José Alberto Mar. Com tecnologia do Blogger.

16.12.18

~ Mercado de Sucupira ~


6 horas e tal, as mãos & as moscas e às vezes uma delas está a poisar AGORA…Zás!…apanhei-te… 
e depois olho, olho e não vejo nada

e então, depois de uma noitada em que atravessei vários mundos na Praia [1], já estou no interior de uma antiga camioneta amarela torrada pelo sol transformada em restaurante. Depois de ter aviado uma catxupa [2] num prato de lata redOndo mesmo, sentado numa mesa à porta da dita a colher imagens da gente que vende coisas, que compra algumas dessas coisas e das pessoas que passam de um lado para o outro abrindo naturalmente o ar que as ampara.
No geral “a coisa está preta”. Depois, levanta-se nas cores das roupas. Dá-me a impressão, ainda sujeita a posterior confirmação, que o vermelho é o eleito. Impõe-se só por si, a seguir há os amarelos e os verdes em N tons. O verde-alface é bem considerado por aqui. O branco, obviamente.
Uma jovem mulher expõe com 1 só braço suspenso exatamente uma garrafa grande de água gelada e espera alguém que a leve. Tem uma bunda maravilhosa e sei lá por que é que olhei para este caso. Alguém transporta carne de um animal já muito morto numa bacia de plástico cor-de-rosa em cima da cabeça, mas o que eu vejo com estes 2 olhos que a terra há-de comer, é uma chusma de moscas tresloucadas com o manjar. Irão pesar as moscas também aquando do negócio ou serão o brinde, com certeza.

Lá ao longe o céu está assim-assim-escurecido, sei lá o que vai ser por aqui nunca se sabe e já transpiro bastante, ponho-me nu, da cintura até à cabeça exponho o peito a alma, tudo.

Passa mesmo à frente do meu nariz uma menina toda sirigaita, retocando os cabelos com uma mão distraída e a treinar o gingar das ancas que ainda se estão a abrir às sementes que um dia virão, e lá vai ela muito compenetrada no seu papel de ser gente grande também, à espera de ser amada quando acontecer e será para breve, vê-se. Ali vai um gajo todo inclinado para o rádio aos berros na mão esquerda junto ao ouvido do mesmo lado e é música que não tenho tempo de saber, mas com aquele ar tão feliz é boa de certeza.
Ainda
as eternas mangas as bananas ao lado juntas ao quilo, maçarocas de milho tenro, galinhas aos saltos, compotas, bolsas de coco e outros objetos decorativos feitos de conchas e dádivas do mar, cestos de folhas de tamareira, sapatos sapatilhas e chinelos para todos os gostos, mandioca, queijos da ilha de Maio, ervas medicinais, garrafas de manecom [3], licores, Tudo…
e a evidente e dura realidade da sobrevivência. São as mulheres, sempre rodeadas de bandos de filhos espalhados em brincadeiras por ali, que erguem toda esta trabalheira.  Cumprem-na devotadas e depois, ao fim do dia no silêncio pesado da noite instalada, desenlaçam-se, encostam ao de leve a cabeça a uma esperança qualquer que nunca vislumbrei e ficam assim desimportadas engolidas pela escuridão, até que o sono as recolha.
O papel dos homens por estas bandas, parece-me que é atirarem-se a elas esporradicamente e depois basam logo na primeira curva do tempo d´encontro às luzinhas do grogu [4] ou desenrascam mais um poiso temporário algures numa outra ilha deste arco verde, por onde vão cumprindo os seus ancestrais ofícios de marinheiros vagabundos.

E são as mulheres as raízes destas 10 ou dez mil ilhas. O resto é mar, mar e mais mar
e depois ainda
o    m ~ a ~ r






[1] Cidade da Praia, capital de Cabo Verde.
[2] Prato típico da gastronomia de Cabo Verde, confecionado à base de milho, feijão, carne e/ou peixe.
[3] Vinho produzido nas terras vulcânicas da Ilha do Fogo.
[4] Aguardente feita a partir da cana do açúcar (crioulo do Sotavento). 



(J. A. M. -  Cabo Verde. Ilha de Santiago. Praia – 2008-2018. 


Rascunho Nº 324