Foi um tempo obscuro, escuro, mesmo negro. Atravessei-o com a juventude espalhada pelo corpo e todos os mundos que podia a encherem-me a alma até às marcas afloradas na pele. Por vezes, pensava que enlouquecia e então abrigava-me nas casas do silêncio, á espera de escutar o fio tremeluzente da minha voz mais íntima. Outras vezes, saía pelo mundo a fora á procura de mais dias & mais noites umas a seguir às outras, como primaveras que se devoram com muitas flores vivas a saltarem pela boca, pelos olhos, pelo corpo inteiro esburacado. Conheci, gente, pessoas, corpos habitados por alguém, outros nem por isso, cheguei a conhecer os mortos que continuam por aí de um lado para o outro como imagens atrapalhadas adiarem sei lá o quê. Também, confesso, cheguei a ser tocado por alguns seres humanos, que me deram minúsculas estrelas duradoiras, muitas vezes sem eu dar por isso. Ainda hoje as guardo, como pedras preciosas soltas entre os seixos das minhas margens.
Foi um tempo de procuras, em que passei por pontes & pontes e nem sequer as via, nem o rio que lá descia para o seu mar, nem os lugares de um lado e do outro por onde queimava o meu destino, possuído pela dourada cegueira da juventude & por todos os copos de veneno que tragava. Vi alguns amigos, caírem para o interior de uma luz que nunca mais os largou, foram assim sozinhos para tão longe e nuncanunca mais.
Após, muitas paisagens, comecei a ver que tudo á minha volta era uma imagem que se soltava de dentro de mim, onde eu não era chamado para o caso, nem propriamente ninguém, mas, no fim de contas todos estávamos lá: pessoas, mundo, vida, animais, plantas, pedras e todos os universos que sabia e sentia.
Comecei a olhar mais a luz, a luz claramente acesa, a primeira que vem de dentro das pessoas e das coisas.
Descobri um centro que não é centro nenhum, apenas me desloco despido e cada vez maia nu por dentro, de centro em centro, na mapa circular da minha idade. Sempre, com o deus presente de tudo á minha volta e o amor íntimo & distante por tudo o que passa por mim.
( algures. 2006 )