José Alberto Mar. Com tecnologia do Blogger.

3.4.25

MERCADO DE SUCUPIRA

 

Camionete/Restaurante. Mercado de Sucupira. Foto: J. A. M.


     6 horas e tal, as mãos e as moscas e às vezes uma delas está a poisar AGORA…Zás!…apanhei-te…  e depois olho, olho e não vejo nada

     e então, depois de uma noitada em que atravessei vários mundos na Praia (1), já estou no interior de uma antiga camioneta amarela torrada pelo sol transformada em restaurante. Depois de ter aviado uma catxupa(2) num prato de lata redOndo mesmo, sentado numa mesa à porta da dita a colher imagens da gente que vende coisas, que compra algumas dessas coisas e das pessoas que passam de um lado para o outro abrindo naturalmente o ar que as ampara.
    No geral “a coisa está preta”. Depois, levanta-se nas cores das roupas. Dá-me a impressão, ainda sujeita a posterior confirmação, que o vermelho é o eleito. Impõe-se só por si, a seguir há os amarelos e os verdes em N tons. O verde-alface é bem considerado por aqui. O branco, obviamente.
     Uma jovem mulher expõe com 1 só braço suspenso exatamente uma garrafa grande de água gelada e espera alguém que a leve. Tem uma bunda maravilhosa e sei lá porque é que olhei para este caso. Alguém transporta carne de um animal já muito morto numa bacia de plástico cor-de-rosa em cima da cabeça, mas o que eu vejo com estes 2 olhos que a terra há de comer, é uma chusma de moscas tresloucadas com o manjar. Irão pesar as moscas também aquando do negócio ou serão o brinde, com certeza.
Lá ao longe o céu está assim-assim-escurecido, sei lá o que vai acontecer por aqui nunca se sabe e já transpiro bastante, ponho-me nu, da cintura até à cabeça exponho o peito a alma, tudo.
      Passa mesmo à frente do meu nariz uma menina toda sirigaita, vai retocando os cabelos com uma mão distraída e a treinar o gingar das ancas que ainda se estão a abrir às sementes que um dia virão, e lá vai ela muito compenetrada no seu papel de ser gente grande também, à espera de ser amada quando acontecer e será para breve, vê-se. Ali vai um gajo todo inclinado para o rádio aos berros na mão esquerda junto ao ouvido do mesmo lado e é música que não tenho tempo de saber, mas com aquele ar tão feliz é boa de certeza.
     Ainda
 
as eternas mangas, as bananas ao lado juntas ao quilo, maçarocas de milho tenro, galinhas aos saltos, compotas, bolsas de coco e outros objetos decorativos feitos de conchas e dádivas do mar, cestos de folhas de tamareira, sapatos sapatilhas e chinelos para todos os gostos, mandioca, queijos da ilha de Maio, ervas medicinais, garrafas de manecom (3), licores, Tudo… e a evidente e dura realidade da sobrevivência. São as mulheres, sempre rodeadas de bandos de filhos espalhados em brincadeiras por ali, que erguem toda esta trabalheira. Cumprem-na devotadas e depois, ao fim do dia no silêncio pesado da noite instalada, desenlaçam-se, encostam ao de leve a cabeça a uma esperança qualquer que nunca vislumbrei e ficam assim desimportadas engolidas pela escuridão, até que o sono as recolha.
     O papel dos homens por estas bandas, parece-me que é atirarem-se a elas esporradicamente e depois bazam logo na primeira curva do tempo d´encontro às luzinhas do grogu (4) ou desenrascam mais um poiso temporário algures numa outra ilha deste arco verde, por onde vão cumprindo os seus ancestrais ofícios de marinheiros vagabundos.
 

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 [1]   Cidade da Praia, capital de Cabo Verde.

[2]   Prato típico da gastronomia de Cabo Verde confecionado à base de milho, feijão, carne e/ou peixe.

[3]   Vinho produzido nas terras vulcânicas da Ilha do Fogo.

[4]   Aguardente feita a partir da cana do açúcar (crioulo do Sotavento).


( in, O OURO BREVE DIAS, @jose.alberto.mar-2021)


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