“ Cego do Maio"(1817 - 1884) Póvoa de Varzim. Foto: J. A. M.
Já a noite tinha sido iniciada, os pescadores juntos
sentados calados curvados olhavam presos por um fio emaranhado de leves e
ondulantes pensamentos o horizonte, como quem lia 1 texto antigo.
Entretanto as nuvens de um lado para o outro,
fragmentariamente orquestradas pelo seu próprio destino, lá iam impavidamente
diferentes. Nada se cruzava e tudo estava ligado.
Os barcos continuavam a baloiçar o cais. O mar sempre
estivera ali como se fosse eterno. Como um eco longínquo que ainda perdura pelo
poder dos olhares de muitas gerações.
E os pescadores aguardavam como quem espera e também não, a
hora da partida. Em casa os filhotes mais novatos choramingavam por comidas
diferentes e as mães afagavam-lhes os cabelos, com um sorriso esboçado junto ao
aconchego do útero.
Os pescadores, disse-me um dia um amigo vagabundo nas
viagens, viraram estátuas fixas e ali estancaram para o gáudio dos turistas que
acudiam aos magotes e as crianças agora pediam moedinhas com uma vida inteira
moribunda nos olhares.
(Póvoa do Varzim. Portugal)
P.S. Texto do Livro de Contos, escritos em Portugal, Cabo Verde e Brasil: O Ouro Breve dos Dias”. (2021)
( J. A. M.)
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