José Alberto Mar. Com tecnologia do Blogger.

25.6.18

hoje deu-me para ir jantar fora



Hoje, deu-me para ir jantar fora. Ao restaurante mais próximo, dado que estava a chover e eu e os guarda-chuvas não temos uma relação lá muito íntima, mas com o tempo lá acabei por aceitar tal facto. O que a gente não acaba por aceitar, com o raio do tempo? Lá fui entre a noite bem escura e as gotas de água fria que me perseguiram até à meta pretendida e quando desemboquei na coisa é que me apercebi que amanhã será feriado e por conseguinte todo o pessoal da zona lhe deu pra ir prá-li.
Lá me alinhei aprumadamente na fila de espera depois de emprestar o (meu) nome ao men de serviço nos apontamentos lá fiquei entretido com o vái-vém corredio dos empregados, mais um ou outro personagem que sobressaia e me levava o olhar para lá onde acabava por se esfumar (as mesas fartas, as bocas a mastigarem abertamente, os vários planos arranhados das algazarras, os omnipresentes telemóveis pelo meio das batatas fritas as carnes a fumegarem, o ruido abrupto das 4 pernas das cadeiras juntas quando deslizavam, um prato que foi desta pra melhor forçando à despedida a presença obrigatória de muitos olhares, por aí…..)

e sem dar por isso já estava a ser encaminhado por um empregado conhecido que me levou pela mão (esta inventei agora :-), para uma mesa com duas cadeiras, onde obviamente só ocupei uma. Aparentemente. Dado que a outra, por debaixo da toalha de linho rafeiro, abandonada na queda, servia-me para apoiar confortavelmente as sapatilhas encharcadas de todo. Por cima da minha cabeça havia uma T.V. e no início estranhei tanta gente a olhar para mim. O meu ego veio ao de cima mas logo o despachei, pois tenho mais que fazer.
Dado a algazarra inopinada (em relação às minhas perspetivas iniciais), explico, não só pelo feriado já aludido mas também porque já começou a coisa do Natal e ele há grupos mais grupos a juntarem-se para se comemorarem e ainda bem quando chegou o empregado com aquele livro muito fino que só tem meia-dúzia de folhas habitualmente, mas aqui fica-se pelas duas, eu disparei-lhe logo a solução: ½ dose de açorda de camarão (lá são generosos nisto, já não é a 1ª  vez)  e o  maduro branco da casa ( é do Douro, bonzinho até à data), e aguardei pastando o olhar pela multidão de vozes e rostos e gestos e televisões ligadas nos 4 cantos do lugar, nesta altura do campeonato, ainda abandonadas de todo, quem diria? Felizmente o pedido não demorou a ter resposta, pois já estava a esgotar o cardápio visual & sonoro. Debrucei-me sobre o assunto em questão e isolando-me do mundo à-volta, saboreei o repasto, pois realmente a fome é negra, como dizem os pobres pois os ricos ainda não chegaram lá e com a noite da alma onde vivem ainda mais, depois havia ali mesmo à frente do meu nariz mais 1 camarão rosadinho que nem as bochechas de uma minhota, mais uma conchinha para escancarar, mais uma colherada de açorda com orégãos & a faca o garfo entrecruzando-se num bailado amistoso + uma golada do vinho fresco, tudo estava a ficar  mais claro e comecei a serenar os impetuosos ânimos um tanto ou quanto já exaltados do meu dele estômago que desde manhã cedo, não tinha vislumbrado niente. Fizemos as pazes, finalmente nunca é tarde para tal deslumbrante facto, a meu ver.

Mastiguei demoradamente, como é meu hábito, entretido com os minúsculos sabores que advêm de tal esforço pelos vistos compensatório para as papilas gustativas que bateram palmas em uníssono e  escortinando agora à-volta aquele mundo parecia-me longe. Tinha-me desligado. Aprendi esta pequena arte algures com um mestre budista que, mal me apanhou a suplicar-lhe pela iluminação, me enfiou numa gruta sozinho por um ano e tal. Foi numa alta montalha do Tibete (bem perto de um portal) toda alva de neve e quando saí de lá até voei. Bendito mestre.
Bons tempos...em que entre mim e os anjos apenas havia a diferença no comprimento das asas.

Depois regressei aos insanos ocidentes made in U.E. prá-ki made in U.S.A. prá-li, mais o Trump e o Kim naquelas poucas vergonhas, tudo no fundo feito num nó cego bué amistoso &  mafioso, e todas as tais minhas asas foram à vida. 1º fiquei desencantado de todo numa tristeza sem nexo ( e sem sexo) , depois caí numa depressão horrível e mais depois, logo a seguir, psicólogos psiquiatras pírulas um balúrdio de $ na farmácia [1]. Terra esta de danados... Também de pessoas simples, humildes e humilhadas tantas vezes, parece-me que só ás vezes damos por isso.

Após um café e um incendiário bagaço (fabrico caseiro de alambique, proibido nas Europas eles lá sabem o que fazem?) lá me dispus a declarar-me à noite que remédio, regressando a casa entre estrelas muitas e gotas de chuva agora prateadas pela luz descarada que descia da lua cheia.



mês do Natal( Rascunho Nº 241)








 [1] Onde, graças a Deus, me deixam pagar ao fim do mês quando o patrão me dá, também dizem: graças a Deus, o tal de ordenado mínimo.


Série: Labirintos Acesos

120X120 cm. Autor J. A. M. - 2018
~
Linkhttps://www.ted.com/talks/janna_levin_the_sound_the_universe_makes#t-277925

22.6.18

Blog: Gazeta de Poesia Inédita.


Celebro a vida todos os dias.


o silêncio serpenteia-se nas ondas do ar a boca da noite
abre as flores do coração curva os sons que tem sempre à mão
e o tempo habita-nos mais ao sabermos nos olhos as sombras
que se despedem das árvores onde os pássaros acordam
os primeiros tons do dia sob o lençol verde às tantas
da manhã pelas cinco e tal ou quase assim começam a sinfonar
uma visão acesa para quem esmorece ainda é cedo ainda há o segredo
de haver um mundo contudo sagrado.

( J. A M.)

Link: https://gazetadepoesiainedita.blogs.sapo.pt/jose-alberto-mar-celebro-a-vida-todos-4994

13.6.18

"os trabalhos e os dias"



é necessária uma longa preguiça
laboriosa distracção para que o acaso encontre
as portas do seu espírito.

é preciso aguardar atento

esses nomes estremunhados ainda
circulando sobre os corpos a espera
no sono disfarçado pelas mãos.



( 2001 ? )

5.6.18

coisas nocturnas



até que enfim o Porto hoje era uma cidade viva às 3 horas da manhã ainda havia uma chusma de gente nas ruas à volta dos Clérigos e enquanto resolvia comigo a estranheza da novidade, acabei por me sentar numa cadeira à frente do café Piolho. havia pessoal desordenado em grupos, falavam, riam, bebiam. Gostei. havia um aroma quente no ar & fiquei por ali o tempo de 2 finos frescos, ou foram mais?
Depois, atravessei a escuridão do jardim da Cordoaria, onde revi de soslaio, mas com atenção, as estátuas do Juan Muñoz. com aquela parca luz geral a gentinha do Muñoz ganhava um ar mais severo e bizarro. Mas, porque é que não estavam parados?

As extensas sombras pelo chão pareciam levitarem ao som dos candeeiros sobriamente acesos. ao fundo, ainda estalavam no ar as gargalhadas dos jovens, abrindo a noite a outras luzes mais.



( 2009. Rascunho Nº 213 )