5.7.16
27.6.16
( MAURO, O Poeta da Ilha)
Arrastava mais
um pé do que outro e eu reparei no seu ar luminoso abrir airosamente a noite.
Ia a passar perto do meu lugar e eu senti que podíamos trocar algumas luzes.
Convidei-o a sentar-se ali, por baixo da grande árvore nocturna. Vi o seu olhar
inclinado para o meu copo e perguntei-lhe o que bebia. Não tardou a abrirem-se
as nossas portas, uma de cada vez e cada uma no seu lugar mais claro e íntimo.
Sem correntes de ar ruidosas pelo meio.
Era um poeta e eu disse-lhe que também era um
aprendiz de poeta. (Ele lembrou-se deste pormenor passado uns dias, quando à
sombra de outra árvore mais diurna, voltámos a trocar meia-dúzia de luzes
pessoais.)
Ele arrastava
uma perna quando andava, mas falava sem arrastar nenhuma das suas asas. Aí, ele
crescia em voos cheios de altura e distância e às vezes, descia um pouco, para
recitar um poema seu, que parecia ler no meu rosto. Eram sempre feitos de
simplicidade e lonjura e eu ficava mais pequeno e escutá-lo e a olhá-lo com
todo o orgulho do mundo, pois já éramos amigos.
Hoje, vejo-o a
levantar a noite da sua ilha, livre como sempre, feliz e a cantar alegremente
toda a escuridão que há na sua vida de poeta.
20.6.16
17.6.16
estremece a estrela que vive naturalmente
Estremece a estrela que vive naturalmente aberta
à escuridão
e nos 2 olhos cintila o véu do instante, a aparência maior
do que é superfície e aí se afoga
na multidão dos dias a vida deles é mecânica.
Vejo nos gestos o
silêncio amparado
pelo silêncio que aspiro, o lugar onde
qualquer semente pensa
sonhando com tudo
pois nada do que é fruto
acontece sozinho.
pelo silêncio que aspiro, o lugar onde
qualquer semente pensa
sonhando com tudo
pois nada do que é fruto
acontece sozinho.
(Set.-2009)
mas porque é que cresce a mão para a palavra?
Há o sol, as matérias primas
dentro do sangue
e há a noite recolhida, submersa
e ainda há as pessoas
e a vastidão da respiração
no coração
seio de idades invadidas por tantos rostos
e há pontos imprecisos em que somos quase
inteiros
e há o útero de tudo onde as vozes se instalam
mas só às portas exaltam os sons
nas palavras que agora escrevo
o olho do mundo dança-me na cabeça
ao sabor das luzes que giram
na alta nudez sem nome.
(Nov.2008)
11.4.16
rio preguiças
Um barco desliza nas águas ao de leve sonoras.
Enquanto a noite desce como um lençol suavemente escuro
apagando o rio, que era azul
e agora já é um espelho prateado deitado sobre o mundo.
Alongado pela vastidão que se recolhe nos olhos de quem só olha.
Há em tudo uma paz impossível, e eu vejo o teu rosto e tu pareces não ser.
Olho-te de novo, e tu olhas-me assim:
tão perto e tão longe, no fundo de mim, que me deixas mais nu.
Eu sei:
és aquela que me ama do fundo das águas
que agora nos unem.
Eu sou aquele que procura
e te dá o silêncio inteiro das minhas duas mãos nas tuas.
Pois, no fim desta escuridão
somos sempre sozinhos.
A partir de agora, entre nós
não haverá mais segredos.
Poema e foto de José Alberto Mar
- In, Colectânea "Os Dias do Amor". Pág. 304,
Editora Ministério dos Livros.2009
3.4.16
26.3.16
Cresce a mão para as palavras
dentro do sangue
e há a noite recolhida, submersa
e ainda há as pessoas
e a vastidão da respiração
no coração
seio de idades invadidas por tantos rostos
e há pontos imprecisos em que somos quase
inteiros
e há o útero de tudo onde as vozes se instalam
mas só às portas exaltam os sons
nas palavras que agora escrevo
o olho do mundo dança-me na cabeça
ao sabor das luzes que giram
na alta nudez sem nome.
ao sabor das luzes que giram
na alta nudez sem nome.
(Nov.2008)
15.2.16
VOZES COMUNICANTES
Às pessoas nómadas nos corpos e nas almas
um beijo indelével no rosto ausente
intervalo onde tocamos juntos
a íntima diferença no único coração das coisas.
Sobre as minúsculas ciências dos homens
pousamos a luz urgente de outros olhos
desce sobre nós
a lucidez dos universos vivos.
(in, O Triângulo de Ouro - Editora Justiça e Paz.1988)
- Prémio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores.1987
28.1.16
14.1.16
E, No Entanto Há uma Luz
e, no entanto
há uma luz
poisada no centro
do seu vivo silêncio de ser
só uma luz
Aberta
para fora
de si.
- como se um pássaro esquecesse no voo
o peso das suas asas.
- como se a memória fosse uma trave antiga
na casa estagnado dos hábitos.
- como se, algo te dissesse e fosse uma voz
derradeira no cálice mais translúcido do corpo
onde o som maduro do silêncio
te chama - em chamas - verdadeiras na cor
e tu estás longe ou perto nos olhos
divagados em ti.
E então, nem o ouro
nem a prata
porque há-de uma vida luzir?
28-Set.2007
5.1.16
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