Arrastava mais um pé do que o outro e eu reparei no seu ar luminoso abrir airosamente a noite. Ia a passar perto do meu lugar e eu senti logo que podíamos trocar algumas luzes. Convidei-o a sentar-se ali, por baixo da grande árvore nocturna. Vi o seu olhar inclinado para o meu copo e perguntei-lhe o que bebia. Não tardou a abrirem-se as nossas portas, uma de cada vez e cada uma no seu lugar mais claro e íntimo. Era um poeta e eu disse-lhe que também era um aprendiz de poeta. (Ele lembrou-se deste pormenor passado uns dias, quando à sombra de outra árvore mais diurna, voltámos a trocar meia-dúzia de luzes pessoais.)
Ele arrastava uma perna quando andava, mas falava sem arrastar nenhuma das suas asas. Aí, ele crescia em voos cheios de altura e distância e às vezes, descia um pouco, para recitar um poema seu que parecia ler no meu rosto. Eram sempre feitos de simplicidade e profunda lonjura e eu ficava mais pequeno a escutá-lo e a vê-lo com todo o orgulho do mundo, pois já éramos amigos.
Hoje, imagino-o a levantar a noite da sua ilha, livre como sempre, feliz e a cantar alegremente toda a escuridão que há na sua vida de poeta.