José Alberto Mar. Com tecnologia do Blogger.

30.4.21

~ hoje regressei ao Restaurante da Rosa ~

 


era uma porta vermelha

( preâmbulo )

 

    fui jantar ao chinês ali ao lado. A patroa, a Rosa, continua com o mesmo rosto que tinha há uns 10 anos, quando a conheci num outro restaurante ainda era empregada, continua com o mesmo corpo, até o jeito leve de cirandar por entre as mesas e aquele sorriso tão amplo como contido, que eu nunca cheguei mesmo até lá. Fascina-me esta mulher de tão longe, a modos que frágil e sempre tão atenta aos meus saqués. E depois venho-me embora a tentar desembrulhar-me daquele sorriso que vai comigo até outra coisa qualquer se atravessar no meu caminho.

 

era a mesma porta vermelha?

 

      Já há uns bons tempos que não ia a um restaurante chinês e então hoje, sei-lá-porquê, deu-me para ir ao Restaurante da Rosa, mas afinal a Rosa andava por outros jardins…                       
   Mal entrei, fui imediatamente recebido por uma jovem chinesinha que me abriu o espaço com uma larga simpatia que me surpreendeu. “isto já teve melhores dias”, pensei. Sentei-me, retribuindo q.b. a simpatia da menina com um sorriso repentinamente até sincero lá no fundo.
    Comi algo comestível, e o melhor foi a salada, mastiguei esquecidamente os vegetais que depeniquei na travessa, com o complemento direto de um Evel branco fresco e para enlaçar a coisa no fim: café e saqué de rosas. Enquanto o laço não acontecia, olhei à volta para os altos-relevos e as pinturas com o tal brilho eclético dos plásticos, o que me seduz muitas vezes são as palavras desenhadas em mandarim, e olhando-as traço a traço, invento traduções rocambolescas, pois só cada uma dá pano para mangas.
   Ponho-me a observar, comedidamente é claro, a empregada chinesa bem acompanhada pela luz morna do local, fininha, impávida, e tentei adivinhar-lhe algo de dentro dela mesmo, para além da epidérmica empatia já demonstrada.
     Não estava a ser fácil chegar a tais portos...
     O café e o respetivo anexo chegaram, a pikena estava por aqui há 1 ano, respondeu-me, com o seu ar naturalmente aprumado, já arranha o português do cardápio e até um pouco mais e, mais uma vez, aquela incerteza de eu a olhar, olhos nos olhos, e ela a espreitar-me sei lá de onde. Disse-lhe que era um antigo cliente da casa, perguntei-lhe onde parava a Rosa e ela disse algo de “Avero” (Aveiro?), acrescentei mais umas lérias oportunamente circunstanciais tentando prepará-la psicologicamente para me oferecer, por decisão própria se possível, o 2º saqué de rosas, que ao fim e ao cabo no tempo da Rosa era trigo limpo, ai que porra.
    E eu gosto deste “bagaço”, não sei bem se é pelo saqué em si e o seu efeito em mim, se é pelas rosas, pois eu amo todas as flores, a naturalidade com que entram em nós, eu amo as suas cores, eu amo os aromas, as suas elegâncias, os silêncios, as sombras, a permanente entrega aos outros e a si próprias, Oh! como eu amo as flores. Sempre tão tranquilas sempre à mão de semear de qualquer mão amiga ou matreira, eu amo despudoradamente estas criaturas de deus, que não se cansam de me ensinar coisas acerca das artes e da vida.
    Entretanto dediquei-me ao café e ao tal néctar, que acontece em cálices pequenos, rendilhados com dragões a fumegarem linhas curvas, e eis a piada da primeira descoberta: quando a coisa está cheia, a gente ao beber o primeiro gole repara que lá no fundo está uma sr.ª toda descascada numa pose abertamente descarada e a gente olha e das duas uma, ou ficamos enlevados eternamente por caminhos lúbricos & afins ou então continuamos a bebericar, pois em princípio é este o objetivo do ato, enquanto a provocação se vai diluindo no fundo vazio do olhar, até desaparecer de todo.
 
 
    Bá-lá, entretanto a música? suave & calma, obrigava o maralhal ali presente, demasiado próximo ao meu território, a amainar a algazarra com que tinha entrado, o que eu agradeci muda e convictamente aos músicos chineses, aos deuses chineses e também portugueses e a tudo o que ocasionalmente tinha contribuído para tal. Cansado de vislumbrear, pedi a conta, que remédio, com um gesto arredondado de uma só mão (mas ainda com umas ténues esperanças do que seria provável acontecer-me) e o tal saqué de borla Lá Surgiu, meticulosamente colocado ao lado do raio da conta. Enfim, vale mais tarde do que nunca, e rejubilei saborosamente por ter reavido tal privilégio, atirando o último trago goela abaixo e sentindo-me deliciado com o fogo que se extinguiu melodiosamente pelo corpo todo.
    Com tais sortilégios acontecidos, saí para a rua bem senhor de mim mesmo e do meu destino, fogueei 1 cigarro no meio da noite e algumas estrelas permitidas pela névoa citadina deixaram-me que tal acontecesse: neste antro insano de concorrências, foi milagre!
 
 
 
 
( Porto. Portugal )


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