José Alberto Mar. Com tecnologia do Blogger.

25.7.23

imagem com muitas palavras

 

Pintura: J. A. M.


(1ª dose)


Uma mulher contra um muro. Encostada ao de leve, como quem ampara algo sem nome e prende à sua frente a sombra que a desafia.
Olhando para o chão. Um lugar que não se vê, porque é evidente espelhado nos olhos, que este ser consente no rosto inclinado.
Será o subterrâneo medo de estar viva ou o seu natural segredo de ser mulher, exposto a este mundo assim?


(2ª dose)


(...) Esta é uma outra mulher, mais madura que exalta o seu corpo com um propósito evidente.
Por detrás dela, há um pano de tenda com formas e cores aliciantes e escuras.
- Serão as suas memórias?
O seu espírito torna-se mais branco, na evidência da luz diurna que cai sobre ela.

 

(3ª dose)


(...) Outra mulher deitada com um ar de sofá cómodo e a olhar abertamente para quem a vê. Nada tem a perder.
Mas, para quem a olha demorosamente, há no seu olhar algo de enigma que não é criado para o momento e é o que fica.
Ligando-a realmente à vida.
Repousa ali inteira no seu corpo, mas o seu ser humano é longe e é sempre mais.


(J.A.M. ~ Julho-2010)


11.7.23

COM UM FIO-DE-PRUMO A NOITE

As Artes da Borboleta. J. A. M.

 

Como um fio-de-prumo a noite encimada em tudo
e por dentro uma voz insidiosa e duradoira
o ouro breve dos momentos
atravessa a escuridão com a velocidade dos átomos do Mundo.


 
Também há o universo aceso para todos os lados e os candelabros
dos nossos pensamentos são fagulhas que no ar se cruzam & entrelaçam
e enlaçam as substâncias que unem os presságios das vidas.


 
Tudo tem um propósito errante e nenhuma voz cabe dentro
de todas as línguas faladas, fadadas, caladas da Terra.


( J.A.M.)



3.7.23

EXPOSIÇÂO INDIVIDUAL


 

“Visões de um Viajante”

 

      “Visões de um viajante” é um título que imprime a esta exposição uma dupla vertente: a do caminho, o percurso já longo de José Alberto Mar, e da inovação, que se propõe como visão artística de forte pendor poético e universal.

       Assim, reencontramos o alfabeto iconográfico, já tão característico do pintor, enraizado em arquétipos universais, num fluxo hermenêutico partilhado através de uma dimensão subconsciente e aberto à revelação da vida e à sua celebração. Tudo isto moldado pelo cunho do artista, o seu estilo inconfundível que confere ao conjunto da sua obra uma identidade única.

        Além disso, a obra de José Alberto Mar proporciona-nos uma projeção visionária para outros mundos e universos numa arte que já foi vista, nas palavras de Michael Iva, como *”Arte Futura, no seu melhor. (…) única e futurística” (*). E acrescenta: “A arte do futuro vive hoje.”. Pois sim, não só porque dos seus títulos poéticos, diríamos do artista visual e escritor poeta, reverberam esses ecos que se abrem à interpretação do visitante, numa dimensão simbólica, mas igualmente porque nela reconhecemos os aportes das novas descobertas científicas e novos paradigmas reveladores da incansável pesquisa ontológica do artista inquiridor.

        Em suma, o fulgor do presente e o apelo do futuro confluem na arte de José Alberto Mar em que o belo, conscientemente, protagoniza um diálogo profundo e aberto com o observador e o porvir.

 

“Future Art, at it's finest .Your art is so unique and futuristic. Future art lives today.”
(Michael Iva - Chicago, U.S.A.-2020)

 

 

 

- in, Catálogo. Sofia Moraes,27-06-2023 -

 

30.6.23

SOMBRAS ACORDADAS

 

Pintura: J. A. M.

 

(ao Victor Mendes)

 

Está um dia quente e quanto ao resto é indefinito. Podi tchobi! ...óh podi ca tchobi! ...Deus qui sabi? (1)
Estou sentado na varanda do meu quarto na Residencial Sol Atlântico, com um padjinha(2) amornecido entre os dedos e a pastar o olhar pelo murmurinho geral.
Uma negrinha aí pelos 3 anos brinca na Praça Alexandre de Albuquerque com uma boneca, enquanto a mãe sentada por detrás de uma tendinha, olha à volta como se nem esperasse cliente. Tem à venda rebuçados chocolates amendoins tabaco fósforos, coisas claramente várias & agrupadas numa ordem naturalmente colorida.
Aproximei-me da circunstância e pedi à Sr.ª um pedaço de rapé que embrulhou muito delicadamente num pedaço de jornal, kela é kantu?(3) Ela lá disse com um sorriso morabi(4) enquanto eu continuava atento à menina toda entretida a pentear com os seus próprios dedos, os longos cabelos loiros da barby, comprada com certeza numa das muitas lojas dos chineses por aqui.
De repente, olhou-me e demorou-se como quem se dá conta de um rosto com a pele igual à do seu bebé. Apeteceu-me dizer-lhe algo, mas para além do sorriso cúmplice e desairoso as palavras ficaram-me embarcadas na garganta. O que que eu lhe poderia dizer acerca das infindáveis cores deste mundo e dos homens que separam & dividem tudo?
Ajoelhei-me até aos seus olhos límpidos de todo, peguei-lhe nas mãos juntas, dei-lhe um beijo sentido na testa e senti-me perdoado.
 
 
Quando me voltei, tinha os olhos marejados, creio que pela penumbra densa do nevoeiro que descia, inclinei-me para a rua 5 de Julho em direção à “Gruta” (5) do Neilito, enquanto a noite se instalava na cidade pareceu-me ouvir o eco dos ritmos de um pilão(6) celestial, algures. Os sons acompanharam-me até ao final do jantar e levaram-me pela noite adiante onde, mais uma vez, me deixei perder pelos caminhos de deus, entre estrelas descidas luas abundantes e várias pessoas que se tornaram amigas pelas naturais leis das luzes.

 
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(1)  “Talvez vá chover, talvez não, só Deus sabe.” (crioulo do Sotavento).
        (2)    Cigarro de erva medicinal, elaborado manualmente.
(3)   “Quanto custa?” (crioulo do Sotavento).
(4)   “Amável, afável, atencioso(a), delicado(a), gentil, simpático(a)”. A morabeza é tida pelos cabo-verdianos como algo difícil de traduzir (como a palavra saudade em português) e exprime um sentimento tipicamente cabo-verdiano, análogo à osprindadi na Guiné-Bissau.
(5)   Tasca.
(6)   Utensílio feito de madeira, idêntico ao almofariz, com uma altura média de 60 cm, utilizado para moer alimentos com um pau de madeira mais rija, e com a extremidade arredondada (mão do pilão).


 (Cidade da Praia. Ilha de Santiago. Cabo Verde)


- in, o Livro "lusófono" O OURO BREVE DOS DIAS ". Autor: J. A. M. -


26.6.23

encontros

 

Pintura: J. A. M.


deixo que as tuas mãos se aproximem
entre a concha das minhas
múltiplas mãos
abro-te as minhas portas
onde o teu jardim entra inteiro.


( J.A.M.)

18.6.23

Divagação em Gaibu

Pintura. J. A. M.

 
A varanda é branca com o sol estampado ainda por cima e ao lado há o azul-cobalto das águas do mar e do outro, as muitas árvores da Mata Atlântica emaranhadas nos seus verdes a erguerem uma montanha até à beleza de um imenso céu, onde muitos pássaros coloridos até nos sons que espalham me esquecem nos seus voos
e só muito tempo depois, felizmente
acabo por cair em mim.
 
Aqui ao lado, as folhas das palmeiras continuam penteando a aragem que corre atrás de si e por vezes alarga-se até à mesa e leva-me as outras folhas as palavras, o que me importa?
Na rua as pessoas passeiam-se devagar no meio do tempo. Saboreiam os encontros, param aqui e acolá, trocam poucas frases, poucos gestos, coisas simples, como um sorriso cúmplice na caminhada, já é Tanto!
1 pescador idoso, de boné ainda vermelho e corpo fechado, está esquecido ou estará a lembrar-se, a olharolhar o mar como se lesse um texto.
 
 
Há em tudo uma paz impossível aproximando-se provavelmente a um sopro distraído de deus no meu olhar.
 

 

(Gaibu. Estado de Pernambuco. Brasil.)


- in, O OURO BREVE DOS DIAS -

(  Livro de Contos "lusófonos". Autor:  José Alberto Mar)

14.6.23

Palavras, palavras, por vezes

 

Pintura: "O Sol no Coração". J. A. M.


Palavras, palavras, por vezes cansado das palavras fico completamente à escuta, vazio por dentro, parado, virado para fora. Como se o meu corpo fosse uma harpa aberta aos sons que passam. E então há um outro sol a cobrir as formas do Mundo, o grandioso coração do Universo começa a bater como um pêndulo maduro, a água no corpo a murmurar lá no fundo como nos oceanos e a beleza epidérmica das coisas à volta aparece sem nomes, a vida total continua a transformar-se sem eira nem beira.

E então, vejo que nada em mim é o que sei e sinto, nada em mim é apenas uma ilha a desenhar horizontes de palavras, letras que se juntam para criarem um círculo um entendimento, nada disto tudo faz sentido, sem a Luz e a vastidão da Terra com sementes e as flores e as plantas e as árvores e os frutos e as aves e as pessoas, as pessoas a encherem-nos os dias e as noites.

 

 (Ilhas Desertas. Madeira. Portugal)

 

in, O Ouro Breve dos Dias.

 

J.A.M.


5.6.23

uma doença de sombras

 

Foto: J. A. M.


havia uma doença de sombras. Entranhadas no ar, nos ritmos dos dias, nas pessoas que deambulavam entre estes.
Mas as sombras eram como todas as sombras:  germinadas por uma luz. Esta luz era cega, distante, não se via. Apenas alguns a pressentiam. Por dentro, era por dentro que novas sementes germinavam e quando cresciam o suficiente toldavam os olhares. E algumas pessoas começavam a ver novas flores que as outras não viam, pois havia uma doença de sombras.

Entre a vida e estes dias sonâmbulos instava-se um esquecido tempo sem nomes verdadeiros ou com demasiados nomes. Aparências. Muitas notícias em algazarra. Sinais para as pessoas se ampararem.
Alguns mais desesperados matavam-se. Outros resignavam-se, á espera. A morte, apesar de sempre presente, disfarçava-se de esquecimento. Andava-se de um lado para outro, através de distrações perenes. No fundo, ninguém se via nem via os outros, porque havia uma doença de sombras. No entanto, alguns vislumbravam o que parecia ser natural. Falavam destes tempos de mudanças, sem ninguém os escutar. Acomodavam-se num silêncio de ouro que crescia somente para eles. Aparentemente. Outros ainda gritavam sem ecos. Aparentemente, pois tudo era um vasto Mundo cada vez mais ligado.



( J.A.M.)


1.6.23

Já fui ao Paraíso


 

Há coisas do diabo. Já fui ao paraíso.
E voltei.
Estava já quase acordado no meu quarto do Hotel Europa, quando a Ana e a Joyce abriram a porta em leque cheias de sorrisos floridos e me convidaram para dar um passeio pelas franjas de Gaibu. Lá me levantei um tanto ou quanto aturdido pelas caipirinhas da noitada anterior, mas depois de beber o coco fresco que me atiraram de chofre fiquei logo fino, vesti a t-shirt e os calções de sempre e lá fomos, que nem 1 trio harmonia pelo dia adiante.
Passámos pelas ruínas do Forte São Francisco Xavier, eram pedras amontoadas por ali pelas leis do acaso e com alguma parcimónia sobrava a placa, livrei-me das alpercatas (1) na linda praia de Calhetas, onde vi ondas debruçadas sobre a própria espuma fresca nos meus pés, depois de serem verde-esmeralda e azul-turquesa, e também vi uma foto do jovem Eusébio no bar lá do sítio, ao lado de N ilustres que por ali tinham po(u)sado algures, ao longo dos seus destinos.
Depois continuámos a caminhar por entre árvores (2), plantas e flores de muitas cores e aromas vários, até que a incerta altura num morro inesperado e cheio de um céu azulmuitoazul, vi uma tabuleta tosca de madeira com a palavra: “PARAÍSO”.
As minhas companheiras apanharam o meu ar aparvalhado e eu apanhei-as a sorrirem apenas cúmplices.
 
O que havia a dizer?
 
Lá descemos entretidos com os pés de cada um, a saltitarem de pedra em pedra, até desembocarmos numa espécie de praia com a água muito transparente e a areia prateada pelo pôr-do-sol que se diluía pelas águas até ao esquecimento.
Sentámo-nos a olhar e a escutar o mundo à volta através daquele ponto de vista, dentro do ponto de vista de cada um e os três juntos com as 6 vistas desarmadas, despidas, deliradas.
Já não sei, e pouco me importa, o tempo (o tempo?...) que poisámos ali, a respirar aquele lugar tão belo e simples irrealmente em tudo. Lembro-me vagamente que as palavras eram coisas a mais e a ninguém lhe passou pela cabeça falar de tal assunto.
 
Quando regressámos a Gaibu, numa camioneta que ainda circulava, já lá estava instalada uma noite claramente aberta à nossa festa.
 
 
 
(1) Sandálias de couro.
(2) Manacás, mulungas, ipês, com as suas flores de ouro, algumas das muitas árvores ainda existentes e caraterísticas da Mata Atlântica no local.



( in, O OURO BREVE DOS DIAS, pág. 10)

28.5.23

( aos leitores)

Foto trabalhada. J.A.M.

 
Entre tantos arquipélagos
eis a sombra da espera
enquanto as minhas âncoras acendem
as raízes do mar por onde indago
o céu & a terra
e este sentimento obscuro e fundo
que me entrelaça a ti.

25.5.23

tudoestáligado

Pintura: J. A. M.


abre-se uma porta
abre-se uma janela
abre-se a alma
quando a casa está vazia
e entro descalço com os pés no chão
da Terra
a pródiga energia que volteia
os corpos e as águas fundas
de todos os oceanos: o que sou
cresce como uma árvore
e o tempo e as formas em tudo
são sonhos que sonham
ter asas.


( 1º rascunho.4-03-2023)

21.5.23

Imagens do lançamento do livro de contos: O OURO BREVE DOS DIAS.

(contos escritos em Portugal, Cabo Verde e Brasil).

Apresentação do poeta narrador: Thomas Bakk.









(Evento integrado na Exposição de Artes Visuais, SOMBRAS DE UM FAROL~SHADOWS OF A LIGHTHOUSE)


Local: Espaço QuadaSoltas

Rua de Tânger, Nº1281-4150-721, Porto

E-mail: quadrasoltas@gmail.com .Tel.965 637 472.

 

18.5.23

Estrelas Apagadas

 “ Cego do Maio"(1817 - 1884Póvoa de Varzim.  Foto: J. A. M.

    
     Já a noite tinha sido iniciada, os pescadores juntos sentados calados curvados olhavam presos por um fio emaranhado de leves e ondulantes pensamentos o horizonte, como quem lia 1 texto antigo.
    Entretanto as nuvens de um lado para o outro, fragmentariamente orquestradas pelo seu próprio destino, lá iam impavidamente diferentes. Nada se cruzava e tudo estava ligado.
     Os barcos continuavam a baloiçar o cais. O mar sempre estivera ali como se fosse eterno. Como um eco longínquo que ainda perdura pelo poder dos olhares de muitas gerações.
    E os pescadores aguardavam como quem espera e também não, a hora da partida. Em casa os filhotes mais novatos choramingavam por comidas diferentes e as mães afagavam-lhes os cabelos, com um sorriso esboçado junto ao aconchego do útero.
 
    Os pescadores, disse-me um dia um amigo vagabundo nas viagens, viraram estátuas fixas e ali estancaram para o gáudio dos turistas que acudiam aos magotes e as crianças agora pediam moedinhas com uma vida inteira moribunda nos olhares.
 
 
(Póvoa do Varzim. Portugal)


 
P.S. Texto do Livro de Contos,  escritos em Portugal, Cabo Verde e Brasil: O Ouro Breve dos Dias”. (2021)


 

 ( J. A. M.)

 

17.5.23

Lançamento do livro de contos: O OURO BREVE DOS DIAS (escritos em Portugal, Cabo Verde e Brasil).

 


Apresentação do poeta narrador: Thomas Bakk.

(Evento integrado na Exposição de Artes Visuais, SOMBRAS DE UM FAROL~SHADOWS OF A LIGHTHOUSE)


                                              Dia 20 de Maio, às 16 h.

Local: Espaço QuadaSoltas
Rua de Tânger, Nº1281-4150-721, Porto
E-mail: quadrasoltas@gmail.com .Tel.965 637 472.

 

Bibliografia poética anterior:

 

- O Triângulo de Ouro (Prémio Revelação de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores – 1987), Editora Justiça e Paz, Porto, 1988.
 
- As Mãos e as Margens, Editora Limiar, Porto, 1991.
 
- A Primeira Imagem, Editora “Sol XXI” – Lisboa, 1998.