José Alberto Mar. Com tecnologia do Blogger.

31.10.18

selfie em Cuba

homenagem à "Palmeira Imperial". Habana ~ 2018
















 (a meu pai)

Nasci a 13 de Maio, a uma sexta-feira, e o meu pai partiu para outro mundo num dia 14 de Maio. Tenho a impressão, que apesar de moribundo, aguentou aquilo para, mais uma vez, não me fazer qualquer desfeita. O meu pai era assim: sensível às pessoas e muito atento ao seu filho. Também lhe agradeço este último gesto a selar toda uma vida de dedicação e amor, como pai, amigo e ser humano.
Ontem, ás tantas da noite, quando me bateram à porta tão tarde, fiquei um pouco interrogado. Ia de braço em riste para o puxador, quando vejo o meu pai já dentro de casa, com o seu ar circunspecto e um sorriso levemente matreiro de quem vê alguém com uma cara de espanto sem solução á vista.” Então Gé, como vai isso?” Falou-me no mesmo tom e com as mesmas palavras que ouvi N vezes, como quem pergunta:” Então filho, como vai essa Vida”.” Tá indo bem” disse-lhe enquanto o olhava nos olhos para confirmar o que dissera. Lembrei-me que muitas vezes, quando ele estava deste lado, eu nem sempre era mesmo sincero, embora a resposta fosse sempre igual. Mais tarde percebia que não o tinha convencido. Conhecia-me de ginjeira.
Entre, sente-se ali no sofá. Toma alguma coisa?”.
“Não, bem-hajas, agora não preciso de tomar nada, mas vamos lá até ao sofá”. Sentámo-nos lado a lado, enquanto eu o olhava de soslaio verificando que continuava com os seus gestos pousados a reflectirem um sossego interior muito raro, nos dias que correm. A conversa facilmente desembocou, como não poderia deixar de ser, para os lados da Vida e da Morte. Demorámo-nos entre frases, sorrisos e jeitos só nossos de falar das coisas que só as palavras permitem. Depois, quando o dia já se começava a misturar na sala e a realidade daquilo tudo parecia demasiado e também já sentíamos ter esgotado o que nos ia na alma, o meu pai, pôs-me uma mão no ombro e levantou-se com um ar vagamente satisfeito, “pareces cansado, não estás a precisar de ir dormir?”. “É, acho que sim”, e levantei-me também dando-lhe uma palmada afectuosa nas costas. Dirigi-me para a porta e quando me voltei para nos despedirmos mesmo, eu estava ali sozinho.


(28.29-05-2006)

30.10.18

Olhando para o " Monte Cara " ( Cabo Verde)



os ramos das palmeiras ao sabor da leve brisa
e os seus sons frescos encaminham-me para o mar
onde vejo um pensativo rosto de pedra
e já não estou só.

feliz escureço, o olhar à procura
da lua, esse vaso de luz
onde uma das 4 luas agora se deita
e então eu sou, a sombra pousada
dessa luz alheada.




(Cabo Verde. Ilha de São Vivente. Mindelo.2005)


25.10.18

(série): Ao DEUS~DARÁ

( Cidade Velha. Ilha de Santiago. Cabo Verde. Foto: j. a. m.)

~ Não Sei se Volto ~

Algures no Brasil cheguei a estar no Paraíso. E regressei.  Agora encontrei outro Paraíso. Não sei se volto a voltar.
Começo por um dos lados: o mar sem fundo, no compasso di roncu di mar [1] a chegar claraMente até mim. Depois há coqueiros esguios, altaneiros nas suas tranquilas danças com a aragem muito ao de leve, afinal quem sopra por lá? E há as tamarineiras com os fortes braços erguidos para os céus & os seus frutos tombados doados à espera de quem lá chegue. Palmeiras com as suas folhas dobradas em devoção às 7 portas que iniciam as noites. Balançam-se também aos sons do mar, da lua que começa a ser maior no céu indefinito do meu olhar.
Estou nu, sentado com os pés apoiados na varanda azulzíssima e tomara eu estar assim tão nu por dentro. Agora vou colher uma cana de açúcar aqui do meu quintal e depois talvez vá soprá-la numa flauta vazia por aí adiante.


O pássaro que me visita todos os dias, merece agora toda a minha atenção. E ele já está ali, na sua árvore de eleição, misturado com as flores vivas cor-de-laranjas-acesas, pelo meio da folhagem verde escura porque efetivamente já é noite e tudo está demasiado claro para mim.

raskunho Nº216.

(Sidády Vêlha. Ilha de Santiago. Cabo Verde.)


[1]  “nos sons compassados das ondas do mar”. (crioulo do Sotavento). 

22.10.18

série: pequenas sabedorias


















( Autor: J. A. M. Técnica: tinta da china a acrílico s/ papel canson. 2017)
~

17.10.18

~ um barco dançava na luz ~

azulejos em Póvoa do Varzim. Foto : j. a. m. 
























hoje peguei numa das minhas naves do séc. XVI, coisa antiga para variar, meti-me ao caminho para Norte e vim parar à Povoa do Varzim, mais precisamente em  A Ver-O-Mar.
(Tem muito a ver com os pescadores e  eu soube há uns bons tempos que na anterior reencarnação fui um deles e morri no mar. Já agora, numa outra reencarnação anterior, morri no deserto.) 

O mar vivo & aceso com 1 sol por cima, logicamente, que até mete inveja, está a meu lado como um companheiro para a minha solidão, prazenteira aliás. ( Quando é que eles acordam? )
Nesta esplanada onde as ondas se debruçam nos seus sons em cascatas muito agradáveis para os ouvidos & os olhos e a bem dizer, para o corpo todo.
Um barco de velas no alto mar, parece transparente, atravessa agora a luz espelhada na água pelo rei sOl e parece desaparecer por momentos. Até nas imensas águas deste mundo ele se espalha deleitado. Como é tão belo saber esta luz por dentro e por fora o reflexo direto e verídico do que funciona assim. As leis da Natureza em Tudo se demonstram.
A Maria, empregada de Pernambucoestou cá há duas semanas que me serve as estrellas (1), tem um ar graciosamente sensível, ondula a sua maravilhosa bunda por entre as mesas & a simpatia dos clientes que surgem como cogumelos neste fim de tarde e ainda à pouco se lembrou de me trazer a caixa vermelha dos guardanapos de papel, que simpatia de menina. ( É tão fácil dispor bem um outro ser humano, com um simples gesto de atenção, não é? ) Alguns destes amigos vêm do trabalho e falam alto entre eles, como se tivessem muitas coisas adiadas para dizerem. Outros mais cansados aparentemente, agarram-se com afinco aos telemóveis e vice-versa & também ficam presos a uma atenção  tão demorada que me deixa derrotado, mas logo recupero.

O copo amarelo pela cerveja, os tremoços tb amarelos, ambos juntos bem equilibrados em cima do corrimão branco da varanda com minúsculos espelhos, onde os azuis do mar se refletem e  parecem eternos.  E a sinfonia dos maravilhosos sons das ondas d´encontro aos meus 2 ou 200 ouvidos expectantes. Como é tão bom estar vivo. E o tal barco, feito de nevoeiro e magia voltou ao início, desliza agora outra vez no mesmo caminho outro.
- Maria, já reparou naquele barco além?
- Desculpe, sr., mas não vejo barco algum.

Entretanto: o jantar, algo comestível com um “Cabriz”(2) tinto que foi a empregada de avental  preto que sugeriu ( a Maria basou, nem gorjeta levou), mas quanto ao prego a parte da carne nem se via praticamente que o digam os talheres. Como só consumo cadáveres raramente, não houve problema de maior, embora tenha assinalado a “gravidade do lapso” ao empregado que  fez a fita de se mostrar servil, nem era preciso tanto pensei eu para com os meus botões, depois de um sorriso q.b. compreensivo & implicitamente altaneiro de cliente de fora, para concordar com o teatro.

Entretanto o ar escureceu de todo, nem horizonte, nem gaivotas, apenas umas luzinhas dispersas são barcos de pesca nesta zona ainda são possíveis embarcações pequenas onde meia-dúzia de pescadores salvam muitas vidas nos pratos dos restaurantes à beira-mar plantados à espera dos lucros, obviamente, venham os turistas, por aqui ainda há peixe fresco, serviços baratos, aproveitem  que 1 dia destes nunca se sabe, até quando será?

Distraí-me a olhar o mar, um barco na luz, e eis-me então agora no laço final: café curto &  Jack Daniel`s, com uma pedra. De gelo, feito com água da Serra da Estrela, gosto de saber estas coisas.
Antes de me ter despedido do local, ainda olho + uma vez para o tal barco, parecia parado antes de o fixar, o barco e a sua viajem, agora tudo é luminoso e entre este e as águas que o transportam não  há intervalo que se vislumbre tudo é uníssono e caminha através de um tempo novo para os hábitos que aconteciam. As novidades aproximam-se já estão neste Mundo tudo começa a ser um outro modo de respirar, de estar aceso & vivo: frequência e ritmo, uns estão outros não.
Aos poucos, todos ou quase todos verão o brilho de que são feitos há novas luzes que estão a entrar. Estejam abertos e em paz pois falo-vos com as duas mãos nuas e um coração dourado. Privilégios de quem sabe apenas ( e já é tanto!) ser um meio para que as águas luminosas se espalhem, ninguém é uma ilha, ninguém é  perfeito. Todos procuramos amor & aceitação. “Fortalecer e Crescer, apoiar e capacitar”. Eis um lema, um contrato diria aceitável, nos dias que correm. 

- andas a correr? onde queres chegar?



(1) cerveja da Galicia ( Espanha).
(2) vinho da zona do Dão, Portugal.

Nota: Existem hiperligações. Como em muitos textos anteriores.

 Rascunho Nº15
 Out. 2018