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Pintura. J. A. M. |
Estou na Ponta d’Areia([1]). Deitado ou sentado
à sombra, aí uns 30 e tal graus. O guarda-sol é cor de mangas maduras e eis à
minha frente o mar vivo e aceso. Do céu vários azuis luminosos descem
naturalmente sobre tudo o que é vida.
À minha volta, o povo espraia-se finalmente no seu
domingo. As crianças vivem à solta por aqui, onde o mar deslaça dia e noite as
suas ondas e elas, as crianças, dão cambalhotas e correm chapinhando a água
dócil, entre pequenos sal/tos de quem está mesmo felizmente feliz e quer
continuar assim, sem precisar de o querer. Há gazelas morenas, umas a seguir às
outras, é difícil acompanhar com a merecida atenção tantos ritmos ondulantes e belos,
sob este sol de Deus. Passa uma caipira([2]) com o peso dos anos
no rosto grudado pelo sal que vagueia pela aragem e com uma caixa transparente
no braço leva ovos de codorniz, camarão cozido, umas comidas que outros irão
comprar, com certeza.
Olhando para trás,
vejo 2 candeeiros públicos ainda acesos, o que não me espanta (pois em Portugal
também acontecem estes descuidos) a despontarem entre as cabeleiras verdes das
árvores sossegadas e claramente alheadas do assunto. É de lá dessas bandas -
que chegam até aqui aquelas músicas populares, sempre a tocarem as esferas do
coração. Muitas pessoas cantam-nas em grupos e alegram-se simplesmente assim.
Um papagaio caiu,
tombou mesmo agora a meus pés e re/ paro que é feito de plástico, que já foi
saco de supermercado + uns pauzinhos de coqueiro aliados, e ainda mais agora, o
menino já o ergueu no ar e aquela coisinha frágil como Tudo, dá curvaS sozinho com
a cauda louca sem tino e esburaca o espaço, rodopia veloz e depois ,,, cai
outra vez no chão aparentemente sólido do mundo e a criança continua a ser
criança a brincar e já é muito, tomara eu.
A menina do bar,
mini-saia de ganga boa perna, camiseta vermelha desabotoada, bandeja prateada
na mão esquerda, já aviou mais umas garrafas de Sol([3]) a uns jovens que
estão pr’ali num forrobodó evidente e regressa ao balcão, esvoaçando um olhar
geral pelas mesas dos seus clientes.
Um bandozinho de
sabiás-da-praia passa à frente do meu olhar a rasarem o grande areal, com
cadeiras e mesas azuis, vermelhas e brancas e desaparecem numa curva uníssona
do tempo, o que é feito deles? pensei, enquanto uma outra parte de mim se
regala a misturar as cores do cenário em jogos infindáveis.
Lá adiante, lá mesmo ao fundo, onde o céu se afunda
numa tira horizontal de água mais cintilante no brilho, faz-me lembrar que
amanhã irei a Stº António de Alcântara, por onde um touro ([4]) passeia a sua
estrela de cinco pontas na testa carimbada, em noites de lua cheia.
(São Luís. Estado do Maranhão. Brasil)
[2] Pessoa humilde do campo, da roça, do interior do Estado.
[3] Marca de cerveja mexicana, bastante consumida por estas bandas.
[4] Segundo uma interpretação livre de lendas populares brasileiras, na Ilha dos Lençóis, D. Sebastião mora num palácio de cristal que se ergue no fundo do mar próximo à ilha considerada encantada. Consta que o rei vagueia pela praia, durante a noite, na forma de um touro com uma estrela de ouro (ou de prata), na testa. Se alguém conseguir atingir a estrela e ferir o touro, o seu reino será desencantado e D. Sebastião poderá regressar a Portugal.
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