“Um ser humano é parte de um todo chamado por nós de Universo, é uma parte limitada no tempo e no espaço. Ele experiencia-se a si mesmo, aos seus pensamentos e sentimentos, como alguma coisa separada do resto - uma espécie de ilusão de óptica da sua consciência. Essa ilusão é uma forma de prisão para nós. A nossa missão é libertarmo-nos dessa prisão, alargando os nossos círculos, para envolver todas as criaturas vivas e o todo da natureza na sua beleza.”
- Albert Einstein, “Ideas and Opinions”. 1954. (Tradução livre) -
"Este governo desfigurou a escola pública. O modelo de avaliação docente que tentou implementar é uma fraude que só prejudica alunos, pais e professores. Partir a carreira docente em duas, de uma forma arbitrária e injusta, só teve uma motivação economicista, e promove o individualismo em vez do trabalho em equipa. A imposição dos directores burocratiza o ensino e diminui a democracia. Em nome da pacificação das escolas e de um ensino de qualidade, é urgente revogar estas medidas."
- in, blogue PROAVALIAÇÃO -
23.5.09
Brasil. Maranhão. Rio Preguiças. Foto de j.a.m.
ENCONTRO
Um barco desliza nas águas ao de leve sonoras. Enquanto a noite desce como um lençol suavemente escuro apagando o rio, que era azul e agora já é um espelho prateado deitado sobre o mundo. Alongado pela vastidão que se recolhe nos olhos de quem só olha.
Há em tudo uma paz impossível, e eu vejo o teu rosto e tu pareces não ser. Olho-te de novo, e tu olhas-me assim: tão perto e tão longe, no fundo de mim, que me deixas mais nu. Eu sei: és aquela que me ama do fundo das águas
que agora nos unem. Eu sou aquele que procura e te dá o silêncio inteiro das minhas duas mãos nas tuas. Pois, no fim desta escuridão somos sempre sozinhos. A partir de agora, entre nós não haverá mais segredos.
- In, Colectânea "Os Dias do Amor".Editora Ministério dos Livros.2009
Em cada gesto um ofício sem idade dizendo os corpos em sobressaltos entre as coisas circulares do tempo.
E quem já esteve em muitos lugares principia e acaba olhando o Mundo pelas suas formas e aí morre qualquer hábito e a vastidão da Terra com sementes há memória da Vida e das coisas que acontecem.
- In, O Triângulo de Ouro.Ed. Justiça e Paz.1988 - Prémio Revelação de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores.1987
Há porém um estado de absoluta nostalgia um coração selado sobre a emigração dos dias com um rosto partilhado pelos segredos do Mundo.
Não é a voz, não é essa desordem da luz nem a matéria ou a memória das palavras é outra a sedução despojada de qualquer brilho outra a distância abandonada lá no fundo vivo dos olhos.
Brasil. São Luís do Maranhão.2006 (foto de j.a.m.)
Os dedos sensíveis escutam as vozes do sangue. Vibram, morrem devagar nos gestos. Memórias e Mundos na ilusão de um tempo e de um lugar. Enquanto as luzes mais violentas apagam os contornos quando as asas do poema chegam ao fim.
(Imagens afundadas na Memória.11ª.) - In, A Primeira Imagem.1998 -
Primeiro foi uma sensação a veludo nas mãos, a carne à flor da pele era macia de um modo tão suave a pedir só mansidão e elas, as mãos, transcorriam bêbedas com todos os seus 10 dedos nas polpas sensíveis e eu lá ao fundo, no final da sensação, navegava com toda a preguiça esboçada do mundo, por aquele mar de novidades que o teu corpo me emprestava no silêncio ofegante da noite.
Estavas ali deitada, absorta no teu sonho inteiro de ser escultura para as minhas mãos, e eu sentia-te a crescer nas ondas da respiração e de um lado e do outro, ambos éramos mais próximos, como se houvesse uma indeterminada luz pelo meio, que tínhamos de possuir exactamente ao mesmo tempo.
Tudo ilusão. E, no entanto não era. Eu estava ali, tu também, éramos dois corpos com as portas abertas de todo. A aragem das mãos esvoaçando sobre a tua pele de veludo, era o que sobrava do silêncio de chumbo, que os nossos corpos mortais no fundo faziam. Havia entre nós um nó inteiramente aceso por dentro, onde as línguas mais aprumadas já não soltam palavras.
E os gestos criavam outros mundos, onde só nós cabíamos, onde só nós éramos quase perfeitos, à espera de o sermos.
Brasil. Maranhão.2007
11.5.09
Brasil Maranhão.Pequenos- Lençóis. (Foto de j.a.m.)
Arrastava mais um pé do que o outro mas eu reparei no seu ar luminoso abrir airosamente a noite. Ia a passar perto do meu lugar e eu senti que podíamos trocar algumas luzes. Convidei-o a sentar-se ali, por baixo da grande árvore nocturna. Vi o seu olhar a inclinar-se para o meu copo cheio de sol* e perguntei-lhe o que bebia. Não tardou a abrirem-se as nossas portas, uma de cada vez e cada uma no seu lugar mais claro e mais íntimo. Era um poeta e eu disse-lhe que também era um aprendiz de poeta.(Ele lembrou-se deste pormenor com um leve sorriso passado uns dias, quando à sombra de outra árvore mais diurna, voltámos a trocar meia-dúzia de luzes pessoais). Mauro arrastava uma perna quando andava mas falava sem arrastar nenhuma das suas asas. Aí, crescia em voos cheios de altura e distância e às vezes, descia um pouco, para recitar um poema seu, que parecia ler no meu rosto. Eram sempre feitos de simplicidade e lonjura e eu ficava mais pequeno a escutá-lo e a olhá-lo com todo o orgulho do mundo, pois já éramos amigos. Hoje, aqui noutro continente da Terra, vejo-o a erguer a noite da sua ilha, livre como sempre a cantar alegremente toda a escuridão que há na sua vida de poeta.
Os lençóis negros da noite desciam, tombavam, adormeciam colados uns aos outros, como folhas que se voltam a juntar.
Depois de várias voltas por N ruas obscuras da cidade pareceu-me que era por ali que a festa começava a fervilhar. No passeio de uma rua desamparada, encontrei um banco á minha espera e pedi mesmo ali á Sr.ª da rolote uma cerveja bem gelada. Recostei-me, costas com parede e vice-versa, e pus-me a pastar vacarosamente o olhar à volta. Havia de tudo o que era gente, jovens em grupos soltos e felizmente assim, pessoas solitárias, alguns com ar de quem procura desespiradamente libertarem-se daquilo, outros já mais ancorados nas suas derradeiras sortes, havia casais apaixonados que nem pássaros azurumbados, havia também mulheres de todas as cores, e as mais belas prendiam-me o olhar por mais tempo e depois, desapareciam pelas portas dos vários bares de onde se soltavam canções às molhadas e, de quando em quando tudo aquilo fundia-se no fundo mais fundo de mim próprio e dava-me sede para mais uma cerveja.
Por cima, a grande escuridão universal salpicada de estrelas e uma clara sensação de vastidão completamente alheada.
A incerta altura, uma menina sozinha, por dentro e por fora, aproximou-se de mim, de cerveja na mão e sentou-se a meu lado. Depois continuou calada, ancorada e eu também não de cerveja na mão. Encostou a sua tristeza desarmada no meu ombro abrigada e eu comecei a falar. As minhas palavras eram peixes criados ali, para o seu mar. Sem darmos por isso, pusemos os olhos nos olhos e começámo-nos a beijar. O seu fundo sereno tinha outro olhar. E uma paixão qualquer apareceu naquele lugar. Claro que o dia nasceu sem nos avisar.
A varanda é branca com o sol ainda por cima e depois há o azul-cobalto do mar e ainda depois há muitas árvores emaranhadas nos seus verdes a erguerem os olhos para a beleza de um imenso céu, onde me esqueço e só muito tempo depois me faz cair em mim. Aqui ao lado, as folhas das palmeiras penteiam a aragem que corre atrás de si e por vezes, alarga-se até à mesa onde escrevo e leva-me as folhas as palavras, o que me importa? Na rua as pessoas deslocam-se devagar no meio do tempo, saboreiam os encontros, param aqui e acolá, trocam poucas frases, alguns gestos, coisas simples com um sorriso cúmplice na caminhada, já é tanto. Um pescador de boné vermelho e corpo calado, está esquecido ou estará a lembrar-se, a olharolhar o mar como se lesse um texto. Há em tudo uma paz muito possível aproximando-se provavelmente a um sopro distraído de deus, no meu olhar.
E voltei. Estava quase acordar no meu quarto do Hotel Europa, quando a Ana e a Joyce abriram a porta em leque, cheias de sorrisos floridos e me convidaram para dar um passeio pelas franjas de Gaibu. Lá me levantei um tanto ou quanto aturdido pelas caipirinhas da noitada anterior, mas depois de beber o coco fresco que me atiraram de chofre, vesti a t-shirt e os calções de sempre e lá fomos, que nem 1 trio harmonia pelo dia adiante. Passámos pela linda praia de Calhetas, onde vi ondas debruçadas sobre a própria espuma, depois de serem verde-esmeralda e azul-turquesa e também vi uma foto do jovem Eusébio no bar lá do sítio, ao lado de N ilustres que por ali tinham po(u)sado algures, ao longo dos seus destinos. Depois, continuámos a caminhar por entre árvores, plantas e cores de vários tamanhos e aromas, até que a incerta altura num morro inesperado e cheio de azul muito azul do céu, vi uma tabuleta tosca de madeira com a palavra: “PARAÍSO”. As minhas companheiras apanharam o meu ar aparvalhado e eu apanhei-as a sorrirem apenas cúmplices. O que é que havia a dizer? Lá descemos entretidos com os pés de cada um, a saltitarem de pedra em pedra, até desembocarmos numa espécie de praia com a água muitomasmuito transparente e a areia quase prateada pelo pôr-do-sol que se diluía até ao esquecimento. Sentámos-nos a olhar e a escutar o mundo á-volta através daquele ponto de vista, dentro do ponto de vista de cada um e os três juntos com as 6 vistas desarmadas, despidas, deliradas. Já não sei, e pouco me importa, o tempo (o tempo?..) que poisámos ali, a respirar aquele lugar tão belo e simples irrealmente em tudo. Lembro-me vagamente que as palavras eram coisas a mais e a ninguém lhe passou pela cabeça tocar em tal assunto. Quando regressámos a Gaibu, numa camioneta que ainda circulava, já lá estava instalada uma noite claramente aberta à nossa entrada.