José Alberto Mar. Com tecnologia do Blogger.

30.9.18

~ não peço brasas emprestadas ~



hoje, porque é domingo, deu-me para ir jantar fora pra espraiar ver gente à minha volta talvez fazer amigos algo assim que pudesse ser um não-sei-quê-de-diferente do raio da semana de trabalho. Encaminhei-me para o  restaurante mais próximo dado que estava a chover e os guarda-chuvas não se dão bem comigo & vice-versa e já agora  confesso com o  tempo acabei por aceitar tal facto, assim como muitos outros e outros até não, francamente, há coisas que real/mente Não abdico. Lá fui entretido com  a noite bem escura e as gotas de água fria que me perseguiram até à meta pretendida na altura e quando desemboquei na coisa é que me apercebi que amanhã será feriado e por conseguinte todo o pessoal da zona lhe deu pra ir prá-li, coincidências do caraças.

Lá me alinhei aprumadamente na fila de espera depois de emprestar o nome ao men de serviço nos apontamentos e pus-me a pasmar com o vái-e-vém corredio dos empregados por  entre N curvas do pouco espaço e os rostos foragidos de si próprios,  mais um ou outro personagem que sobressaia por 1 ocaso qualquer  que logo olvidei  e me resvalava o olhar para aqui e acolá onde acabava por se esfumar (as mesas fartas, as bocas a mastigarem abertamente nos vários planos arranhados das algazarras, os omnipresentes telemóveis pelo meio das batatas fritas & das carnes a fumegarem químicos, o ruído abrupto das 4 pernas das cadeiras juntas quando deslizavam, um prato que foi desta pra melhor forçando à despedida a presença obrigatória de muitos olhares, por aí…..)

e sem dar por isso já estava a ser encaminhado por um empregado conhecido que me levava pela mão imaginei isto agora mesmo, sou franco, pois quando já à uns bons anos, fui palhaço num pequeno circo ambulante pela província descobri que somos todos crianças amorosas ou para lá caminhamos queria tanto crer, então logo a seguir aconteci numa mesa com duas cadeiras, onde obviamente só ocupei uma. Aparentemente. Dado que a outra, por debaixo da toalha de plástico com quadrados ainda vermelhos servia-me para apoiar confortavelmente as sapatilhas encharcadas de todo. É Inverno por estas bandas e dei as botas ao Sr. A. que estava a tentar dormir à soleira da porta de minha casa, quando o encontrei vinha eu sei lá de onde , já a transbordar de estrelas mediunicas &  cheio de  generosidade pela Humanidade,  o pobre diabo é que as pagou. ( Será necessário haver sempre uma vítima & um algoz, neste Mundo? )

Por cima da minha cabeça havia uma T.V. e no início estranhei tanta gente a olhar para mim. O meu “eGo”,  ( o tal meu cão com o seu aspeto cada vez + belo  qual modelo, já vai tendo  uma boa cotação na praça internacional, após exposição pública desatempada, mas oportuna, a meu ver, qualquer dia chamam-no pra  Hollyood  é o meu  grande sonho  e eu vou ser o seu curateur & ambos vamo-nos safar bem na vidinha, haja deus! ) veio-me agora ao de cima isto são tentações ordinárias que acontecem pelos raios dos hábitos mas, a bem da verdade centremo-nos centra-te ), o meu cão rafeiro acima referido, desta vez  ficou a  fingir que guarda  a casa.

Dado a algazarra inopinada (em relação ás minhas perspectivas iniciais, para quê as perspectivas quando tudo está sempre a mudar como nos anúncios das T.V.s ? ), explico,  não só pelo feriado já aludido mas também porque já começou coisa dos Natais e ele há grupos & mais grupos a juntarem-se para se comemorarem felizmente há males que vêm por bem e quando chegou o empregado com aquele livrinho trés fino que  só tem meia-dúzia de folhas habitualmente, mas aqui fica-se pelas duas, eu disparei-lhe logo a solução: ½ dose de açorda de camarão ( lá são generosos nisto, já não é a 1ª  vez & até dá pra trazer pra casa, para mim, para o eGo e uma cadela do vizinho, presentemente em época de cio)  e o  maduro branco da casa  com o seu conveniente ar de frescura ( é do Douro, bonzinho até à data venham mais turistas para o sr. costa gerir bem se for possível o zé povinho até lhe agradecia), e aguardei pastando o olhar pela multidão de vozes & rostos & gestos & televisões nos 4 cantos do lugar já agora porque não haver 5  nesta altura do campeonato  mundial naquela base  consumista & insana  das  competições? , e então

o pedido não demorou a ter resposta & ainda bem pois já estava a esgotar o cardápio visual & sonoro. Debrucei-me sobre o assunto em questão e isolando-me do mundo à-volta, saboreei o repasto, pois realmente a fome é negra, como dizem os pobres pois os ricos ainda não chegaram e com a noite da alma  pelo meio ainda mais ou ainda menos, (quem o há-de  dizer?),  depois havia ali mesmo à minha frente mais 1 camarão rosadinho que nem as bochechas da minha namorada  minhota, mais uma concha para desnudar mais uma colherada de açorda com orégãos, a faca & o garfo entrecruzando-se num bailado amistoso + uma golada do delicioso néctar que descia qual cascata deslumbrada em si (e em mim), TudO estava a ficar  1 pouco mais claro  comecei a serenar os impetuosos ânimos um tanto ou quanto já exaltados do meu dele estômago que desde manhã cedo não tinha vislumbrado niente.
Fizemos as pazes finalmente nunca é tarde para tal deslumbrante facto, claramente. Assim isto servisse de indelével exemplo a tanta gente perdida  por aí, valha-me Deus.

Mastiguei demoradamente como é meu hábito, já tive pressas quando era maluco, todo entretido com os minúsculos sabores que advêm de tal esforço pelos vistos compensatório para as papilas gustativas que batiam palmas em uníssono. Escortinando agora à-volta aquele mundo parecia-me tudo muito longe. Efetivamente, tinha-me desligado. Aprendi esta pequena arte algures com um mestre budista que me enfiou numa gruta sozinho por um ano e tal. Mal me pôs a vista em cima, ali à porta do mosteiro sedento da tal luZ, nem me deu tempo para. Foi numa montanha do Tibete ( bem perto de um portal ) toda alva de neve e quando saí de lá até voei já tinha asas.
Bons tempos,,, em que entre mim e os anjos apenas havia a diferença no comprimento das mesmas. Quanto à cor ( as minhas ainda eram negras devido à  demorada escuridão) ninguém se sentia nem mais nem menos assim é que eu gosto & gostos não se discutem.

Depois regressei aos imperais  & imperiosos Ocidentes, via Portugal ( onde tenho um torrão de terra em Trás-os-Montes),  caí desamparadamente na dialétioca  made in  U.E. prá-ki made in U.S.A. prá-li todos  feitos em nós obscuramente  amistosos opiniões pessoais claro & todas as minhas asas foram à vida. 1º fiquei lorpa de todo a ver telejornais e jornais e sei lá que mais, depois  deixei-me disso e comecei andar macambúzio pelos cantos dos dias & das noites depois  mais adiante surgiu-me  uma depressão horrível  afiançou-me   mesmo o Sr. Dr. da Caixa, e mais depois logo a seguir Sr.s Dr.s psiquiatras pílulas um balúrdio de $ nas farmácias [1], quase ia parar ao Hospital do Monte da Virgem, secção dos malukinhos. Terra esta de danados , meu irmão, como vamos nós resolver esta balbúrdia?

Após um delicioso café  ( honra lhe seja feita )  e um incendiário bagaço ( fabrico caseiro, proibido nas Europas eles lá sabem o que fazem) lá me dispus a declarar-me à noite sozinho que remédio, regressando a casa entre estrelas muitas penduradas nos seus destinos de estarem ali para os meus olhos solitários e gotas de chuva agora prateadas pela luz descarada que descia da lua subitamente cheia.








[1] Onde felizmente me deixam pagar ao fim do mês  quando o patrão me dá (Deus lhe dê  muita saúde), o tal de ordenado mínimo que  já nem tenho cabeça pra saber, a minha Maria é que trata dessas coisas.



Rascunho nº 220. 1974/2018  



29.9.18

(série): DIÁSPORAS AO DEUS~DARÁ



coisas noturnas


até que enfim o Porto hoje era uma cidade viva às 3 horas da manhã ainda havia uma chusma de gente nas ruas à volta dos Clérigos e, enquanto resolvia comigo a estranheza da novidade, acabei por me sentar numa cadeira à frente do café Piolho. havia pessoal desordenado em grupos, falavam, riam, bebiam. Gostei. havia também um aroma quente no ar & fiquei por ali o tempo de 2 finos frescos, ou foram mais?

Depois, atravessei a escuridão do jardim da Cordoaria, onde revi de soslaio, mas com natural atenção, as estátuas do Juan Muñoz. com aquela parca luz geral a gentinha do nosso hermano ganhava um ar mais severo e bizarro. Mas porque é que não estavam parados?


As extensas sombras pelo chão pareciam levitar ao som dos candeeiros sobriamente acesos. ao fundo, ainda estalavam no ar as gargalhadas dos jovens, abrindo a noite a outras luzes mais




( Porto, Portugal,1995 ) 


rascunho Nº 287

Mudanças

autor: j. a. m. ( 85X65 cm, 2014. obra pertencente ao Sr. Eng.º Jaime Godinho)




















 "Hinech Yafa" - Michal Elia Kamal: https://youtu.be/x3QY4qv-DEo

desenho: j. a. m.

























Zeca Afonso - Vejam Bem: https://youtu.be/Io_RidA1mlI

28.9.18

Porque hoje é Sexta~Feira ( " Belas mulheres varrendo os ares labirínticos / com a nudez das coxas aplainadas na Beleza" )

koisas de Cuba

"A Viagem". foto: j. a. m. Trinidade, playa Maria Aguillar, 2018.

















em cima de asas brancas estou
sonhando céus para além dos azuis
o alvorecer da madrugada
as grandes & pequenas portas translúcidas
o som do ouro no olhar
águas luminosas da grandiosa fonte
transbordam
o ser no ser
o estar no estar.



(rascunho.18-08-18)

koisas de Cuba

desenho de Carlito, 9 anos ( "El Robot")
Repare-se no enorme coração do robô, nas suas Asas
y en los pájaros en el aire




el árbol de graviola está allí y estoy aquí. Ambos
nosotros estamos onde também estamos.

  yo hablé hablado con sentimiento con ella,

tiene frutos todo el año
 y todos los días me oferece
2 ou 3 frutos maduros do seu labor.


- Escuto os relâmpagos, la lluvia + o - que baja
re/paro como las calles ficam  com águas sobradas

igualmente mais frescas.

As pessoas sentam-se às portas das casas

el calor por allí es bien aireado
y hablan de las cosas de la vida






( Trinidade. Agosto -2018 )



- Rascunho  Nº 9 -

27.9.18

Publicidade ao Serviço do Cidadão ~ CABO VERDE ~ Dia dos Oceanos

postais














 Sr. Dr. zé kalunga


 Raul Seixas ( Tente Outra Vez ) : https://youtu.be/wx0wyD1sXFM

pintura de Ruco - Cuba


 Chan Chan (Angerona):

https://youtu.be/75kL5_DcGNQ

(série): DIÁSPORAS AO DEUS~DARÁ



hoje regressei ao Restaurante da Rosa


era uma porta vermelha 
(preâmbulo)
Fui jantar ao chinês ali ao lado. A patroa, a Rosa, continua com o mesmo rosto que tinha há uns 10 anos, quando a conheci num outro restaurante ainda era empregada, continua com o mesmo corpo, até o jeito leve de cirandar por entre as mesas e aquele sorriso tão amplo como contido, que eu nunca cheguei mesmo até . Fascina-me esta mulher de tão longe, a modos que frágil e sempre tão atenta aos meus saqués ).
E depois venho-me embora a tentar desembrulhar-me daquele sorriso que vai comigo até outra coisa qualquer se atravessar no meu caminho.


era a mesma porta vermelha?


Já há uns bons tempos que não ia a um restaurante chinês e então hoje, sei-lá-porquê, deu-me para ir ao Restaurante da Rosa, mas afinal a Rosa andava por outros jardins…
Mal entrei, fui atenciosamente recebido por uma jovem chinesinha que me abriu o espaço com uma larga simpatia que me surpreendeu. “isto já teve melhores dias”, pensei. Sentei-me, retribuindo q.b. a simpatia da menina com um sorriso até inesperadamente sincero lá no fundo.
Comi algo comestível, e o melhor foi a salada, mastiguei esquecidamente os vegetais que depeniquei na travessa, com o complemento direto de um Evel branco fresco e para enlaçar a coisa no fim: café & saqué de rosas.

Enquanto o laço não acontecia, olhei à volta para os Altos-relevos e as pinturas com o tal brilho eclético dos plásticos o que me seduz muitas vezes são as palavras desenhadas em mandarim, e olhando-as linha a linha, invento traduções rocambolescas, pois só cada uma dá pano para mangas.
Ponho-me a observar, comedidamente é claro, a empregada chinesa bem acompanhada pela luz morna do local, fininha, impávida, e tentei adivinhar-lhe algo de dentro dela mesmo, para além da epidérmica empatia já demonstrada.
Não estava a ser nada fácil chegar a tais portos... 

O café e o respetivo anexo chegaram, a pikena estava por aqui há 1 ano, respondeu-me, com o seu ar naturalmente aprumado, já arranha o português do cardápio e até um pouco mais e, mais uma vez, aquela incerteza de eu a olhar, olhos nos olhos, e ela espreitar-me sei lá de onde. Disse-lhe que era um antigo cliente da casa, perguntei-lhe onde parava a Rosa e ela disse algo de “Avero” (Aveiro?), acrescentei mais umas lerias oportunamente circunstanciais tentando prepará-la psicologicamente para me oferecer, por decisão própria se possível, o 2º saqué de rosas, que ao fim e ao cabo no tempo da Rosa era trigo limpo, ai que porra.
E eu gosto deste “bagaço”, não sei bem se é pelo saqué em si e o seu efeito em mim, se é pelas rosas, porque eu amo todas as flores, a natural vacuidade com que entram em nós, eu amo as suas cores, eu amo os aromas, as suas elegâncias, os silêncios, as sombras, a permanente entrega aos outros e a si próprias, Oh! como eu sou louco por flores. Sempre tão tranquilas sempre à mão de semear de qualquer mão amiga ou matreira, eu amo despudoradamente estas criaturas de Deus, que não se cansam de me ensinar coisas acerca das artes e da vida.
Entretanto dediquei-me ao café e ao tal néctar, que acontece em  cálices pequenos, rendilhados com dragões a fumegarem linhas curvas, e eis a piada da primeira descoberta: quando a coisa está cheia, a gente ao beber o primeiro gole repara que lá no  fundo está uma sr.ª toda descascada numa pose abertamente descarada e a gente olha e das duas uma, ou ficamos enlevados eternamente por caminhos lúbricos & afins ou então continuamos a bebericar, pois em princípio é este o objetivo do ato, enquanto a provocação se vai diluindo no fundo vazio do olhar e do esquecimento, até desaparecer de todo.

Bá-lá, entretanto a música? suave & calma, obrigava o maralhal ali presente, demasiado próximo ao meu território, a amainar a algazarra com que tinha entrado, o que eu agradeci muda e convictamente aos músicos chineses, aos deuses chineses e também portugueses e a tudo o que ocasionalmente tinha contribuído para tal. Cansado de vislumbrear, pedi a conta, que remédio, com um gesto arredondado de uma só mão (mas ainda com umas ténues esperanças do que seria provável acontecer-me) e o tal saqué de borla Lá Surgiu, meticulosamente colocado ao lado do raio da conta. Enfim, vale mais tarde do que nunca, e rejubilei saborosamente por ter reavido tal privilégio, atirando o último trago goela abaixo e sentindo-me deliciado com o fogo que se extinguiu melodiosamente pelo corpo todo.

Com tais sortilégios acontecidos, saí para a rua bem sr. de mim mesmo e do meu destino, fogueei 1 cigarro no meio da noite e algumas estrelas permitidas pela névoa citadina deixaram-me que tal acontecesse: neste antro insano de concorrências, foi milagre!





(V. N. Gaia. Douro Litoral. Portugal)



- rascunho Nº ? -




25.9.18

postais

obra de arte submersa em plástico. Autor da pintura: j. a. m.
-
postagem do Sr. Dr. zé kalunga

~.~

P.S. ouvi dizer que algo se passa na Fundação de Serralves, Porto, Portugal.



o " BURNOUT " ?

(  BURNOUT ? )
obra: j. a. m. 
-.-

notícia da SIC Notícias, 25.09.2018 09 h 15:


( Um em cada três trabalhadores em risco de " burnout " )


(série): DIÁSPORAS AO DEUS~DARÁ


foto: j. a. m., em Sidády Vêlha




A noite redOnda pela L.C. cai a luz caindo



 então, hoje perdi-me mais + no caminho para casa & sem quaisquer pressas mal dei por mim já estava na montanha sentado no descanso indeciso das cabras selvagens a olharem-me pasmadas e assim fiquei divagado pela luz que circundava a lua quando, sem saber o porquê, um jovem macaco pousou no meu ombro esquerdo e assim ficou vidrado pelas visões que eu colhia. A uns bons metros, sua mãe velava o encontro com apaziguada pachorra.

Demorei-me

a descobrir a casa no alto de outra montanha, fui até lá com o cajado dos sons do mar, lá ao fundo nos confins, a alumiarem-me os caminhos sem eu dar por isso.
Entrei pela janela pois nada de chaves por esta noite por amor a deus, acendi a luz e estanquei às portas do sono, escutando os galos as galinhas e uma mosca chata-chata que teimou em pâpia cu mi [1] até que 


(Sidády Vêlha. Ilha de Santiago. Cabo Verde)

- raskunho Nº 187 -




[1] “Falar comigo”, “conversar” (crioulo do Sotavento).






24.9.18

Vanessa Da Mata ( Gente Feliz )

a ciência do elefante

trabalho artístico de : j. a. m. ( vendido a colecionador anónimo por 10.000 libras )
~~~~

Dead Can Dance ~ Nierika: https://youtu.be/Fxo_gpGFXaU


Acorda




" torne-se presente e viva cada segundo da sua vida de hoje
 desperto e consciente para a vida "




link:

Recuerdos




"(...) verificadora de la realidad que deberá coincidir con sus recuerdos, debe poder confiar en su memoria y en la validad de su saber."




série : o(s) grito(s)

algures. foto. j. a m. + 2 amigos
~
os amigos são como girassóis nos nossos íntimos jardins.
mal escurecemos, eles iluminam-nos.



(série): DIÁSPORAS AO DEUS~DARÁ

foto: j. a. m.



Santo Antão, a ilha dos andarilhos



Quando cheguei a Porto Novo, através de um ferryboat que dançou toda a viajem desde São Vicente, dei-me conta que não tinha 1 escudo em algum bolso. Máquinas automáticas por ali também não. Mais uns minutos adiante o gerente da única dependência bancária no local, após uma conversa que tentou ser convincente & persuasiva e até o foi ao cofre da dita e depositou-me 10 contos na mão. Depois paga-meNada habituado a tais gestos apeteceu-me repentinamente beijar-lhe os pés, mas no lugar dos mesmos havia uns sapatos pretos a reluzirem que me estancaram a intenção e ainda fui a tempo do tal bom senso. Após as mais que necessárias palavras da ocasião, amanhã venho ká pagar-lhe/ não é necessário basta depositar nesta conta lá no Mindelo/ Muitíííssimo obrigado e aqui num gesto realmente espontâneo, fiz da sua mão dtª uma pérola entre as minhas duas mãos em concha, olhei-o direto nos olhos e disse-lhe algo onde as palavras não chegam, mas vi logo que ele tinha lá chegado. Os cabo-verdianos são pessoas de uma sensibilidade subtil muito rara e suspeito que a morabeza seja um dos frutos mais visíveis desse estar. [1]
Ficou um sorriso cúmplice matriculado no ar, algo de belo neste mundo, a que regresso algumas vezes pelos imperiosos acasos da memória ou os outros casos que não sei.

E saí para o sol que logo me abençoou num aconchego entre nós tão íntimo, tão normal, que me senti humildemente feliz com os meus botões, neste caso de rosas que brotaram de repente à frente dos meus olhos deslumbrados, kual milagre mais uma vez acontecido por estas paragens íngremes, suadas, deslumbrantes.
E então chamei a namorada que estava visivelmente em baixo devido à situação nesta outra altura já resolvida. Dei-lhe uma explicação por alto acerca do milagre acontecido, metemo-nos num “hyace” que estava por ali à espera de ficar cheio e lá fomos sem precisarmos de saber qual o destino. A certa altura o motorista resolveu fazer uma stopagem mais ou menos breve numa montanha altíssima cujo nome não me ocorre agora, mas ocorre-me muito bem a beleza estonteante das paisagens que se multiplicavam entre si nas incontáveis pontes do olhar. Lá em baixo o desenho de um telhado de milho seco outro além, mais uma cabra ou outro animal manso, ligados ao silêncio de basalto que murmurava algures num ribeiro vivo por aquelas “levadas”.

Desembocámos em Ribeira Grande *, um tanto ou quanto azoados pelos ziguezagues do percurso começámos por enxergar algumas casas juntas com as portas e as janelas de cores vivas claramente, o cheiro do marisco a toldar tudo muito parado aparentemente com as raízes afundadas nos desígnios de uma ilha, onde jovens dengosas deitadas sobre os muros das suas vidas & amornecidas pelo sol alongavam as belas pernas nuas para o mar que estava bravo & os machos entretinham-se convictamente a jogar o “úril” [2] entre os meandros das bolinhas verdes escurecidas por muitas gerações e protegidos pelas sombras bafejadas por um marmulano.

Como todos sabemos, quando estamos bem o tempo é outro [3] e, entretanto, chegou a hora já pago o bilhete de re-
torno lá me arrankei do lugar e só eu e Deus é que sabemos com que esforço transportámos dali os olhos os ouvidos o corpo inteiro a transbordar em ondas. Quando me aproximei de Mindelo num outro ferry ainda mais baloiçado reparei no habitual nevoeiro agora aceso pelo pôr-do-sol que acontecia sobre a cidade. Também re/parei que estava só e quase tinha a certeza de ter ido com a namorada.

                     
Desembarquei com aquele maralhal todos muito coloridos por todos os lados, à espera havia outros aromas atlânticos que me acompanharam até ao “café Poeta” onde troquei algumas frases com uns amigos acerca de algo que talvez fosse relevante na altura. Para variar, fui jantar à esplanada do Grande Hotel, bem acompanhado pelo bulício redondo da Praça Nova e, por fim, abri-me à noite mindelense e fiquei com a impressão que fui engolido pela mesma francamente já não me lembro de + nada


* link.



(ilha de S.to Antão. Cabo Verde)


- raskunho Nº 330 -

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[1] " É por isso que te aconselho a tomares lição nessa gente para depois falares, com propriedade, da sua vida e das suas lutas. Se queres falar de dor, sofre primeiro. Sem isso não mereces o mandato”.
(Manuel Lopes, escritor.)

[2]  " Pensa-se que o jogo terá sido inventado pelos egípcios que depois o levaram para a Ásia e Filipinas. Mais tarde, chega à África Negra, e região do Sahara. Por volta do século XV ou XVI, os escravos terão levado o úril da África para a América, mas atualmente apenas há registo de que se pratica nas Antilhas”, explica Albertino Graça, praticante de úril e autor do livro “Jogo de Uril: Regras, Estratégia e Teoria” (Edição da ONDS - Organização Nacional da Diáspora Solidária, Mindelo).


[3] O que prova evidentemente a sua inexistência.

17.9.18

( 3ª postagem de: Sir aLgood )


(série): DIÁSPORAS AO DEUS~DARÁ




ESTRELAS APAGADAS

foto de J.A.M. - Póvoa do Varzim-Set.2018
~
http://www.ofportugal.com/cego-do-maio-jose-rodrigues-maio-um-verdadeiro-heroi-do-mar-portugues/

Já a noite tinha sido iniciada, os pescadores juntos sentados calados curvados olhavam presos por um fio emaranhado de leves & ondulantes pensamentos o horizonte como quem lia 1 texto antigo.
Entretanto as nuvens de um lado para o outro, fragmentariamente orquestradas pelo seu próprio destino, lá iam impavidamente diferentes. Nada se cruzava e tudo estava ligado.
Os barcos continuavam a baloiçar o cais. O mar sempre estivera ali como se fosse eterno. Como um eco longínquo que ainda perdura pelo poder dos olhares de muitas gerações.
E os pescadores aguardavam como quem espera e também não, a hora da partida. Em casa os filhotes choramingavam por comidas diferentes e as mães afagavam-lhes os cabelos, com um sorriso esboçado junto ao aconchego do útero.

Os pescadores, disse-me um dia um amigo vagabundo nas viagens, viraram estátuas fixas e ali estancaram para o gáudio dos turistas que acudiam aos magotes & as crianças agora pediam moedinhas com uma vida inteira moribunda nos olhares.




 J.A.M. 

(rasscunho Nº 171)



(Póvoa do Varzim. Douro Litoral. Portugal-1999)