homenagem à "Palmeira Imperial". Habana ~ 2018 |
Nasci a 13 de
Maio, a uma sexta-feira, e o meu pai partiu para outro mundo num dia 14 de
Maio. Tenho a impressão, que apesar de moribundo, aguentou aquilo para, mais
uma vez, não me fazer qualquer desfeita. O meu pai era assim: sensível às pessoas
e muito atento ao seu filho. Também lhe agradeço este último gesto a selar toda
uma vida de dedicação e amor, como pai, amigo e ser humano.
Ontem, ás tantas
da noite, quando me bateram à porta tão tarde, fiquei um pouco interrogado. Ia de
braço em riste para o puxador, quando vejo o meu pai já dentro de casa, com o
seu ar circunspecto e um sorriso levemente matreiro de quem vê alguém com uma
cara de espanto sem solução á vista.”
Então Gé, como vai isso?” Falou-me no mesmo tom e com as mesmas palavras que
ouvi N vezes, como quem pergunta:” Então filho, como vai essa Vida”.” Tá indo bem” disse-lhe enquanto o
olhava nos olhos para confirmar o que dissera. Lembrei-me que muitas vezes,
quando ele estava deste lado, eu nem sempre era mesmo sincero, embora a resposta
fosse sempre igual. Mais tarde percebia que não o tinha convencido. Conhecia-me de ginjeira.
” Entre, sente-se ali no sofá. Toma alguma
coisa?”.
“Não, bem-hajas, agora não preciso de tomar
nada, mas vamos lá até ao sofá”. Sentámo-nos lado a lado, enquanto eu o
olhava de soslaio verificando que continuava com os seus gestos pousados a
reflectirem um sossego interior muito raro, nos dias que correm. A conversa
facilmente desembocou, como não poderia deixar de ser, para os lados da Vida e
da Morte. Demorámo-nos entre frases, sorrisos e jeitos só nossos de falar das
coisas que só as palavras permitem. Depois, quando o dia já se começava a
misturar na sala e a realidade daquilo tudo parecia demasiado e também já
sentíamos ter esgotado o que nos ia na alma, o meu pai, pôs-me uma mão no ombro
e levantou-se com um ar vagamente satisfeito, “pareces cansado, não estás a precisar de ir dormir?”. “É, acho que sim”, e levantei-me também
dando-lhe uma palmada afectuosa nas costas. Dirigi-me para a porta e quando me
voltei para nos despedirmos mesmo, eu estava ali sozinho.
(28.29-05-2006)