José Alberto Mar. Com tecnologia do Blogger.

23.12.22

alianças

Pintura. J. A.M.

 

Sei como os universos estão cheios de estrelas
de ouro breve nas suas viagens
e um coração de ouro nunca tem preço
(eu sei) como o teu sol também é o meu
também sei que por onde caminhas
é o (mesmo) lado só teu 
do lado que também é o meu.


(J.A.M.)

17.12.22

O Farol

( Farol. J.A.M.)

 Alguém disse já não recordo, pois foi num campo de batalha e o ribombar das bombas e dos seus ecos na altura, faziam-nos surdos. A outros, faziam-nos cegos. A outros ainda, faziam-nos mortos. 
Mas a frase em questão, no meio daquele inferno encantou-me o lugar e por momentos caí num silêncio sem tempo, que me trouxe a casa de meus pais, longe muito longe, onde havia um jardim. E a frase era assim: não corras atrás das borboletas, cuida antes das tuas flores que elas virão até ti (1).
 
Ainda hoje, passados séculos, por vezes em dias ou noites em que tudo parece estranhamente desolador, me acontecem as imagens bem nítidas que esta frase levanta à frente do meu olhar.
E então, algo em mim se transforma e tudo à minha volta também.
E um pequeno e incógnito farol aflora por dentro.



(1) frase atribuída, a D. Elhers, em tradução livre.


( J. A. M. )

 

13.11.22

Estremece a estrela que em mim vive

Pintura: J. A. M.


Estremece a estrela que em mim vive
naturalmente aberta
á escuridão
e nos 2 olhos cintila
o véu do instante, a aparência maior
do que é superfície e aí se afoga
pois na multidão dos dias a vida
tornou-se mecânica.

Vejo em todos os gestos um silêncio amparado
pelo silêncio que aspiro
o lugar onde qualquer semente pensa
sonhando com tudo
pois nada do que é fruto
acontece sozinho.

( J. A. M.)

 

 

31.10.22

Na boca das manhãs

Pintura: J. A. M.


O silêncio serpenteia-se nas ondas do ar a boca da noite

abre as flores do coração curva os sons que tem sempre

à mão e o tempo habita-nos mais ao sabermos nos olhos

as sombras que se despedem das árvores onde os pássaros

acolhem os primeiros tons do dia sob o lençol verde

às tantas da manhã pelas cinco e tal ou quase assim começam

a sinfonar uma visão acesa para quem ainda dorme ainda

é cedo ainda há o segredo

de haver um mundo, com tudo sagrado.


(J.A.M.)

 

 

 

 

 

21.10.22

E, no entanto, há uma luz por aqui

Pintura: J. A. M. 

 

e, no entanto
há uma luz
poisada no centro
do seu sereno silêncio de ser
só uma luz
Aberta
para fora
de si

- como se um pássaro esquecesse no voo
o peso das suas asas.
- como se a memória fosse uma trave esmorecida
na casa estagnado dos hábitos.
- como se, algo te chamasse e fosse uma voz cúmplice
no cálice mais translúcido do teu corpo
onde o som maduro do silêncio
te chama - em chamas - alumiadas na cor
e tu estás longe ou perto nos olhos
divagados em ti

E então, nem o ouro
nem a prata

- por onde há-de uma Vida luzir ?

 

10.10.22

um adeus de sombras a voarem

Pintura: J. A. M.

As folhas caiem das árvores
com o peso do Outono
castanhas, amarelas, verdes, vermelhas
às vezes
um adeus de sombras a voarem.

Mudas as árvores abraçam o frio.


( J. A.M.)


 

5.10.22

o meu problema pessoal com as galinhas

 

     Estava no meu cadeirão anti-stress, enlevado sei lá com quê se é que havia tal coisa quando me ocorreu - repentinamente - que afinal tenho uma incerta desavença, pacífica é claro, com as galinhas. Assim à 1ª a coisa não me parece ser grave, mas eu nunca tenho a certeza de nada. E já comecei a cacarejar justificações, até são uns bichos interessantes, quando estão a comer debicam algo no chão tão rapidamente que nem enxergo o quê e depois atiram as cabecinhas para o céu e estão nestas figuras amiudadas vezes. Nos inícios de tais observações eu olhava - imediatamente! - lá pra cima tentando vislumbrar o que era o alvo de tal curiosidade inopinada, pois eu quando como, habitualmente olho para o que está à frente do meu nariz e deixo os céus para as ocasiões místicas. Prosseguindo os já citados cacarejos, também gosto das suas penas, algumas mais, pois vê-se ali a mão da mãe-natureza o deslumbre da luz a desfazer-se em cores.
     Tive uma amiga artesã, das américas do sul salvo erro, que alimentava uma galinha com o intuito assumido de lhe arrancar apenas uma pena de vez em quando, para os seus colares & aquelas obras de arte que lhe davam o pão para a boca. É verdade! Também havia por lá 1 macaco pendurado nas traves da casa, que eram ramos grossos de uma acácia que lhe entrava por ali dentro para lhe oxigenar gratuitamente o ambiente. Uma vez estávamos eu e ela esparramados lá no seu jardim sem cercas que se prolongava por uma floresta a sério cheia de borboletas estonteadas e belos pássaros a esvoaçarem com as suas cores, Tudo junto era bom respirar ali, e então estávamos nós a fazer o nada e aparece o seu filho por aí nove anos se tanto, e deu-me uma lata de coca-cola transformada em cinzeiro para as cinzas do meu fogo no cigarro que ardia alheado disto tudo. O meu preconceito em relação à coca-cola é assumidamente enorme, mas a Brigite sentiu logo a coisa e explicou-me que era a maneira do menino me dizer que gostava de mim e como não tinha mais nada para brincar, costumava apanhar latas no lixo dos Sr.s lá em baixo na cidade e depois transformava-as no que lhe vinha à cabeça e ao coração e, sinceramente, aquilo era uma piquena obra de arte. Olhei para a criança como quem olha para um Deus e os seus olhos eram luminosos e felizes e eu,,,eu também fiquei feliz e com a voz embarcada num nó cego até às lágrimas que contive. A mãe sentiu tudo como só as mulheres sabem e ofereceu-me um chá que dividimos pelos 3.
     Afinal, a bem dizer eu até gosto das galinhas, a maneira como se deslocam com as duas patas indecisas parecem sempre inquietas à toa, mas isso não passa de + uma perceção pessoal, pois suspeito que só vejo aquilo que sou e aí há que ter uma certa parcimónia nas coisas dos julgamentos, juízos de valor, essas lérias.

     São precisamente 5 h. e tal da noite e ainda estou pr’aqui com as minhas irmãs galinhas, que são muitas no meu quintal, sem medos dado que eu não as papo pois adotei a moda saudável de ser vegetariano já faz um tempo que estou sentado à sombra de 1 pinheiro que também habita comigo ali no canto onde lhe deu para estar e dá-me pinhas às vezes pinhões que eu amontoo numa tigela azul e branca da dinastia Ming que tenho na cozinha, foi uma namorada chinesa mesmo da China que m´a deu, o pai era podre de rico, segundo ela, mas fiquei sempre na dúvida se a peça era realmente verdadeira ou não, mas como não ligo a tais valores, o que me agradou foi a sua beleza  singular. À superfície, na epiderme colorida, o branco e os azuis entrelaçados como fios de cabelos ondulados parecem dançar uma música que julgo escutar às vezes, quando o silêncio à volta se fecha e estou muito dentro. Quando acumulo forças suficientes, pego nos tais pinhões às mãos cheias e quebro-lhes as couraças, um a um atentamente, com uma pedra de estimação que tenho sempre à mão de semear para ocasiões mais determinantes.

 

     Depois desta ocasional divagação, retorno à cabeça da pescadinha de rabo na boca que agora com o tempo já é uma serpente a morder a cauda que dá veneno, que também pode ser remédio, tantas vezes se dá este caso há esotéricos que o dizem, e o que eu nesta realidade   pretendia dizer é que elas, as minhas amigas galinhas, têm uma relação íntima visceral com o Sol(1) que eu naturalmente também mantenho com todo o apreço deste mundo e dos outros, mas também gosto das estrelas e da lua e dos silêncios azuladamente brilhantes quando o são outras vezes nem por isso acontecem estas circunstâncias de 1 gajo estar ~ graças a Deus ~ a respirar mesmo vivo no meio destas montanhas onde o meu patrão sou eu não.

 

 

(Foz-Côa. Douro. Portugal)

 

 

(1) As galinhas a que me refiro, são umas felizardas parolas nas aldeias pois em relação às suas irmãs macambúzias & amordaçadas de todo (como os irmãos humanos) fechadas em infernos imaginados por desalmados, onde claramente desconhecem o que é a noite. Foi através do genuíno comportamento das 1ªs que surgiu o ditado popular: “fulano ou sicrano deita-se com as galinhas”. Isto é, esse alguém mal se põe o sol já está deitado a dormir, caso não sofra de insónias. Interessante!  (ocorreu-me agora). Nos meus tempos de intelectual puro & duro, deu-me para estudar com muito afinco e múltiplas pesquisas no terreno, o pano de fundo ontológico destes animais, digamos assim, e nunca apanhei uma só galinha acordada, com insónias, ao lado da fileira em que se costumam organizar, mui meticulosamente, para meu espanto na altura.

 

 

~ in, O Ouro Breve dos Dias. Livro de contos.2021. J. A. M. ~

26.9.22

A Porta das Imagens

"Portal". Exposição SOMETHING is CALLING

 Por vezes, alguém põe um dedo na ferida. Quero dizer: alguém acorda a sombra geral dos seus nomes e os nomes mergulham nos ritmos do sangue e logo as mãos crescem para os lugares e os lugares crescem com elas e tudo fica mais Alto. Há quem passe, olhe de lado e continue a sua vida. Outros há que passam e se detêm por um pormenor mais chamativo.

Claro que todos os lados, todos os nomes são pretextos. E os lugares também. Nascemos e morremos por uma graça indomável perdida no tempo. Andamos às voltas disto tudo enquanto por dentro acordam e adormecem as sementes povoadas pelos estranhos frutos de uma sede sem fim.

Vozes e imagens que cantam a Vida e o exemplo dos milhares de sóis mesmo sabendo-se que para outros olhares, há um abismo memorial nas cabeças uma outra idade outra boca menos cercada pelos dons dos dias, na transformação dos corpos.

 

(in, “A Primeira Imagem “ , J. A. M.)

21.9.22

A propósito da Exposição de Artes Visuais: "SOMETHING is CALLING". (Inauguração a 24-09-22)


~ alguém encontra algo porque escutou  ~


alguém passeia-se algures por caminhos e paisagens onde há pedras pelo chão e acontece-lhe curvar-se de repente, por algo que o chama sem dar-bem-por-isso e há um diamante entre as suas mãos, o olhar turva-se pelo brilho que o sOl, atento a tudo onde há vida, lhe oferece no mesmo instante e depois

há quem veja logo ali um presente, há quem não dê conta do vislumbre que lhe aconteceu e continue apegado aos seus hábitos, atirando o pequeno seixo para as águas de 1 rio que desliza por ali no seu natural ocaso indiferente a tudo isto.

Os hábitos escravizam, tornam-nos cegos.

Todos os dias acontecem coisas assim, parecem banais porque são diárias, mas não o são, não. Nada é banal nesta vida que nos está acontecendo.

E por aqui os diamantes não têm quaisquer preços, são iluminadas fontes metafóricas, criadas pela infindável sede que também habita nos profundos lençóis da Terra:


- Quanto demora uma idade a ser luz?

( J.A.M.)

 


 

18.9.22

SOMETHING is CALLING

 

DAYS ARE
Rua Miguel Bombarda, 124 - sala A, Porto 

 Tel: +351 917 185 350

 Email: daysarept@gmail.com

https://www.facebook.com/daysare.pt

https://www.facebook.com/josealberto.mar

~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~


“Mais uma vez, se nos afigura que o cunho inconfundível da arte de José Alberto Mar flui naturalmente da matriz existencial do poeta, pintor – e visionário - e de uma radical liberdade do ser e do estar como assumida celebração da vida. (…)”

(Sofia Moraes)


9.9.22

um céu para ti

Pintura: J. A. M.


as aves esburacam o espaço, não propriamente ao sabor das suas asas, mas por uma vontade uníssona levadas pelo ímpeto do grande mistério da vida.

Em bando, têm 1 só espírito. Vê-se. 

Quando solitárias,
sobem
descem,
sabem, 
saboreiam, 
satisfazem o olhar de quem as contempla.

 


 

31.8.22

Conheci uma mulher num país distante

Pintura: J. A. M.

Conheci uma mulher num país distante, era bela e serena e atravessava os dias, os meses e os anos com uma candura sábia de quem sabe que 1 dia também iria morrer, como tudo o que está vivo.

No jardim, seu lugar preferido, sentada num banco de madeira, cuja cor já não se sabia. Ocupava-se a olhar as flores à volta com um vagar e o inverso de uma aparente displicência especial, para mim inteiramente incógnita, até hoje. Às vezes olhava o horizonte, às vezes levantava um pouco o rosto para o céu e aqui, era à noite que se demorava mais.

Ao lado quase sempre um livro que a brisa desfolhava quando calhava. Ela parecia ler no as palavas no ar que se evolavam das folhas. Parecia nunca usar as mãos e em vez dos braços talvez tivesse asas.

Nunca lhe perguntei nada acerca das artes destes gestos tão silenciosos como as pedras que rodeavam os canteiros. Houve alturas em que me viu olhá-la de longe estava sempre distante, no entanto eu sentia uma levíssima sensação fresca e inquietante, do lado agradável das novidades. Retrocedia para as minhas tarefas, o pincel, o papel, as telas, as cores do meu mundo.

De vez em quando, amávamo-nos através dos corpos e parcas palavras. Adivinhávamo-nos através de olhares demorados que continham tudo o que os nossos seres confirmavam.

Um dia fui ao jardim, onde era o seu lugar e não a vi. Procurei-a por todos os cantos, mas apenas vislumbrei as flores, todas as flores debruçadas sobre si próprias exalando aromas mais intensos e os frutos maduros das poucas árvores a caírem um a um.

J. A. M.


 

29.8.22

"não corras atrás das borboletas, cuida antes das tuas flores"

Pintura: J. A. M.













Alguém disse já não me recordo, pois foi num campo de batalha e o ribombar das bombas e dos seus ecos na altura, faziam-nos surdos. A outros, faziam-nos cegos. A outros ainda, faziam-nos mortos.
Mas a frase em questão, no meio daquele inferno encantou-me o lugar e por momentos caí num silêncio sem tempo, que me trouxe a casa de meus pais, longe muito longe, onde havia um jardim.
E a frase era assim: não corras atrás das borboletas, cuida antes das tuas flores que elas virão até ti (1).

Ainda hoje passados anos, por vezes em dias ou noites em que tudo parece estranhamente desolador, me acontecem imagens bem nítidas que esta frase levanta à frente do meu olhar.
E então, algo em mim se transforma e tudo à minha volta também. E um sorriso leve e doce aflora por dentro.


(1) frase atribuída, a D. Elhers, em tradução livre.

26.8.22

Exposição de Pintura: REFLEXOS da FONTE.

“Mais uma vez, se nos afigura que o cunho inconfundível da arte de José Alberto Mar flui naturalmente da matriz existencial do poeta, pintor – e visionário - e de uma radical liberdade do ser e do estar como assumida celebração da vida. (…)”

( Sofia Moraes)


( "Clube Prova D´Arte". Evento promovidado pelo Espaço QuadaSoltas )




 

19.8.22

Universos Paralelos

Pintura: J. A. M.

Escuta o silêncio. Como se fosse o mar.
Onda a onda cada pensamento é nuvem.

Voltemos ao centro. Onde gravitas como
alguém que procura
mas apenas poderás encontrar.

(2022)

10.8.22

olhos nos olhos


Obra: J. A. M. . Mulher.














tu cresces e eu cresço quando

algo cresce de novo entre nós.


Olhos nos olhos

uma desconhecida  Luz dialoga.


15.7.22

( ao artista Vadú)

 Noite. J. A. M. . 1987

 














ainda recordo algumas imagens como pétalas caídas no meu regaço estava no restaurante “Quintal da Música” com o meu amigo acontecido há pouco por ali, entre strelas (1) douradas pela luz oblíqua da porta semiaberta da entrada e saída e os dengosos funanás no palco onde a Mayra (2) se espraiava deleitosamente.
E ele entrou, fino, esbelto como um lírio estremecido pela sua íntima alegria de estar naturalmente vivo no seu gingar dançante e o meu amigo inesperadamente levantou-se assaltou-o na dança e apresentou-me: este é o não-sei-quê.
Levantei-me a pesar a repentina gravidade do momento e a que existe em todo este mundo de deus, mas a leveza que me acompanhou logo me surpreendeu e quando olhos nos olhos enlaçámos as mãos eu vi ali um ser raro mesmo à minha frente daqueles que já ganhei o dia embora neste agora quase já fosse noite.

 “Lá Fora” (3) no surpreendente mundo das pessoas tudo parecia continuar a ser igual.

Quando a altas horas consegui descer de tudo aquilo, pois nestas farras a fraternidade por estas bandas é imensa e onda a onda neste mar tudo se demorna já os meus amigos no veículo estavam à espera numa achada (4) próxima.
Levantei as asas possíveis com tais companhias é sempre fácil e logo estávamos a viajar entre tantas estrelas à mão de semear que nem vos conto.

 

1. cerveja caboverdiana.

2. Mayra Andrade. Cantora.

3. título de canção de Vadú.

4. planalto de origem vulcânica.


 Nota: texto alusivo ao cantor Vadú(1977-2010)

 

(in, Livro de contos “O OURO BREVE DOS DIAS”, 2021)

~ J. A. M. ~


9.7.22

Declamação de poema

J. A. M. - "EspaçoQ/ quadraSoltas". Porto ( 7-7-22)














VOZES COMUNICANTES


Às pessoas nómadas, nos corpos e nas almas
um beijo indelével no rosto ausente
intervalo onde tocamos juntos
a íntima unidade no coração das coisas.

Sobre as infindáveis ciências dos homens
pousamos a luz urgente de outros olhos
desce sobre nós
a lucidez dos universos vivos.



inO Triângulo de Ouro - Editora Justiça e Paz.1988.
(Prémio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores.1987)


P.S. Dedicado a António Ramos Rosa e a todos os Amigos ausentes e presentes.


 

3.7.22

enquanto as palavras são sombras na frescura do Verão

self

 

Enquanto as palavras são sombras na frescura do Verão e as flores parecem sempre adormecidas pelos prados e as nuvens altas viajam em formas só delas, como te dizer os muitos nomes deste espanto?
Como te dizer que tudo isto é, um outro Todo já incluído em ti?

A nossa vida, o incógnito milagre sempre longe sempre em nós, onde há demónios e deuses, montanhas e vales, dores e alegrias, por dentro e por fora, e o nosso olhar se apaga no final dos dias.
De um lado continuamos a dormir lençóis de sonos, por outros lados e cheios de vida colhemos visões em outros mundos que são nossos parceiros, enquanto Deus agita os seus 1001 braços nas suas mãos imensas alongadas em dedos luminosos por toda a ilusória escuridão sem fim.

( J. A. M. )

27.6.22

há outras distâncias outras disciplinas

Pintura: J. A. M.


(…)depois, também há outras distâncias outras disciplinas: a respiração ritmada no peito ao som dos longínquos tambores celestes não são perto nem longínquas as estrelas como agora as gotas de chuva hipnotizadas nos vidros das janelas.
Ainda que todas as luzes respirem só por dentro, acontece ás vezes a dor de ser humano alisada como um lençol sobre os joelhos, com o olhar preso à vastidão das pequenas ondas visíveis.
Ao olharmos para o mar sentimos como tudo isto é uma parte de nós mesmos.

 

21.6.22

( a um amigo pintor)

Pintura. "O Centro". J. A. M. 

 

É alguém que procura. Vinte e tal anos, uma água no corpo agitada em marés, a enorme quantidade de animais lá dentro uns em matilha outros solitários e secretos, outros ferozes outros mansos, com 4 patas a correrem solenes pelas paredes interiores e a desaguarem nas pinturas.

No meio de tantas ilhas uma súbita inspiração: haverá um desígnio para mim? Qual o voo que por vezes acorda uma espécie de suspeita muito íntima que me anuncia sem nomes? Qual a fonte destas inquietas descobertas?

Entretanto os dias atropelam-se, as noites longas possibilitadas pelos corpos que recusam o sono, os amigos que se aproximam e se afastam, a indefinível energia que dá movimento a tudo.

Se houvesse uma voz bem clara que gritasse no meio da noite, podia acontecer um tremendo pavor ou uma paz impossível. Com vinte e tal anos tais milagres são passíveis, e fugazes: demasiadas vozes descem juntas porque há sempre um vaso de luz aberto às novidades. É este vaso que transportamos pela vida a fora.

E, é assim a caminhada até 1 dia: é preciso construir um tema que nasça do fundo, uma linha que se prolonga ao mesmo ritmo, repetir o hábito que vem de si próprio e esquecê-lo para haver um outro, escutar o rumor do seu rio só seu, caminhar em companhia com os sonhos que nos acordam ao longo da idade.


R. T. - 7-07-2020

 

15.6.22

Ilhas ligadas

Pintura: J. A. M.

 

Às pessoas nómadas nos corpos e nas almas
um beijo indelével no rosto ausente
intervalo onde tocamos juntos
a íntima unidade no coração das coisas.

Sobre as infindáveis ciências dos homens
pousamos a luz urgente de outros olhos
desce sobre nós
a lucidez dos universos vivos.



inO Triângulo de Ouro - Editora Justiça e Paz.1988.
Prémio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores.1987)

 


5.6.22

bastou um sorriso

Pintura. ÁRVORE de SÓIS: J. A.M.

 
















No meio dos dias, por vezes, a surpresa de um coração desprotegido
cercado por uma luz sem nomes.
Um rosto caído em cascata no olhar desnudado como se uma estrela
longínqua estivesse a falar.
 
Bastou um sorriso.
 
Por vezes, a inesperada vida deslumbrada por um encontro ao acaso
numa rua qualquer, onde arde a fulgurante e permanente chama do Mundo.


23.5.22

Obras em Exposição: “ SMILE & WAVE ”. Porto ( Portugal)


 OBRAS:

ABRAÇO;
As grades da "Liberdade";
A Nova Dança ( iniciada em 2020);
Escadas de Jacob;
"PORTAL";
O nascer do Sol e o por do Sol.


Realização do vídeo: X._ico (https://www.instagram.com/x._ico/)


16.5.22

Dentro e Fora tudo é igual



Imagem Digital. J. A. M. 










Sona Jobarteh está a entrar pelos lados onde as portas são mais negras. Para que as estrelas resplandeçam mais, nesta infindável noite.

Há na vocação das vozes um halo universal redondo é este planeta onde agora vivemos.

Como no mar: altas ondas outras nem tanto, a 7ª onda é sempre ouro nos sons alongados e por tal sortilégio algo em nós se expande mais. Tenho agora os pés nus onde elas esmorecem e eu cresço.  Falo do amor. Falo sempre do amor.

Entretanto no mar alto e no seu fundo, tudo parece sereno, adormecido, indiferente. Mergulhei por aqui em noites de imprudentes êxtases. Cheguei a morrer: de encantamento. Regressei sempre 1 outro que demorava a reconhecer. Enquanto peixes translúcidos me trespassavam. Enquanto o sal da água resplandecia como minúsculos cometas afogados pelo brilho. E tudo era a mesma matéria, tudo estava sempre ligado a uma luz que de longe clamava.

Os sons, as raízes dos sons de Sona Jobarteh, aproximam tal mistério. É uma outra colheita para a alma, outra voz incógnita cujos sons chegam a ter cores. Pleno de tudo, regresso á minha cabana onde acendo uma vela. Vivo numa ilha, desconhecida pelos mapas.

E tudo se torna claro como um anel de sol virado do avesso. Dentro e fora tudo é igual.

6.5.22

Porto noturno

Jardim de João Chagas ou Jardim da Cordoaria

 

até que enfim o Porto hoje era uma cidade viva às 3 horas da manhã ainda havia uma chusma de gente nas ruas à volta dos Clérigos e, enquanto resolvia comigo a estranheza da novidade, acabei por me sentar numa cadeira à frente do café Piolho. Havia pessoal desordenado, em grupos, falavam, riam, bebiam. Gostei. Havia também um aroma quente no ar e fiquei por ali o tempo de 2 finos frescos, ou foram mais?
Depois, atravessei a escuridão do jardim da Cordoaria, onde revi de soslaio, mas com natural atenção, as estátuas do Juan Muñoz. com aquela parca luz geral a gentinha do nosso hermano ganhava um ar mais severo e bizarro.
Mas porque é que não estavam parados?

As extensas sombras pelo chão pareciam levitar ao som dos candeeiros sobriamente acesos. Ao fundo, ainda estalavam no ar as gargalhadas dos jovens, abrindo a noite a outras luzes mais


(J. A. M.

- Porto. Portugal. 2007 - 


P.S. texto incluído no Livro de Contos
  O OURO BREVE DOS DIAS. 2021.

 


3.5.22

deslizando sobre as águas do Mundo

Maranhão. Br. ( Foto: J. A. M. )

 










Havia 1 marinheiro que tinha um barco.

Havia 1 barco que tinha um marinheiro.

Ambos não tinham nada, a não ser o mar

e os horizontes.

 

Eram muito felizes naquela cumplicidade silente

com o marulhar sempre tão presente

que, quase sempre, parecia ausente.


( J. A. M. )

 

 

30.4.22

de passagem

Autor: J. A. M.















Eis a quimera. A cada momento
o halo do permanente mistério
no rosto, ou no olhar ou
nas inesperadas surpresas
que nos acontecem.

Olho á volta como se tudo estivesse
em mim, como realmente está
e sou a árvore, a brisa, as nuvens
eis as quimeras
que logo esqueço para ser 1 outro
que se enlaça à  vida
um travo a mais é sempre
bem vindo.


( J. A. M. - 14-04- 2022)


24.4.22

Porque é que cresce a mão para a palavra?

Pintura: J. A. M.

 















Há o sol e as matérias primas
dentro do sangue nos corpos
há os dias e as noites recolhidas,
submersas até aos dedos
e ainda há o Mundo e as pessoas
os animais, as árvores, a Natureza
e a vastidão da respiração
que vem do coração da vida
seio de idades invadidas por tantos rostos
e há instantes imprecisos em que somos quase
inteiros
no útero de tudo onde as vozes se instalam
mas só às portas soltam as suas âncoras:
as palavras, as sombras que agora vos escrevo.
 
O olho do mundo dança-me na cabeça
ao sabor das luzes que giram
na alta nudez sem nome.


( J. A. M.)