Estava
no meu cadeirão anti-stress, enlevado sei lá em quê se é que havia tal coisa
quando me ocorreu - repentinamente - que afinal tenho uma incerta desavença,
pacífica é claro, com as galinhas. Assim à 1ª a coisa não me parece ser grave,
mas eu nunca tenho a certeza de nada. E já comecei a cacarejar justificações,
até são uns bichos interessantes, quando estão a comer debicam algo no chão tão
rapidamente que nem enxergo o quê e depois atiram as cabecinhas para o céu e
estão nestas figuras amiudadas vezes. Nos inícios de tais observações eu olhava
- imediatamente! - lá pra cima tentando vislumbrar o que era o alvo de tal
curiosidade inopinada, pois eu quando como, habitualmente olho para o que está
à frente do meu nariz e deixo os céus para as ocasiões místicas. Prosseguindo
os já citados cacarejos, também gosto das suas penas, algumas mais, pois vê-se
ali a mão da mãe-natureza o deslumbre da luz a desfazer-se em cores. Tive uma
amiga artesã, das américas do sul salvo erro, que alimentava uma galinha com o intuito
assumido de lhe arrancar apenas uma pena de vez em quando, para os seus colares
& aquelas obras de arte que lhe davam o pão para a boca. É verdade! Também
havia por lá 1 macaco pendurado nas traves da casa, que eram ramos grossos de
uma acácia que lhe entrava por ali dentro para lhe oxigenar gratuitamente o
ambiente. Uma vez estávamos eu e ela esparramados lá no seu jardim sem cercas
que se prolongava por uma floresta a sério cheia de borboletas estonteadas e
belos pássaros a esvoaçarem com as suas cores tudo junto era bom respirar ali,
e então estávamos nós a fazer o nada e aparece o seu filho por aí nove anos se
tanto, e deu-me uma lata de coca-cola transformada em cinzeiro para as cinzas
do meu fogo no cigarro que ardia alheado disto tudo. O meu preconceito em
relação à coca-cola é assumidamente enorme, mas a Brigite sentiu logo a coisa e
explicou-me que era a maneira do menino me dizer que gostava de mim e como não
tinha mais nada para brincar, costumava apanhar latas no lixo dos Sr.s lá em
baixo na cidade e depois transformava-as no que lhe vinha à cabeça e ao coração
e, sinceramente, aquilo era uma piquena obra de arte. Olhei
para a criança como quem olha para um Deus e os seus olhos eram luminosos &
felizes e eu,,,eu também fiquei feliz e com a voz embarcada num nó cego até às
lágrimas que contive. A mãe sentiu tudo como só as mulheres sabem e ofereceu-me
um chá que dividimos pelos 3.
Afinal,
a bem dizer eu até gosto das galinhas, a maneira como se deslocam com as duas
patas indecisas parecem sempre inquietas à toa, mas isso não passa de + uma
perceção pessoal, pois suspeito que só vejo aquilo que sou e aí há que ter uma
certa parcimónia nas coisas dos julgamentos, juízos de valor, essas
lérias.
São
precisamente 5 h. & tal da noite e ainda estou pr'aqui com as minhas irmãs
galinhas, que são muitas no meu quintal, sem medos dado que eu não as papo já
faz um tempo que estou sentado à sombra de 1 pinheiro que também habita comigo
ali no canto onde lhe deu para estar e dá-me pinhas às vezes pinhões que eu
amontoo numa tigela azul & branca da dinastia Ming que tenho na cozinha,
foi uma namorada chinesa mesmo da China que m´a deu, o pai era podre de rico,
segundo ela, mas fiquei sempre na dúvida se a peça era realmente verdadeira ou
não, mas como não ligo a tais valores, o que me agradou foi a sua beleza
singular. À superfície na epiderme colorida, o branco & os azuis
entrelaçados como fios de cabelos ondulados parecem dançar uma música que julgo
escutar às vezes, quando o silêncio à volta se fecha e estou muito dentro.
Quando acumulo forças suficientes, pego nos tais pinhões às mãos cheias e
quebro-lhes as couraças, um a um atentamente, com uma pedra de estimação que
tenho sempre à mão de semear para ocasiões mais determinantes.
Depois
desta ocasional divagação, retorno à cabeça da pescadinha de rabo na boca que
agora com o tempo já é uma serpente a morder a cauda que dá veneno, que também
pode ser remédio, tantas vezes se dá este caso há esotéricos que o dizem, e o
que eu nesta realidade pretendia dizer é que elas, as minhas amigas
galinhas, têm uma relação íntima visceral com o Sol [1] que
eu naturalmente também mantenho com todo o apreço deste mundo & dos outros,
mas também gosto das estrelas e da lua e dos silêncios azuladamente brilhantes
quando o são outras vezes nem por isso acontecem estas circunstâncias de 1 gajo
estar ~ graças a Deus ~ a respirar mesmo vivo no meio destas montanhas onde o
meu patrão sou eu não.
(Foz-Côa.
Douro. Portugal)
[1] As galinhas a que
me refiro, são umas felizardas parolas nas aldeias pois em relação às suas
irmãs macambúzias & amordaçadas de todo (como os irmãos humanos) fechadas
em infernos imaginados por desalmados, onde claramente desconhecem o que é a
noite. Foi através do genuíno comportamento das 1ªs que surgiu o ditado
popular: “fulano ou sicrano deita-se com as galinhas”. Isto é, esse
alguém mal se põe o sol já está deitado a dormir, caso não sofra de insónias.
Interessante!
(ocorreu-me agora). Nos meus tempos de intelectual puro & duro, deu-me para
estudar com muito afinco e múltiplas pesquisas no terreno, o pano de fundo
ontológico destes animais, digamos assim, e nunca apanhei uma só galinha
acordada ao lado da fileira em que se costumam organizar, mui meticulosamente,
para meu espanto na altura.