José Alberto Mar. Com tecnologia do Blogger.

7.3.25

Mauro, o poeta da Ilha

Foto trabalhada. J. A. M.

     

     Arrastava mais um pé do que outro e eu reparei no seu ar luminoso abrir airosamente a noite. Ia a passar perto do meu lugar e eu senti logo que podíamos trocar algumas luzes. Convidei-o a sentar-se ali, por baixo da grande árvore noturna. Vi o seu olhar inclinado para o meu copo ainda cheio de Brahma (1) e perguntei-lhe o que bebia. Não tardou a abrirem-se as nossas portas, uma de cada vez e cada uma no seu lugar mais claro e mais íntimo.
      Era um poeta e eu disse-lhe que também era um aprendiz de poeta. Ele lembrou-se deste pormenor mais tarde, durante uma noite em que amizade, alegria e o mistério do “bumba-meuboi”(2)se entrelaçaram com ambos no fim iscados (3de todo, tombámos e acordámos na Praia da Guia e ao mesmo tempo num silêncio cúmplice fomos mergulhar no mar para acender o dia.
      Ele arrastava uma perna quando andava, mas falava sem arrastar nenhuma das suas asas. Aí, ele crescia em voos cheios de altura e distância e, às vezes, descia um pouco, para recitar um poema seu, que parecia ler no meu rosto. Eram sempre longos, feitos de simplicidade e lonjura e eu ficava mais pequeno a escutá-lo e a olhá-lo com todo o orgulho do mundo, pois já éramos amigos.
 
     Hoje, imagino-o a levantar a noite da sua ilha, livre como sempre, feliz e a cantar alegremente toda a escuridão que há na sua vida de poeta.

   

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[1]   Marca de cerveja brasileira.

[1]  Existem várias versões acerca desta lenda nordestina. A história mais comum refere a escrava Catirina ou Catarina, grávida, que pede ao marido Chico ou Pai Francisco para comer língua de boi. O escravo atende ao desejo da esposa, matando o boi de estimação do patrão. O crime de Pai Francisco é descoberto e por isso ele é perseguido pelos vaqueiros da fazenda. Quando preso, são infligidos excruciantes castigos e, para não morrer, Pai Francisco, com a ajuda de pagés, ressuscitam o animal. Todos, então, cantam e dançam comemorando o milagre. Esta lenda tornou-se motivo das maiores celebrações culturais e festivas em todo o Estado do Maranhão. O “bumba-meuboi” maranhense recebeu do IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) o título de Patrimônio Cultural do Brasil.

[1]   Embriagados, bêbedos (dialeto maranhense).




(J. A. M. em São Luís do Maranhão. BRASIL)


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