José Alberto Mar. Com tecnologia do Blogger.

4.4.10

Por uma Unha Negra


Foi um tempo obscuro, escuro, mesmo negro. Atravessei-o com a juventude alarmada pelo corpo e todos os mundos que podia a encherem-me a alma até às flores da pele pintadas com muitas cores.

Saía das casas para fora, á procura de mais dias e mais noites umas a seguir às outras, como primaveras vivas devoradas com muitas flores a saltarem pela boca, pelos olhos, pelo corpo inteiro e esburacado.

Por vezes, pensava que estava à beira da loucura, e então abrigava-me nos cantos do silêncio, à espera de escutar o fio tremeluzente da minha voz mais íntima. Escutava-o, aprumava-me, desenhava meia-dúzia de âncoras e depois voltava a soltar-me.

Conheci, gente, pessoas, corpos habitados por alguém, outros nem por isso, cheguei a conhecer os mortos que continuam por aí, de um lado para o outro, como imagens atrapalhadas adiarem sei lá o quê. Também, confesso, cheguei a ser tocado por alguns seres humanos, que me deram minúsculas estrelas duradoiras, muitas vezes sem eu dar por isso. Ainda hoje as guardo, como pedras preciosas soltas entre os seixos das minhas praias.

Foi um tempo de procuras, em que atravessei pontes e pontes e nem sequer as via, nem os rios que iam felizmente suicidas para os seus mares, nem os lugares de um lado e do outro, por onde cumpria o meu destino possuído pela dourada cegueira da juventude e por todos os copos de veneno que encontrava.

Vi assim, alguns amigos caírem para dentro de uma luz que nunca mais os largou, foram, sem se despedirem de ninguém, sozinhos para muito longe e nuncanunca mais.

Após, muitas paisagens, comecei a ver que tudo á minha volta era uma imagem que se soltava de dentro de mim, onde eu não era chamado para o caso, nem propriamente ninguém, mas, no fim de contas, todos estávamos lá: pessoas, mundo, vida, animais, plantas, pedras e todos os universos que existem.

Comecei a olhar para ver a luz, a luz claramente acesa, a primeira que vem de dentro das pessoas e das coisas.

Descobri um centro que não é centro nenhum, apenas me desloco despido e nu por dentro, de centro em centro na mapa circular da minha idade.

Sempre, com o deus presente de tudo á minha volta e o amor íntimo e distante por tudo o que acontece em mim.


(2006/2010)

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