(Auto-retrato) |
Algures no Brasil cheguei a estar num Paraíso. E regressei.
Agora encontrei outro Paraíso. Não sei se volto a voltar.
Começo por um dos lados: o mar sem fundo, no compasso
di roncu di mar(1) a chegar claraMente até mim. Depois há
coqueiros esguios, altaneiros nas suas tranquilas danças com
a aragem muito ao de leve, afinal quem sopra por lá? E há as
tamarineiras com os fortes braços erguidos para os céus e os seus
frutos tombados doados à espera de quem lá chegue. Palmeiras
com as suas folhas dobradas em devoção às 7 portas que iniciam
as noites. Balançam-se também aos sons do mar, da lua que
começa a ser maior no céu indefinito do meu olhar.
Estou nu, sentado com os pés apoiados na varanda
azulzíssima e tomara eu estar assim tão nu por dentro. Agora vou
colher uma cana de açúcar aqui do meu quintal e depois talvez vá
soprá-la numa flauta vazia por aí adiante.
Olhando, escutando, aprendendo a ser mais.
O pássaro que me visita todos os dias merece agora toda
a minha atenção. E ele já está ali, na sua árvore de eleição,
misturado com as flores vivas cor-de-laranjas-acesas, pelo meio
da folhagem verde escura porque efetivamente já é noite e tudo
está demasiado claro para mim.
(1) “nos sons compassados das ondas do mar”. (crioulo do Sotavento).
(Sidády Vêlha. Ilha de Santiago. Cabo Verde.)
P.S. Texto do livro de contos "lusófonos":
O OURO BREVE DOS DIAS.
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