José Alberto Mar. Com tecnologia do Blogger.

28.2.25

Ecos do Brasil

Pintura. J. A. M.

    


    Estou na Ponta d’Areia([1]). Deitado ou sentado à sombra, aí uns 30 e tal graus. O guarda-sol é cor de mangas maduras e eis à minha frente o mar vivo e aceso. Do céu vários azuis luminosos descem naturalmente sobre tudo o que é vida.
     À minha volta, o povo espraia-se finalmente no seu domingo. As crianças vivem à solta por aqui, onde o mar deslaça dia e noite as suas ondas e elas, as crianças, dão cambalhotas e correm chapinhando a água dócil, entre pequenos sal/tos de quem está mesmo felizmente feliz e quer continuar assim, sem precisar de o querer. Há gazelas morenas, umas a seguir às outras, é difícil acompanhar com a merecida atenção tantos ritmos ondulantes e belos, sob este sol de Deus. Passa uma caipira([2]) com o peso dos anos no rosto grudado pelo sal que vagueia pela aragem e com uma caixa transparente no braço leva ovos de codorniz, camarão cozido, umas comidas que outros irão comprar, com certeza.
     Olhando para trás, vejo 2 candeeiros públicos ainda acesos, o que não me espanta (pois em Portugal também acontecem estes descuidos) a despontarem entre as cabeleiras verdes das árvores sossegadas e claramente alheadas do assunto. É de lá dessas bandas - que chegam até aqui aquelas músicas populares, sempre a tocarem as esferas do coração. Muitas pessoas cantam-nas em grupos e alegram-se simplesmente assim.
     Um papagaio caiu, tombou mesmo agora a meus pés e re/ paro que é feito de plástico, que já foi saco de supermercado + uns pauzinhos de coqueiro aliados, e ainda mais agora, o menino já o ergueu no ar e aquela coisinha frágil como Tudo, dá curvaS sozinho com a cauda louca sem tino e esburaca o espaço, rodopia veloz e depois ,,, cai outra vez no chão aparentemente sólido do mundo e a criança continua a ser criança a brincar e já é muito, tomara eu.
     A menina do bar, mini-saia de ganga boa perna, camiseta vermelha desabotoada, bandeja prateada na mão esquerda, já aviou mais umas garrafas de Sol([3]) a uns jovens que estão pr’ali num forrobodó evidente e regressa ao balcão, esvoaçando um olhar geral pelas mesas dos seus clientes.
     Um bandozinho de sabiás-da-praia passa à frente do meu olhar a rasarem o grande areal, com cadeiras e mesas azuis, vermelhas e brancas e desaparecem numa curva uníssona do tempo, o que é feito deles? pensei, enquanto uma outra parte de mim se regala a misturar as cores do cenário em jogos infindáveis.
     Lá adiante, lá mesmo ao fundo, onde o céu se afunda numa tira horizontal de água mais cintilante no brilho, faz-me lembrar que amanhã irei a Stº António de Alcântara, por onde um touro ([4]) passeia a sua estrela de cinco pontas na testa carimbada, em noites de lua cheia.


(São Luís. Estado do Maranhão. Brasil)


[1]   Praia localizada a cerca de 4 km do centro da cidade de São Luís, muito movimentada principalmente aos fins de semana, pela população local.
[2]   Pessoa humilde do campo, da roça, do interior do Estado.
[3]   Marca de cerveja mexicana, bastante consumida por estas bandas.
[4]   Segundo uma interpretação livre de lendas populares brasileiras, na Ilha dos Lençóis, D. Sebastião mora num palácio de cristal que se ergue no fundo do mar próximo à ilha considerada encantada. Consta que o rei vagueia pela praia, durante a noite, na forma de um touro com uma estrela de ouro (ou de prata), na testa. Se alguém conseguir atingir a estrela e ferir o touro, o seu reino será desencantado e D. Sebastião poderá regressar a Portugal.
- Há quem relacione estas lendas, com a possibilidade do “5º Império”.


( J. A. M.)

 

25.2.25

Foto. J.A. M.

 

Vê-se como a noite transfigura
o olhar
e tudo à volta enaltece
um outro mundo
onde os nossos olhos se inclinam
para dentro
desenhando as formas que chegam
com uma luz alheia, uma luz cheia
de novos horizontes
onde somos os mesmos sendo outros.


( J. A. M.)

21.2.25

Não corras atrás das borboletas...

Foto. J. A. M.

 

Alguém disse já não me recordo, pois foi num campo de batalha e o ribombar das bombas e dos seus ecos na altura, faziam-nos surdos. A outros, faziam-nos cegos. A outros ainda, faziam-nos mortos.
Mas a frase em questão, no meio daquele inferno encantou-me o lugar e por momentos caí num silêncio sem tempo, que me trouxe a casa da minha infância, longe muito longe, onde havia um jardim. E a frase era assim: não corras atrás das borboletas, cuida antes das tuas flores que elas virão até ti *.
 
Ainda hoje, passados séculos, por vezes em dias ou noites em que tudo parece estranhamente desolador, me acontecem as imagens bem nítidas que esta frase levanta à frente do meu olhar.
E então, algo em mim se transforma e tudo à minha volta também.
E, uma flor expectante e incógnita aflora por dentro.


* frase atribuída, a D. Elhers, em tradução livre.


(J.A.M.)

11.2.25

Foto. J. A. M.


Escuta

como o ar brilha em silêncio nas nossas veias lavradas

e os cometas dos sonhos transportam minuciosas luzes

para dentro da nossa escuridão, é um corpo sempre com

um lado esquecido, o ouro, dizes, navega pelo sangue

entra e sai pelos poros e o olhar torna-se o lugar das aparições,

inaugura o tempo que volta escondido sob os primeiros sinais

das madrugadas.


(J. A. M.)




8.2.25

Últimas Notícias

Pintura. AUTO~RETRATO. J. A. M.


O grande Mistério assola
a nossa atual tempestade. Ou seja
quer libertar-nos. 
Para quem (se) encontra.

Duvidar para quê?
se o teu brilho
é fogo ou frio
e danças entre os espelhos dos deuses.



P.S. "a imensa rede de 86 bilhões de neurônios do cérebro humano"
e apenas um coração.

 



( J.A.M.)