hoje
regressei ao Restaurante da Rosa
era uma porta vermelha
(preâmbulo)
Fui jantar ao chinês ali ao lado. A patroa, a Rosa, continua com o mesmo
rosto que tinha há uns 10 anos, quando a conheci num outro restaurante ainda
era empregada, continua com o mesmo corpo, até o jeito leve de cirandar por
entre as mesas e aquele sorriso tão amplo como contido, que eu nunca cheguei
mesmo até lá. Fascina-me esta mulher de tão longe, a modos que frágil e sempre
tão atenta aos meus saqués ( 酒).
E depois venho-me embora a tentar desembrulhar-me
daquele sorriso que vai comigo até outra coisa qualquer se atravessar no meu
caminho.
era a mesma porta
vermelha?
Já há uns bons tempos que não ia a um restaurante
chinês e então hoje, sei-lá-porquê, deu-me para ir ao Restaurante da Rosa, mas
afinal a Rosa andava por outros jardins…
Mal entrei, fui atenciosamente recebido por uma jovem chinesinha
que me abriu o espaço com uma larga simpatia que me surpreendeu. “isto já teve
melhores dias”, pensei. Sentei-me, retribuindo q.b. a simpatia da menina com um
sorriso até inesperadamente sincero lá no fundo.
Comi algo comestível, e o melhor foi a salada,
mastiguei esquecidamente os vegetais que depeniquei na travessa, com o
complemento direto de um Evel branco
fresco e para enlaçar a coisa no fim: café & saqué de rosas.
Enquanto o laço não acontecia, olhei à volta para os Altos-relevos e as pinturas com o tal brilho eclético dos plásticos o que me seduz
muitas vezes são as palavras desenhadas em mandarim, e olhando-as linha a linha, invento traduções rocambolescas, pois só cada uma dá pano para mangas.
Ponho-me a observar, comedidamente é claro, a
empregada chinesa bem acompanhada pela luz morna do local, fininha, impávida, e
tentei adivinhar-lhe algo de dentro dela
mesmo, para além da epidérmica empatia já demonstrada.
Não estava a ser nada fácil chegar a tais portos...
O café e o respetivo anexo chegaram, a pikena estava por aqui há 1 ano,
respondeu-me, com o seu ar naturalmente aprumado, já arranha o português do
cardápio e até um pouco mais e, mais uma vez, aquela incerteza de eu a olhar,
olhos nos olhos, e ela espreitar-me sei lá de onde. Disse-lhe que era um antigo
cliente da casa, perguntei-lhe onde parava a Rosa e ela disse algo de “Avero” (Aveiro?), acrescentei mais umas
lerias oportunamente circunstanciais tentando prepará-la psicologicamente para
me oferecer, por decisão própria se possível, o 2º saqué de rosas, que ao
fim e ao cabo no tempo da Rosa era trigo limpo, ai que porra.
E eu gosto deste “bagaço”, não sei bem se é pelo saqué
em si e o seu efeito em mim, se é pelas rosas, porque eu amo todas as flores, a natural vacuidade com que entram em nós, eu
amo as suas cores, eu amo os aromas, as suas elegâncias, os silêncios, as
sombras, a permanente entrega aos outros e a si próprias, Oh! como eu sou louco por flores. Sempre tão tranquilas sempre à mão de semear de qualquer mão
amiga ou matreira, eu amo despudoradamente estas criaturas de Deus, que não se
cansam de me ensinar coisas acerca das artes e da vida.
Entretanto dediquei-me ao café e ao tal néctar, que
acontece em cálices pequenos,
rendilhados com dragões a fumegarem linhas curvas, e eis a piada da primeira descoberta:
quando a coisa está cheia, a gente ao beber o primeiro gole repara que lá no fundo está uma sr.ª toda descascada numa pose
abertamente descarada e a gente olha e das duas uma, ou ficamos enlevados
eternamente por caminhos lúbricos & afins ou então continuamos a bebericar,
pois em princípio é este o objetivo do ato, enquanto a provocação se vai
diluindo no fundo vazio do olhar e do esquecimento, até desaparecer de todo.
Bá-lá, entretanto a música? suave & calma, obrigava o
maralhal ali presente, demasiado próximo ao meu território, a amainar a
algazarra com que tinha entrado, o que eu agradeci muda e convictamente aos
músicos chineses, aos deuses chineses e também portugueses e a tudo o que
ocasionalmente tinha contribuído para tal. Cansado de vislumbrear, pedi a
conta, que remédio, com um gesto arredondado de uma só mão (mas ainda com umas
ténues esperanças do que seria provável acontecer-me) e o tal saqué de borla Lá
Surgiu, meticulosamente colocado ao lado do raio da conta. Enfim, vale mais
tarde do que nunca, e rejubilei
saborosamente por ter reavido tal privilégio, atirando o último trago goela
abaixo e sentindo-me deliciado com o fogo que se extinguiu melodiosamente pelo
corpo todo.
Com tais sortilégios acontecidos, saí para a rua bem sr. de mim mesmo e do meu destino, fogueei 1 cigarro no meio da noite e algumas
estrelas permitidas pela névoa citadina deixaram-me que tal acontecesse: neste
antro insano de concorrências, foi milagre!
(V. N.
Gaia. Douro Litoral. Portugal)
- rascunho Nº ? -