José Alberto Mar. Com tecnologia do Blogger.

25.4.24

Um barco desliza nas águas ao de leve sonoras

O meu Barco. A viagem. ( Pintura. J. A. M.)

 

de quem só olha.

Há em tudo uma paz impossível, e eu vejo o teu rosto e tu pareces não ser.
Olho-te de novo, e tu olhas-me assim:
tão perto e tão longe, no fundo de mim, que me deixas mais nu.
Eu sei:
és aquela que me chama do fundo das águas
que agora nos unem.
Eu sou aquele que apenas procura
e te entrega o silêncio inteiro das minhas duas mãos nas tuas.
Pois, no fim desta escuridão
somos sempre sozinhos.
A partir de agora, entre nós
não haverá mais segredos.


( Rio Preguiças. Br. ~ J. A. M. )
 
 
 

Poema em Saldo Nº25



uma data que regressa sempre
transparente à cabeça
um sino pendular nas cavernas do corpo
e então escrevê-lo é abrir as potências
do sangue, dos pés até à raiz
dos cabelos, deixar crescer
a vida circular dos dias
pelo silêncio poderoso
se fundamenta um olhar
(foi) um sonho, uma estátua invisível
dentro da memória
ordena-se o esquecimento
mantendo sempre a respiração do Mundo
entre muitos e muitos horizontes.


(J.A.M.)


12.4.24

Já não me lembro se era uma luz

Pintura. J. A. M.

 

Já não me lembro se era uma luz exterior ou
por dentro de mim, mas tudo estava incandescente
de uma forma natural e o Mundo
tinha um amplo sentido exato
em todas as coisas.
 
A certa altura, olhei-me de longe
e com o passar do tempo aprendi
a esquecer-me de mim.
 
No entanto, sou cada vez mais
esse vaso de luz
onde a luz me ensina.


( J. A. M.)
 
 

8.4.24

para alguém será

Pintura. J. A. M.

 

e tu que vieste da escuridão dos meus sonhos
entre o corpo e o sal adormecido
agora na violência deste silêncio apenas
desenhas um só nome: saudade.

Entre esses arquipélagos eis a sombra
da minha espera
enquanto as minhas âncoras acendem
as raízes do mar por onde indago
o céu & a terra
e este sentimento obscuro e fundo
que me entrelaça a ti.


( J. A. M.)




10.3.24

O Grande rio

Pintura. J. A. M.


Conheci uma mulher num país distante, era bela e serena e atravessava os dias, os meses, os anos com uma candura sábia de quem sabe que um dia também iria morrer, como tudo o que está vivo.
No jardim, seu lugar preferido, sentada num banco de madeira, cuja cor já não se sabia. Ocupava-se a olhar as flores à volta com um vagar e o inverso de uma aparente displicência especial, para mim inteiramente incógnita, até hoje. Às vezes olhava o horizonte, às vezes levantava um pouco o rosto para o céu e aqui, era à noite que se demorava mais.
Ao lado quase sempre um livro que a brisa desfolhava quando calhava. Ela parecia ler no ar as palavras que, entretanto, se evolavam das folhas. Parecia nunca usar as mãos e em vez dos braços eu imaginava asas que nunca vislumbrei.
Nunca lhe perguntei nada acerca das artes destes gestos tão silenciosos como as pedras que rodeavam os canteiros. Houve alturas em que me viu olhá-la de longe parecia estar sempre isolada, no entanto eu sentia uma levíssima sensação fresca e inquietante do lado agradável das novidades.
Retrocedia para as minhas tarefas, o pincel, o papel, os quadros, as cores do meu mundo.
De vez em quando, amávamo-nos através dos corpos e parcas palavras. Adivinhávamo-nos através de olhares demorados que continham tudo o que os nossos seres confirmavam.
 
Um dia fui ao jardim, onde era o seu lugar e vi-a adormecida. Chamei pelo seu nome, diminutivo que só ambos conhecíamos, toquei o seu rosto frio, mas apenas vi as flores, todas as flores debruçadas sobre si próprias exalando aromas mais intensos e os frutos maduros das poucas árvores a caírem um a um.
 

(J.A.M.)

 

23.2.24

A vida talvez seja atravessar pontes

Pintura. J. A. M.

A vida talvez seja atravessar pontes. Entretanto viver
os rios que vagueiam por dentro e por fora de nós.
Escurecer com as noites.
Iluminarmo-nos com os dias.
Por fora e por dentro de nós.


( J. A.M.)

20.2.24

Pintura ( 1978?) J. A. M.

enlouqueci devagar como as plantas
para as suas flores


( J. A. M.)

14.2.24

Muitos Sóis

Pintura.  J. A. M.

 

Que hei-de eu fazer senão sonhar um outro alfabeto, uma outra luz dentro das palavras soltando-se para fora?
Lembro-me da infância, dos íngremes ritmos que atravessavam o meu corpo das novidades a cada momento. É daí que lavro a sementeira que agora as mãos permitem.
Há sempre outras ocorrências, outras viagens, outros modos de sublevar as primeiras inocências.
Tudo acaba por coincidir na mesma aventura.
O rigor das diferenças são aparências soletradas só em si. Pois os círculos e as espirais têm sempre a sombra que nos transporta.
A luz, a derradeira luz, bate de lado, bate e bate, para que tudo pareça um simples sortilégio.
Mas não é, não.


( J.A.M.)

4.2.24

INTRODUÇÃO À TELEPATIA

Pintura. J. A. M.

 

Algures pertenço ao silêncio
enquanto suspendo da boca
o fio liso das montanhas, recortadas
junto às luas.
 
 
Mansas mulheres
devoram-me as esquinas às palavras
passeiam-se em línguas estrangeiras
estão atentas às suas imagens.
 
 
Hoje ocupo-me dos pequenos milagres
da linguagem. Fui esquimó europeu árabe
E em todos tive a mesma voraz atenção
a mesma língua muda transparente
em cada momento senti
o vaivém dos corações sem tempo.
 
 
Encontrei poetas pessoas sentadas
cheias, outras a dormirem cansadas
da eternidade.
Em cada um vi a idade nua, fechada
por uma obra silente nos olhos.
Em cada língua soube falar calado
e não houve alguém voltado de repente
olhando-me atónito
como se estivéssemos colocados fora
do lugar.
 
 
Por isso, toco o silêncio. Muitas vezes.
Queimo-me nas vertigens dos gestos falados
querendo prolongar este talento tão ardente
e tão natural
a espera fulminada pelos dons das mulheres
intuitivas
pois é delas esta arte adivinhatória, este estilo
totalmente original
abandonando os campos absurdos da mente.
 
 
As paisagens iniciais atam e desatam-me
o corpo. Os silêncios vivem de um veneno puro
no éter, desdobram a luz das estrelas
por onde outros códigos cantam os corpos
comunicantes
em claros encontros fora das palavras.



( in, O Triângulo de Ouro. J. A. M.)

 

 

 

 

 

26.1.24

Visitas

Life in the Universe. J. A. M.

 

As obscuridades da noite ampliam o espaço do coração pelo silêncio instalado.
Outros ritmos de tambores celestes invadem os rios interiores que transbordam.
Barcos incógnitos e luminosos aproximam-se.
São mensagens de outros mundos que nossos mundos são.
Já não ouso decifrar. Porque pensar é estancar a corrente, germinar barragens.
Prefiro abrir as asas metafóricas e de peito aberto e livre acolher as imagens vindouras que devagar me designam e me fazem ser o que, afinal já era.

Confesso, sou sempre pouco para o que digo.

 


( J. A. M. )

 

21.1.24

no comments

 (3ª parte)

Trabalho: J. A. M.

Coisas comuns ( 2ª parte)



E os círculos de expansão fecham-se. E ao fecharem-se circulam, circulam sem as asas das espirais.
Eis o reflexo da vontade dos deuses que as geraram. Deuses inclassificáveis, nem bons nem maus. 
A vassalagem erguida pelas igrejas , acompanha tais ditames. Os seres humanos androides alimentam as grandes oficinas da energia, retida somente para alguns.
Como desatar os nós desta noite, sabendo que esta é pessoal e privativa e cada um de nós se agarra a ela como se fosse o seu verdadeiro "eu"?

Novos tempos estão vindo. Os universos não dormem.
Mais próximo de nós, o sol estende os seus braços de luz cada vez mais. As suas mãos tocam-nos e algo em nós diluído no trânsito dos dias, transforma-nos.
Ainda remediavelmente inconscientes copiamos a arte dos girassóis.


( J. A. M. )

19.1.24

Coisas Comuns

Pintura: Sinais de um novo Renascimento. J.A.M.

 (1ª Parte)

uma manada de egos invadiu o lugar. Permanecem. É um espaço amplo recheado de paredes, vozes sem eco, corpos distanciados das suas almas, corpos desalmados pelas suas inocências.
Há sempre alguém que levanta a voz, convicto nos quiméricos poderes dos sons e dos seus dons demiurgos e os outros, sem rumo por dentro, escutam-nos (preenchidos momentaneamente) e seguem-nos ampliando os lugares invadidos de egos.
O maior "pecado", a ignorância.


( J. A. M.)

14.1.24

Cantador de Palavras

Pintura. J. A. M. 


 

Um corpo paciente atravessa a transformação
dos dias, as oscilações breves do tempo.
(Não é um corpo inocente, pois tem em si
a nudez das árvores nas paisagens
os lábios nos frutos suspensos da sede)
 
 
E quando desse labor apaixonado
surge uma sombra transparente
será um poema será
uma lentíssima pausa na luz
um novo aroma evaporado da pele
para os olhos de quem sabe morrer
à espera de si.
 
 
Entre os vagarosos crepúsculos das palavras
e o primeiro sopro da leitura
há uma cintura de astros inacabados
percursos de sonhos a dormirem no desejo.
 

É para estas fontes que regresso ao fim das noites
espalhando os sonhos mais raros e sozinhos
sobre a esquecida língua do silêncio.


( J. A. M. )
 
 
 
 
 
 

12.1.24

~ folha de um diário perdido ~

 

Sona Jobarteh está a entrar pelos lados onde as portas são mais negras. Para que as estrelas resplandeçam mais, nesta infindável noite.
Há na vocação das vozes um halo universal redondo é este planeta onde agora vivemos.
 
Como no mar: altas ondas outras nem tanto, a 7ª onda é sempre ouro nos sons alongados e por tal sortilégio algo em nós se expande mais.
Tenho agora os pés nus onde elas esmorecem e eu cresço.
Falo do amor. Falo sempre do amor.
 
Entretanto no mar alto e no seu fundo, tudo parece sereno, adormecido, indiferente.
Mergulhei por aqui em noites de imprudentes êxtases. Cheguei a morrer: de encantamento.
Regressei sempre 1 outro que demorava a reconhecer. Enquanto peixes translúcidos me trespassavam. Enquanto o sal da água resplandecia como minúsculos cometas afogados pelo brilho. E tudo era a mesma matéria, tudo estava sempre ligado a uma luz que de longe clamava.
Os sons, as raízes dos sons de Sona Jobarteh, aproximam tal mistério.
É uma outra colheita para a alma, outra voz incógnita cujos sons chegam a ter cores.
Pleno de tudo, regresso á minha cabana onde acendo uma vela. Vivo numa ilha, desconhecida pelos mapas.
E tudo se torna claro como um anel de sol virado do avesso. Dentro e fora tudo é igual.

 
 

( J. A. M. – Gâmbia-2023)


Sona Jobarteh – Jarabi:

https://youtu.be/oToZfPGMMBY?si=F3abTRDcUiPemF3M


7.1.24

a noite transfigura o olhar

Pintura. A NOITE. J. A. M. ( 1980)

 

Vê-se como a noite transfigura
o olhar
e tudo à volta enaltece um outro
mundo
onde os nossos olhos se inclinam
para dentro
desenhando as formas que chegam
com uma luz alheia, uma luz
cheia de novos horizontes
onde somos os mesmos sendo outros.


( J. A. M.)