José Alberto Mar. Com tecnologia do Blogger.

31.7.16

por uma unha negra

 
 
Foi um tempo obscuro, escuro, mesmo negro. Atravessei-o com a juventude espalhada pela idade e todos os mundos que podia a encherem-me a alma até às marcas afloradas na pele. Por vezes, pensava que enlouquecia e então abrigava-me nas casas do silêncio á espera de escutar o fio tremeluzente da minha voz mais íntima. Outras vezes, saía pelo mundo fora, á procura de mais dias & mais noites umas a seguir ás outras como primaveras que se devoram com muitas flores vivas a saltarem pela boca, pelos olhos, pelo corpo inteiro e esburacado. Conheci gente, pessoas, corpos habitados por alguém, outros nem por isso, cheguei a conhecer os mortos que continuam por aí, de um lado para o outro, como imagens atrapalhadas adiarem sei lá o quê. Também, confesso, cheguei a ser tocado por alguns seres humanos que me deram minúsculas estrelas duradoiras, muitas vezes sem eu dar por isso. Ainda hoje as guardo, como pedras preciosas, soltas entre os seixos das minhas margens.
Foi um tempo de procuras, em que passei por pontes & pontes e nem sequer as via nem os rios dedicados aos seus mares, nem os lugares de um lado e do outro, por onde gastava o meu destino possuído pela dourada cegueira da juventude e por todos os copos de veneno que encontrava. Vi alguns amigos caírem para o interior de uma luz que nunca mais os largou, foram assim sozinhos para longe e nuncanunca mais.
Após muitas paisagens, comecei a ver que tudo à minha volta eram imagens que se soltavam de dentro de mim, onde eu não era chamado para o caso, nem propriamente ninguém, mas no fim de contas todos estávamos lá: pessoas, animais, plantas, pedras, mundo, vida e todos os universos conhecidos e por conhecer.
Comecei a olhar mais a luz, a luz claramente acesa, a primeira que vem de dentro das pessoas e das coisas e descobri um centro que não é centro nenhum, apenas me desloco, despido e nu, de centro em centro, no mapa circular da minha idade.
Sempre, com 1 deus presente em tudo e o amor íntimo e distante pelo que passa por mim.
 
(2006)
 
 


26.7.16

Onde o Sol é mais Perto



Às vezes pego no bloco. Pego na caneta. Fico assim horas a fio a olhar

Depois
desço o olhar
1 pirilampo aqui outro acolá na espessura da noite deste jardim
por detrás da sebe da casa há um sobreiro com ramos rugosos onde a cortiça respira & cresce sem darmos por isso e as folhas todas juntas formam  uma cabeleira que estremece e dança, muito espaçadamente, com a aragem que sopra dos lados do mar.

De repente, os repuxos calaram-se. Gotas de água escorrem de folha em folha e depois apagam-se no chão onde as raízes das plantas absortas se abrem ao desejo da sede. E as folhas cintilam sob o peso da luz que desce dos candeeiros. E são belas assim, nos seus verdes flamejantes contra as obscuridades à volta. Na superfície azulada da piscina, estranhamente ondulada, está a lua estampadamente enorme.

 
(Algarve. 2009)

Série: pequenas sabedorias ~ Series small wisdoms

    - J. A. M. -

25.7.16

Signals Times ~ Tempos de Sinais

 
 - J.A.M.-

O MEDO DA ROSA


 
Eu sei a rosa da cor da luz ao amanhecer o mundo, a primeira imagem antes de qualquer palavra, antes do verbo, era deus e a sua solidão era deus a sonhar a minha vaidade de o imaginar assim, na soberba imensidão vazia, que nunca foi.
- Sei como a rosa se levantou, pétala a pétala, no seu fulgor de luz errante, hilariante e como o seu esforço vai adiante.
Sei e claro que não sei, a cor da rosa, nem a imagem da própria rosa, nem esse deus nada assim, de que vos falo só para me libertar de mim e assim pressentir nas palavras que semeio, esta assustadora liberdade de ser humano.
 
(2007)

22.7.16

auto-retrato ~ self portrait



















( Foto: J.A.M.) 






&, no entanto há uma luz por aqui



&, no entanto
há uma luz
poisada no centro
do seu  silêncio de ser
só uma luz
Aberta
para fora
de si

- como se um pássaro esquecesse no voo
o peso das suas asas;

- como se a memória fosse uma trave esmorecida
na casa estagnado dos hábitos;

- como se, algo te chamasse & fosse uma voz cúmplice
no cálice mais translúcido do teu  corpo
onde o som maduro do silêncio
te chama - em chamas - alumiantes na cor
e tu estás longe ou perto nos olhos
divagados em ti


E então, nem o ouro
nem a prata


- por onde há-de uma Vida luzir?



(28-Set.2007)

What are your masters in the arts, artist?- Is the Nature.




















( Imagem construída: J.A.M.)

21.7.16

Ponta d’ Areia



Estou na ponta d’areia. Sentado. Á sombra, aí uns 20 e tal graus. O guarda-sol é cor de laranjas maduras e eis á minha frente o mar vivo e aceso. Do céu vários tons azuis luminosos descem suavemente sobre tudo o que é vida.
Á minha volta, o povo espraia-se finalmente no seu sábado.
As crianças vivem à solta por aqui, onde o mar deslaça dia-&-noite as suas ondas e elas, as crianças dão cambalhotas e correm chapinhando a água dócil, entre pequenos saltos de quem está mesmo felizmente feliz. Há gazelas morenas, umas a seguir às outras, é difícil acompanhar com a devida atenção tantos ritmos ondulantes e belos, sob este sol de deus.
Passa alguém com uma caixa transparente pelo braço e leva ovos de codorniz, camarão cozido, umas comidas que outros comerão, com certeza.
Olhando para trás, vejo 2 candeeiros públicos ainda acesos a despontarem entre os verdes das árvores sossegadas e claramente alheadas do assunto. É de lá – dessas bandas, que chega até aqui aquela música popular, sempre a tocar as esferas do coração. Muitas pessoas cantam-nas em grupos e alegram-se simplesmente assim.
 
1 papagaio caiu, tombou mesmo agora a meus pés e reparo que é feito de plástico, que já foi saco de supermercado + uns pauzinhos de coqueiro aliados e ainda mais agora, o menino já o ergueu no ar e aquela coisinha frágil como Tudo, dá curvas sozinho com a  cauda louca sem tino esburacando o espaço, rodopia veloz e depois,,, cai outra vez no chão sólido do mundo e a criança continua a ser criança a brincar e já é muito, tomara eu.
A menina do bar, mini-saia de ganga boa perna, camiseta desabotoada, bandeja prateada na mão esquerda, já aviou mais umas cervejas Sol *a uns jovens que estão prá-li num forrobodó evidente e regressa ao balcão, esvoaçando um olhar geral pelas mesas dos seus clientes.
Um bandozinho de pardais passa à frente do meu olhar a rasarem o grande areal, com cadeiras & mesas azuis, vermelhas, brancas e cinzentas
e
desaparecem numa curva uníssona do tempo, o que é feito deles? pensei, enquanto uma outra parte de mim ainda se regala a fazer jogos infindáveis com as cores do cenário.
Lá adiante, lá mesmo ao fundo, uma tira horizontal de água mais cintilante no brilho, faz-me lembrar que amanhã irei a St.º António de Alcântara, por onde um touro passeia a sua estrela de cinco pontas na testa carimbada.
 
* marca de cerveja

 
(Estado do Maranhão. Brasil - 2007)

11.7.16

Estou de Tanga



hoje levantei-me bem comigo & a vida, comi manga, papaia e cana de açúcar do meu quintal tudo oferecido com a claridade do sol sempre esclarecido nas coisas do mundo.
Também bebi água logo nas aberturas do dia e é água leve e fresca que vem dos lados do convento de São Francisco, do séc. XVII, eles lá sabiam as melhores fontes das coisas essenciais à vida.
Nesta varanda virada para a Sidády Vêlha, com o mar ao fundo de onde se colhem imagens & imagens sem fim e um barulho de ondas fortemente contra as rochas negras da praia, onde todos os dias me banho ao fim da tarde até ver o círculo solar cheio de cores a partir para outros lugares.

 Acabei agora de regar as minhas plantas, saudar as flores que me ajudam tacitamente a ser feliz, tocar ao de leve as folhas da palmeira aqui ao lado, são pequenos gestos aparentemente distraídos entre seres que são irmãos.
A minha amiga borboleta, que me visitou logo no 1º dia, volta todos os santos dias, enquanto estou a acordar-me nestas pequenas tarefas. Um dia destes, veio poisar na minha mão, mas só ao fim do coração da manga bem chupada, é que sorveu com tal suavidade a ultima gota que me deixou derrotado por uns longos instantes.
Ah! eu e a minha amiga borboleta, duas pétalas brancas, uma de cada lado, onde pontuam vários círculos coloridos salpicados  à toa, falámos abertamente dentro dos nossos silêncios amadurecidos, depois foi vadiar pela mata a fora  partilhar alegria e liberdade com outros, remando agora as suas muitas asas frágeis ao sabor das curvas da aragem e, pronto.
 

Votei ajustar a tanga à cintura (um dia destes tenho que arranjar uma tanga a sério de pano de terra, logo se vê) incendiei 1 cigarro, pernas desleixadamente sobre a varanda azul e costas contra o mundo.

 

( Cabo Verde. Ilha de Santiago. Sidády Vêlha – 2008)

6.7.16

Sensação a veludo nas mãos


 
Primeiro foi uma sensação a veludo nas mãos, a carne à flor da pele era  macia de um modo tão suave e a pedir só mansidão e elas, as mãos, transcorriam bêbedas com todos os seus 10 dedos nas polpas sensíveis cada vez eram mais e eu lá no fundo, no final da sensação, deixava-me navegar com toda a preguiça esboçada do mundo, por este mar de novidades que aquele corpo me emprestava no silêncio ofegante da noite.
E ela deitada, absorta no seu sonho de ser mulher para as minhas mãos e eu sentia-a a crescer nos ritmos da respiração, e de um lado e do outro, ambos éramos mais próximos, como se houvesse uma indeterminada luz pelo meio, que tínhamos de possuir precisamente ao mesmo tempo.
Tudo ilusão. E, no entanto não era. Eu estava ali, ela também, éramos dois corpos com as portas escancaradas de todo. A aragem das mãos esvoaçando sobre a pele de veludo, era o que sobrava do silêncio de chumbo, onde os nossos corpos jaziam. Havia entre nós, um nó inteiramente aceso por dentro, onde as línguas mais aprumadas já não dizem palavras. Os gestos criavam outros mundos, onde só nós cabíamos, onde só nós éramos quase perfeitos espera de o sermos.

 

  (Brasil. São Luís do Maranhão. Algures por 2007/ 2027)