Tive uma amiga artesã, das américas do sul salvo erro, que alimentava uma galinha com o intuito assumido de lhe arrancar apenas uma pena de vez em quando, para os seus colares & aquelas obras de arte que lhe davam o pão para a boca. É verdade! Também havia por lá 1 macaco pendurado nas traves da casa, que eram ramos grossos de uma acácia que lhe entrava por ali dentro para lhe oxigenar gratuitamente o ambiente. Uma vez estávamos eu e ela esparramados lá no seu jardim sem cercas que se prolongava por uma floresta a sério cheia de borboletas estonteadas e belos pássaros a esvoaçarem com as suas cores, Tudo junto era bom respirar ali, e então estávamos nós a fazer o nada e aparece o seu filho por aí nove anos se tanto, e deu-me uma lata de coca-cola transformada em cinzeiro para as cinzas do meu fogo no cigarro que ardia alheado disto tudo. O meu preconceito em relação à coca-cola é assumidamente enorme, mas a Brigite sentiu logo a coisa e explicou-me que era a maneira do menino me dizer que gostava de mim e como não tinha mais nada para brincar, costumava apanhar latas no lixo dos Sr.s lá em baixo na cidade e depois transformava-as no que lhe vinha à cabeça e ao coração e, sinceramente, aquilo era uma piquena obra de arte. Olhei para a criança como quem olha para um Deus e os seus olhos eram luminosos e felizes e eu,,,eu também fiquei feliz e com a voz embarcada num nó cego até às lágrimas que contive. A mãe sentiu tudo como só as mulheres sabem e ofereceu-me um chá que dividimos pelos 3.
São precisamente 5 h. e tal da noite e ainda estou pr’aqui com as minhas irmãs galinhas, que são muitas no meu quintal, sem medos dado que eu não as papo pois adotei a moda saudável de ser vegetariano já faz um tempo que estou sentado à sombra de 1 pinheiro que também habita comigo ali no canto onde lhe deu para estar e dá-me pinhas às vezes pinhões que eu amontoo numa tigela azul e branca da dinastia Ming que tenho na cozinha, foi uma namorada chinesa mesmo da China que m´a deu, o pai era podre de rico, segundo ela, mas fiquei sempre na dúvida se a peça era realmente verdadeira ou não, mas como não ligo a tais valores, o que me agradou foi a sua beleza singular. À superfície, na epiderme colorida, o branco e os azuis entrelaçados como fios de cabelos ondulados parecem dançar uma música que julgo escutar às vezes, quando o silêncio à volta se fecha e estou muito dentro. Quando acumulo forças suficientes, pego nos tais pinhões às mãos cheias e quebro-lhes as couraças, um a um atentamente, com uma pedra de estimação que tenho sempre à mão de semear para ocasiões mais determinantes.
Depois desta ocasional divagação, retorno à cabeça da pescadinha de rabo na boca que agora com o tempo já é uma serpente a morder a cauda que dá veneno, que também pode ser remédio, tantas vezes se dá este caso há esotéricos que o dizem, e o que eu nesta realidade pretendia dizer é que elas, as minhas amigas galinhas, têm uma relação íntima visceral com o Sol(1) que eu naturalmente também mantenho com todo o apreço deste mundo e dos outros, mas também gosto das estrelas e da lua e dos silêncios azuladamente brilhantes quando o são outras vezes nem por isso acontecem estas circunstâncias de 1 gajo estar ~ graças a Deus ~ a respirar mesmo vivo no meio destas montanhas onde o meu patrão sou eu não.
(Foz-Côa. Douro. Portugal)
(1) As galinhas a que me refiro, são umas
felizardas parolas nas aldeias pois em relação às suas irmãs macambúzias &
amordaçadas de todo (como os irmãos humanos) fechadas em infernos imaginados
por desalmados, onde claramente desconhecem o que é a noite. Foi através do
genuíno comportamento das 1ªs que surgiu o ditado popular: “fulano ou
sicrano deita-se com as galinhas”. Isto é, esse alguém mal se põe o sol já
está deitado a dormir, caso não sofra de insónias. Interessante! (ocorreu-me
agora). Nos meus tempos de intelectual puro & duro, deu-me para estudar com
muito afinco e múltiplas pesquisas no terreno, o pano de fundo ontológico
destes animais, digamos assim, e nunca apanhei uma só galinha acordada, com
insónias, ao lado da fileira em que se costumam organizar, mui meticulosamente,
para meu espanto na altura.
~ in, O Ouro Breve dos Dias. Livro
de contos.2021. J. A. M. ~
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