José Alberto Mar. Com tecnologia do Blogger.

25.9.23

Pintura. J. A. M.

 

vieram as saudades. De um mundo longínquo.
Os meus dois olhos comidos pela noite.
Onde a suspeita de uma luz pairava: sem sobressaltos
olhei á volta. Tudo era um chão incógnito.
 
Algures em mim uma voz muito distante chamava-me.
Não havia nomes. Não havia palavras.
E algo por dentro tinha a ideia de porta fechada
que a qualquer momento se podia abrir.



( J.A.M.)

 

4.9.23

Sonho devolvido

Pintura. J. A. M.

 

Conheci uma mulher num país distante, era bela e serena e atravessava os dias, os meses, os anos com uma candura sábia de quem sabe que 1 dia também iria morrer, como tudo o que está vivo.
No jardim, seu lugar preferido, sentada num banco de madeira, cuja cor já não se sabia. Ocupava-se a olhar as flores à volta com um vagar e o inverso de uma aparente displicência especial, para mim inteiramente incógnita, até hoje. Às vezes olhava o horizonte, às vezes levantava um pouco o rosto para o céu e aqui era à noite que se demorava mais.
Ao lado quase sempre um livro que a brisa desfolhava quando calhava. Ela parecia ler no ar as palavras que, entretanto, se evolavam das folhas. Parecia nunca usar as mãos e em vez dos braços eu imaginava asas que nunca vislumbrei.
Nunca lhe perguntei nada acerca das artes destes gestos tão silenciosos como as pedras que rodeavam os canteiros. Houve alturas em que me viu olhá-la de longe estava sempre distante, no entanto eu sentia uma levíssima sensação fresca e inquietante, do lado agradável das novidades.
Retrocedia para as minhas tarefas, o pincel, o papel, os quadros, as cores do meu mundo.
De vez em quando, amávamo-nos através dos corpos e parcas palavras. Adivinhávamo-nos através de olhares demorados que continham tudo o que os nossos seres confirmavam.
 
Um dia fui ao jardim, onde era o seu lugar e vi-a adormecida. Chamei pelo seu nome, diminutivo que só ambos conhecíamos, toquei o seu rosto frio, mas apenas vi as flores, todas as flores debruçadas sobre si próprias exalando aromas mais intensos e os frutos maduros das poucas árvores a caírem um a um.


( J. A. M.)