José Alberto Mar. Com tecnologia do Blogger.

1.3.17

estrelas apagadas


 
 
já a noite tinha sido iniciada, os pescadores juntos sentados calados curvados olhavam presos por um fio emaranhado de leves & ondulantes pensamentos o horizonte, como quem lia 1 texto antigo.
Entretanto as nuvens de um lado para o outro, fragmentariamente orquestradas pelo seu próprio destino, lá iam impavidamente diferentes. Nada se cruzava & tudo estava unido. Os barcos continuavam a balançar o cais. O mar sempre estivera ali como se fosse eterno. Como um eco longínquo que ainda perdura pelo poder dos olhares de muitas gerações.
E os pescadores aguardavam como quem espera e também não, a hora da partida. Em casa os filhotes mais novatos choramingavam por comidas diferentes e as mães afagavam-lhes os cabelos, com um sorriso junto ao aconchego do útero.
 
Os pescadores, disse-me um dia um amigo vagabundo nas viagens, viraram estátuas fixas e ali estancaram para o gáudio dos turistas que acudiam aos magotes e as crianças agora pediam moedinhas com uma vida inteira moribunda nos olhares.




José Alberto Mar

(Out-.2010. Modificado.Março-2016)
 



 

 

a grandiosa dança ~ the great dance











J.A.M. (2000)

Nº 14 ( Ressureição)



" Eis que o Pai, coberto de suor por causa do Filho,
rogou do fundo do coração ao Senhor,
a quem, de fato, tudo é possível,
pois que cria todas as coisas. E pede-lhe para fazer sair de seu Corpo seu Filho,
Que o ressuscite.


O Senhor não deixa de escutar sua prece,

 e ordena ao Pai que durma.

Enquanto repousa na paz do sono,
faz cair do alto uma chuva
através da clara abóbada constelada,
Uma fecunda chuva de prata pura e verdadeira
,

que rega e enternece o coração paterno.

Ó Deus, ajude-nos também a obter Sua Graça! "

Ain't Got No, I Got Life ( Nina Simone )


27.2.17

o silêncio serpenteia-se nas ondas


 
O silêncio serpenteia-se nas ondas do ar a boca da noite abre as flores do coração curva os sons que tem sempre à mão e o tempo habita-nos mais ao sabermos nos olhos as sombras que se despedem das árvores onde os pássaros acolhem os primeiros tons do dia sob o lençol verde às tantas da manhã pelas cinco e tal ou quase assim começam a sinfonar uma visão acesa para quem esmorece ainda é cedo ainda há o segredo de haver um mundo contudo sagrado.
 

 ( José Alberto Mar.Cabo Verde. 2009. Transformado em Jan.2017)


 

21.2.17

Plateau

 
~ Dedicado ao meu amigo Victor Mendes ~
 
Uma mulher negra coberta de panos amarelos sentada num banco de madeira pintado de verde, no jardim. Ao lado um Sr. de camisa & calças vermelhas, também sentado num banco verde à sombra de uma árvore com folhas tenramente ainda.
O sino do relógio dá 6 badaladas bem compassadas ao ritmo do calor hoje abafado, será que vai chover?
Passam mulheres e mulherzinhas agrupadas, com as bundas arrebitadas todas janotas em direção à igreja já apinhada de crentes para a missa domingueira. Espreito discretamente e parece-me haver ali um fervor amornecido, uma entrega naturalmente física à devoção, neste caso católica, mas esta fé lá no fundo terá algum nº de porta?
No jardim, um casalinho namora espreguiçadamente num outro banco de cimento que já não tem cor. Ela deitada sobre o colo ali à mão de semear e ele com as mãos dedilhadas no corpo da paixão. No chão quente do dia as suas sombras estremecem quase sem darmos por isso, evolam-se no ar em formas de carne & paixão e até encantam as flores sonolentas à volta.
Volto a dar 1 longo passeio. No mercado tudo são cores que se mexem. E volto ao lugar. A meu lado está alguém com ar de quem já não espera nada e também não se rala com isso. Talvez esteja em plena divagação do seu ser, talvez seja o seu modo de estar, talvez a luz do seu olhar esteja toda estancada no pequeno sol de dentro, e o que é que eu terei haver com isto?
Passam mais meia-dúzia de moços coloridos, todos alegres, entretidos com eles próprios, em direção aos finais da missa. Ouço o barulho de uma moto bastante na estrada ao lado, e leva atrás um gajo de patins a deslizar por ali como gente grande, lá vai ele a espalhar o seu imenso sorriso branco pela cidade adiante, adiante que é sempre cedo para se ser feliz.


José Alberto Mar

Cabo Verde. Ilha de Santiago. Praia – 2008 (alterado a Fev.-2017)