento bem dito e bem escutado, basta. Como uma brisa não impede uma abelha de colher o seu pólen, antes lhe alivia o peso depois para o voo.

 
2011

1.3.14

Série: O OURO BREVE DAS IMAGENS



MESTRES DA IGNORÂNCIA



Há rostos que tornam as coisas mais simples.
São como pedras vivas
mergulhadas a prumo
no sábio esquecimento
das suas formas
onde a sós
os olhos dizem
o ouro breve
das imagens

 

 (in, A PRIMEIRA IMAGEM, Ed. Sol XXI,1998)

A Ponte

 



28.2.14

Silêncio Inssureto

 
O silêncio serpenteia-se nas ondas do ar a boca da noite
abre as flores do coração curva os sons que tem sempre à
mão e o tempo habita-nos mais ao sabermos nos olhos
as sombras que se despedem das árvore onde os pássaros
acolhem os primeiros tons do dia sob o lençol verde às
antas da manhã pelas cinco e tal ou quase assim começam
a sinfonar uma visão acesa para quem esmorece ainda é
cedo ainda há o segredo de haver um mundo contudo sagrado.

 
(Cabo Verde. 2009)

14.1.14

A Gente Vai Sabendo As Coisas Para Depois Esquecer


 
A gente vai sabendo as coisas para aprender a saber outras coisas e depois esquecer.
Amparamo-nos nisto e naquilo ao sabor dos gostos e desgostos que a vida nos dá, ao batermos o coração contra o peito do mundo.
Alguém passeia-se algures por caminhos e paisagens, onde há pedras pelo chão e acontece-lhe curvar-se de repente, por algo que o chama sem dar por isso e há um diamante entre as mãos, o olhar turva-se pelo brilho demasiado que o sol lhe oferece no mesmo instante e depois?
Há quem veja logo um diamante, há quem não dê conta do vislumbre que lhe aconteceu e continue a sua vida apegado aos seus hábitos, atirando o pequeno seixo para as águas de 1 rio que desliza por ali no seu ocaso indiferente a tudo isto.
Os hábitos escravizam-nos, tornam-nos cegos, todos os dias acontecem coisas assim, parecem banais porque são diárias mas não o são, não.

11.11.13

(homenagem)

(homenagem)


 O Espanto Deitado


Primeiro foi uma sensação a veludo nas mãos, a carne à flor da pele era  macia de um modo tão suave e a pedir só mansidão e elas, as mãos, transcorriam bêbedas com todos os seus 10 dedos nas polpas sensíveis cada vez eram mais e eu lá no fundo, no final da sensação, deixava-me navegar com toda a preguiça esboçada do mundo, por este mar de novidades que aquele corpo me emprestava no silêncio ofegante da noite.

E ela estava deitada, absorta no seu sonho de ser mulher para as minhas mãos e eu sentia-a a crescer nos ritmos da respiração, e de um lado e do outro, ambos éramos mais próximos, como se houvesse uma indeterminada luz pelo meio, que tínhamos de possuir precisamente ao mesmo tempo.

Tudo ilusão. E, no entanto não era. Eu estava ali, ela também, éramos dois corpos com as portas escancaradas de todo. A aragem das mãos esvoaçando sobre a pele de veludo, era o que sobrava do silêncio de chumbo, onde os nossos corpos jaziam. Havia entre nós, um nó inteiramente aceso por dentro, onde as línguas mais aprumadas já não dizem palavras. Os gestos criavam outros mundos, onde só nós cabíamos, onde só nós éramos quase perfeitos  espera de o sermos.

 

 

 

 

16.7.13

já não me lembro


 
Já não me lembro se era uma luz exterior ou de dentro de mim, mas tudo estava incandescente de uma forma natural e o Mundo tinha um amplo sentido exato em todas as coisas.
A certa altura, olhei-me de longe e com o passar do tempo aprendi a esquecer-me de mim.

No entanto, sou cada vez mais
esse vaso de luz
onde a luz me ensina.

 

 

2.Julho.2009

24.6.13

Monte Cara ( Cabo Verde)

OLHANDO PARA O MONTE CARA


 
Os ramos das palmeiras ao sabor da leve brisa
e os sons frescos encaminham-me para o mar
onde vejo um pensativo rosto de pedra.


Feliz escureço, o olhar à procura
da lua, esse vaso de luz
onde uma das luas se deita
e então eu sou, a sombra pousada

dessa luz alheada.


( Cabo Verde. Mindelo )

13.6.13


J.A.M.



A Lei e a Liberdade

Não entendo essa ausência de rigor
dissipando a morte
no fundo insípido dos dias.

Seja o que for que haja pelo menos uma vez
um olhar grandioso
sobre o grandioso mundo
que uma mão se liberte libertando a imagem
e seja pássaro, ideia ou nuvem
ou apenas
um íntimo segredo abraçado à vida.

4

Cai sobre um rosto toda a luz de um dia.
E o rosto é um templo de máscaras
com a idade do mundo.

Nenhuma memória ou esquecimento separa o desejo
dessa luz primeira
que por dentro transforma os olhos
e é para estes que nos voltamos conquistados
sabendo que das máscaras inventadas
todas as sombras nos cativam
todas as sombras nos desmentem.

6. 

Há lugares onde os silêncios são
outras palavras
mais perto dos simples segredos
do mundo. São lugares como rostos
suspensos por uma leveza nos olhares
e unidos ao sangue universal das vozes
distraidamente esquecidos no fim dos dicionários
por um talento feito de procura e êxtase.

José Alberto Mar, As Mãos e as Margens, Porto: Limiar, 1991, p.17, 38, 40


(Publicado no blogue Tulisses)

14.5.13



 
Como um fio-de-prumo a noite. Em cima de tudo. E por dentro, uma voz insidiosa e duradoira, o ouro breve dos momentos atravessa a escuridão com a velocidade dos sinais do Mundo. Também há o universo aceso para todos os lados, e os candelabros dos nossos pensamentos são fagulhas que no ar se cruzam e entrelaçam e enlaçam as substâncias que unem os cenários das vidas. Tudo tem um propósito errante e nenhuma voz cabe dentro de todas as línguas faladas, caladas da Terra.

19.3.13

Imagens afundadas na memória (5ª)


Parado impreciso como uma janela
nos chama ao abrir-se o gesto
leva a mão em arco sobre
a luz desenhada que dizes: Poesia


in,A Primeira Imagem, Editora Sol XXI,1998.

13.2.13

EXPOSIÇÃO DE PINTURA "7 CRUZES"











Cruz 2. J.A.M.

Palacete Viscondes de Balsemão
Praça Carlos Alberto, Nº71

11 de Fevereiro a 2 de Março

8.1.13

2013


 
 (   ) Mais ao longe, o sol tomba devagarosamente deixando atrás de si as sombras de 2012 que se erguem no chão alto do silêncio.

31.12.12


há nevoeiro na estrada e a ferida voltou alastrar.Com crisântemos carregados de aromas para os lados onde se abre o sol caído entre nós.
Não é Inverno nem é Verão é outro o tempo da espera e da esperança, entre as árvores com história e as rochas escolhidas pelo mar.

Só na espuma das noites caiem algumas pérolas nas visões.


(25.Ag.2012)


Imagem construída: J.A.M.


20.12.12

foto: J. A. M.
 
as varandas acendiam os  candeeiros
e os candeeiros eram estrelas fumadas
pelos farrapos da noite
 
Era Verão e estava tudo deitado
sobre o calor que brota das coisas terrestres
enquanto as varandas baloiçavam na luz.
 
 


21.11.12

Outono






















Desenho. J.A.M.


As folhas caiem das árvores
com o peso do Outono
castanhas, amarelas, verdes, vermelhas
às vezes
um adeus de sombras  a voarem.

Mudas as árvores abraçam o frio

14.11.12

Silêncio Inssureto


 
O silêncio serpenteia-se nas ondas do ar a boca
da noite abre as flores do coração curva
os sons que tem sempre  à mão e o tempo
habita-nos mais ao sabermos nos olhos
as sombras que se despedem das árvore
onde os pássaro acolhem os primeiros
tons do dia sob o lençol verde às
tantas da manhã pelas cinco e tal ou
quase assim começam a sinfonar uma visão
acesa para quem esmorece ainda é
cedo ainda é o segredo de haver um mundo
contudo sagrado.

 

 
In, “ Recomeço Límpido”, no Centenário de José Gomes Ferreira, 2000.

29.10.12

Estrelas Apagadas




já a noite tinha sido iniciada, os pescadores juntos, sentados, calados, curvados, olhavam presos por um fio emaranhado de leves & ondulantes pensamentos o horizonte,  como quem lia 1 texto antigo.

Entretanto as nuvens de um lado para o outro, fragmentariamente orquestradas pelo seu próprio destino, lá iam impavidamente diferentes. Nada se cruzava & tudo estava unido. Os barcos continuavam a balançar o cais. O mar sempre estivera ali como se fosse  eterno. Como um eco longínquo que ainda perdura pelo poder dos olhares de muitas gerações.

E os pescadores aguardavam como quem espera e também não, a hora da partida. Em casa os filhotes mais novatos choramingavam por comidas e as mães afagavam-lhes os cabelos, com um sorriso junto ao aconchego do útero.

Os pescadores – disse-me um dia um amigo vagabundo – viraram estátuas fixas e ali estancaram para o gáudio dos turistas que acudiam aos magotes e as crianças agora pediam moedinhas com uma vida inteira moribunda nos olhares.


Out.2010

 

 

 

 

 

 

 

 

2.10.12


















Foto construída. J. A.M.


 
- lá no fundo, há um barco à nossa espera que baloiça aos sons das noites & dos dias, sons levíssimos que estremecem o silêncio e quem os escuta já esqueceu qualquer certeza (...)

21.9.12

Olhando o Monte Cara













Imagem Construída: J. A. M.


Os ramos das palmeiras ao sabor da leve brisa
e os sons frescos encaminham-me para o mar
onde vejo um pensativo rosto de pedra.


Feliz escureço, o olhar à procura
da lua, esse vaso de luz
onde uma das luas se deita
e então eu sou, a sombra pousada

dessa luz alheada.

( Cabo Verde)