21.12.18
16.12.18
~ Mercado de Sucupira ~
6 horas e tal, as mãos & as moscas e às vezes uma
delas está a poisar AGORA…Zás!…apanhei-te…
e depois olho, olho e não vejo nada
e então, depois de uma noitada em que atravessei
vários mundos na Praia [1],
já estou no interior de uma antiga camioneta amarela torrada pelo sol
transformada em restaurante. Depois de ter aviado uma catxupa [2]
num prato de lata redOndo mesmo, sentado numa mesa à porta da dita a colher
imagens da gente que vende coisas, que compra algumas dessas coisas e das
pessoas que passam de um lado para o outro abrindo naturalmente o ar que as
ampara.
No geral “a coisa está preta”. Depois, levanta-se nas
cores das roupas. Dá-me a impressão, ainda sujeita a posterior confirmação, que
o vermelho é o eleito. Impõe-se só por si, a seguir há os amarelos e os verdes
em N tons. O verde-alface é bem considerado por aqui. O branco, obviamente.
Uma jovem mulher expõe com 1 só braço suspenso
exatamente uma garrafa grande de água gelada e espera alguém que a leve. Tem
uma bunda maravilhosa e sei lá por que é que olhei para este caso. Alguém
transporta carne de um animal já muito morto numa bacia de plástico cor-de-rosa
em cima da cabeça, mas o que eu vejo com estes 2 olhos que a terra há-de comer,
é uma chusma de moscas tresloucadas com o manjar. Irão pesar as moscas também
aquando do negócio ou serão o brinde, com certeza.
Lá ao longe o céu está assim-assim-escurecido, sei lá o que vai ser por
aqui nunca se sabe e já transpiro bastante, ponho-me nu, da cintura até à
cabeça exponho o peito a alma, tudo.
Passa mesmo à frente do meu nariz uma menina toda
sirigaita, retocando os cabelos com uma mão distraída e a treinar o gingar das
ancas que ainda se estão a abrir às sementes que um dia virão, e lá vai ela
muito compenetrada no seu papel de ser gente grande também, à espera de ser
amada quando acontecer e será para breve, vê-se. Ali vai um gajo todo inclinado
para o rádio aos berros na mão esquerda junto ao ouvido do mesmo lado e é
música que não tenho tempo de saber, mas com aquele ar tão feliz é boa de
certeza.
Ainda
as eternas mangas as bananas ao lado juntas ao quilo,
maçarocas de milho tenro, galinhas aos saltos, compotas, bolsas de coco e
outros objetos decorativos feitos de conchas e dádivas do mar, cestos de folhas
de tamareira, sapatos sapatilhas e chinelos para todos os gostos, mandioca,
queijos da ilha de Maio, ervas medicinais, garrafas de manecom [3],
licores, Tudo…
e a evidente e dura realidade da sobrevivência. São as
mulheres, sempre rodeadas de bandos de filhos espalhados em brincadeiras por
ali, que erguem toda esta trabalheira.
Cumprem-na devotadas e depois, ao fim do dia no silêncio pesado da noite
instalada, desenlaçam-se, encostam ao de leve a cabeça a uma esperança qualquer
que nunca vislumbrei e ficam assim desimportadas engolidas pela escuridão, até
que o sono as recolha.
O papel dos homens por estas bandas, parece-me que é
atirarem-se a elas esporradicamente e depois basam logo na primeira curva do
tempo d´encontro às luzinhas do grogu [4] ou desenrascam mais um poiso temporário
algures numa outra ilha deste arco verde, por onde vão cumprindo os seus
ancestrais ofícios de marinheiros vagabundos.
E são as mulheres as raízes destas 10 ou dez mil
ilhas. O resto é mar, mar e mais mar
e depois ainda
o m ~ a ~ r
[2] Prato típico da
gastronomia de Cabo Verde, confecionado à
base de milho, feijão, carne e/ou peixe.
[3] Vinho produzido nas terras
vulcânicas da Ilha do Fogo.
(J. A. M. - Cabo Verde. Ilha de Santiago. Praia – 2008-2018.
Rascunho Nº 324
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