José Alberto Mar. Com tecnologia do Blogger.

25.5.18

Sinetes Lunares



à-volta era um lugar que, mal entrámos, se tornou ausente. Talvez houvesse um espaço, um tempo, quatro olhos duas pontes ambas para lá ambas para cá, sobre algo circular o tampo de mármore da mesa onde as palavras caiam finitas e havia estrelas a rebentarem sozinhas no desamparo dos dedos quando se tocavam. Bailando, bailando os  dedos finos uma alma sensível no fim das hastes, re/parei.

As gaivotas vinham açoitadas pelo mar sem pescadores e abriam os espaços altos à procura. Eram sombras nos intervalos apanhadas por acasos, quando olhava de soslaio pelas vidraças húmidas do café, já não eram. Ambos num fogo acontecido apesar de (não) darmos por ele. À-volta, mais uma vez, havia os outros longínquas sombras, e em pouco tempo, nem sombras. Por dentro aconteciam metafóricos medronhos nos seus etílicos desejos de serem mais -  do laranja ao ouro – algo que só na altura sentia ou sabia, crescia para cima & para baixo como nas plantas a seiva, nas galáxias as luzes vagabundas.

Agora vejo como fui vago nessa travessia.  Luz dos teus olhos bebiam a minha sede. E, era uma sede demasiado. Devia ter-te deixado viajar mais para dentro. Ensaiar-me nas danças do silêncio que fazemos para que aconteçam, expô-las desocupado. Escutar-te nos teus altares. Aguardar o fino ouro do teu mistério.


(J. A. M. )

17.5.18

Selfie

Foto: J. A. M.























Conceito da obra: adaptação ao mundo da "pós-verdade".

7.5.18

onde o Sol é mais perto



Às vezes pego no bloco. Pego na caneta. Fico assim horas a fio a olhar para o a noite do céu, depois a incerta altura, desço
o olhar

1 pirilampo aqui outro acolá na espessura da noite por detrás da sebe deste jardim há um chaparro com ramos ainda pouco rugosos onde a cortiça respira e cresce sem darmos por isso e as folhas todas juntas formam uma cabeleira que estremece & dança, muito espaçadamente, com a aragem que sopra dos lados do mar enquanto o algodão dos álamos dança no ar e uma sisão algures espalha as pautas.

De repente, a chuva parou.
Gotas de água escorrem de folha em folha e depois apagam-se no chão onde as raízes das plantas absortas se abrem ao desejo da sede. E as folhas cintilam sob o peso da luz que desce dos candeeiros. E são belas assim, nos seus verdes flamejantes contra as obscuridades à volta. Na superfície azulada de um pequeno lago provisório, estranhamente ondulado, está a lua estampadamente enorme.



( Algarve. Rascunho Nº218)
Foto: j. a. m.

25.4.18

Poema em saldo Nº 25



uma data que regressa
transparente à cabeça um sino
pendular nas cavernas do corpo
e então escrevê-lo é abrir as potências
do sangue, dos pés até à raiz
dos cabelos, deixar crescer
a vida circular dos dias
pelo silêncio poderoso
se fundamenta um olhar
um sonho uma estátua invisível
dentro da memória
ordena-se o esquecimento
mantendo sempre a respiração do Mundo
entre muitos e muitos horizontes.



( 1998)

12.3.18

HÁ GENTE QUE MANDA NA GENTE SÓ PARA SE SENTIR GENTE




há “gente” que só manda na gente para se sentir gente. Eu, cá pra mim, não gosto dessa “gente”. Prefiro, de longe, a gente que gosta da gente, sem lhe apetecer mandar na gente. Pois, essa “gente” que só gosta de mandar em toda a outra gente para se julgar gente, cá pra mim, não são gente mesmo. Porque se essa “gente” fosse realmente gente, entendia claramente que não é necessário haver gente-por-cima & gente-por-baixo, dado que toda a gente nasce despida e toda a gente vai desta para melhor, vestida por outra gente.
Mas, porque é que o raio que os parta dessa “gente” que continua a mandar em toda a outra gente, não começa por saber mandar neles próprios, para se tornarem verdadeiramente gente? Essa “gente” é mentecapta, idiota, inteligentes sem dúvida só que têm a inteligência ao serviço da estupidez, têm a esperteza do tamanho da astúcia, são inequivocamente infelizes, intranquilos, sem paz por dentro, desalmados até, mas que culpa tem a gente disso?  embora essa “gente” nos castigue continuadamente por isso. “Gente” deste & daquele ramo desta árvore putrefacta, crentes disto & daquilo, governantes grandes & governantes pequenininhos, lá vê a gente, aquela outra “gente” a escravizar, a ignorar, a enganar & a roubar a gente.

Claro que também há gente que se deixa mandar bem por essa “gente”, e então só é gente assim-assim, entre os 2 lados das gentes. Nesta coisa de haver gentes, “ser ou não ser é mesmo a questão “, pois não há meias-gentes, propriamente dito.
etc.




( Rascunho Nº 287.2005)