José Alberto Mar. Com tecnologia do Blogger.

4.5.21

~ 13ª folha de 1 diário perdido ~

Pintura: J. A. M. 

O mar tinha algumas ondas bravas. Todas acabavam por adormecer desaparecer nas mansas areias da praia. Também havia rochas grandes, pequenas e as outras. Tinham os mesmos lados molhados a brilharem ao sol que descia naturalmente para o outro lado do mundo.
Por vezes, bandos de gaivotas interrompiam o horizonte.
Junto aos nossos pés nus, seixos muitos estavam mais vivos com o sabor do sal e do sol.
E a música das ondas enchia o ar de sons que ardiam sem chamas nem fulgores.
Nós eramos apenas duas sombras divagadas, que tinham entrado por uma das portas destes momentos.


( Rascunho Nº 8)


 

30.4.21

~ hoje regressei ao Restaurante da Rosa ~

 


era uma porta vermelha

( preâmbulo )

 

    fui jantar ao chinês ali ao lado. A patroa, a Rosa, continua com o mesmo rosto que tinha há uns 10 anos, quando a conheci num outro restaurante ainda era empregada, continua com o mesmo corpo, até o jeito leve de cirandar por entre as mesas e aquele sorriso tão amplo como contido, que eu nunca cheguei mesmo até lá. Fascina-me esta mulher de tão longe, a modos que frágil e sempre tão atenta aos meus saqués. E depois venho-me embora a tentar desembrulhar-me daquele sorriso que vai comigo até outra coisa qualquer se atravessar no meu caminho.

 

era a mesma porta vermelha?

 

      Já há uns bons tempos que não ia a um restaurante chinês e então hoje, sei-lá-porquê, deu-me para ir ao Restaurante da Rosa, mas afinal a Rosa andava por outros jardins…                       
   Mal entrei, fui imediatamente recebido por uma jovem chinesinha que me abriu o espaço com uma larga simpatia que me surpreendeu. “isto já teve melhores dias”, pensei. Sentei-me, retribuindo q.b. a simpatia da menina com um sorriso repentinamente até sincero lá no fundo.
    Comi algo comestível, e o melhor foi a salada, mastiguei esquecidamente os vegetais que depeniquei na travessa, com o complemento direto de um Evel branco fresco e para enlaçar a coisa no fim: café e saqué de rosas. Enquanto o laço não acontecia, olhei à volta para os altos-relevos e as pinturas com o tal brilho eclético dos plásticos, o que me seduz muitas vezes são as palavras desenhadas em mandarim, e olhando-as traço a traço, invento traduções rocambolescas, pois só cada uma dá pano para mangas.
   Ponho-me a observar, comedidamente é claro, a empregada chinesa bem acompanhada pela luz morna do local, fininha, impávida, e tentei adivinhar-lhe algo de dentro dela mesmo, para além da epidérmica empatia já demonstrada.
     Não estava a ser fácil chegar a tais portos...
     O café e o respetivo anexo chegaram, a pikena estava por aqui há 1 ano, respondeu-me, com o seu ar naturalmente aprumado, já arranha o português do cardápio e até um pouco mais e, mais uma vez, aquela incerteza de eu a olhar, olhos nos olhos, e ela a espreitar-me sei lá de onde. Disse-lhe que era um antigo cliente da casa, perguntei-lhe onde parava a Rosa e ela disse algo de “Avero” (Aveiro?), acrescentei mais umas lérias oportunamente circunstanciais tentando prepará-la psicologicamente para me oferecer, por decisão própria se possível, o 2º saqué de rosas, que ao fim e ao cabo no tempo da Rosa era trigo limpo, ai que porra.
    E eu gosto deste “bagaço”, não sei bem se é pelo saqué em si e o seu efeito em mim, se é pelas rosas, pois eu amo todas as flores, a naturalidade com que entram em nós, eu amo as suas cores, eu amo os aromas, as suas elegâncias, os silêncios, as sombras, a permanente entrega aos outros e a si próprias, Oh! como eu amo as flores. Sempre tão tranquilas sempre à mão de semear de qualquer mão amiga ou matreira, eu amo despudoradamente estas criaturas de deus, que não se cansam de me ensinar coisas acerca das artes e da vida.
    Entretanto dediquei-me ao café e ao tal néctar, que acontece em cálices pequenos, rendilhados com dragões a fumegarem linhas curvas, e eis a piada da primeira descoberta: quando a coisa está cheia, a gente ao beber o primeiro gole repara que lá no fundo está uma sr.ª toda descascada numa pose abertamente descarada e a gente olha e das duas uma, ou ficamos enlevados eternamente por caminhos lúbricos & afins ou então continuamos a bebericar, pois em princípio é este o objetivo do ato, enquanto a provocação se vai diluindo no fundo vazio do olhar, até desaparecer de todo.
 
 
    Bá-lá, entretanto a música? suave & calma, obrigava o maralhal ali presente, demasiado próximo ao meu território, a amainar a algazarra com que tinha entrado, o que eu agradeci muda e convictamente aos músicos chineses, aos deuses chineses e também portugueses e a tudo o que ocasionalmente tinha contribuído para tal. Cansado de vislumbrear, pedi a conta, que remédio, com um gesto arredondado de uma só mão (mas ainda com umas ténues esperanças do que seria provável acontecer-me) e o tal saqué de borla Lá Surgiu, meticulosamente colocado ao lado do raio da conta. Enfim, vale mais tarde do que nunca, e rejubilei saborosamente por ter reavido tal privilégio, atirando o último trago goela abaixo e sentindo-me deliciado com o fogo que se extinguiu melodiosamente pelo corpo todo.
    Com tais sortilégios acontecidos, saí para a rua bem senhor de mim mesmo e do meu destino, fogueei 1 cigarro no meio da noite e algumas estrelas permitidas pela névoa citadina deixaram-me que tal acontecesse: neste antro insano de concorrências, foi milagre!
 
 
 
 
( Porto. Portugal )


25.4.21

( 25 de Abril de 2021 )

Imagem transformada. J.A. M. -2021

 

Poema em Saldo Nº25


Uma data que regressa sempre
transparente à cabeça
um sino pendular nas cavernas do corpo
e então escrevê-lo é abrir as potências
do sangue, dos pés até à raiz
dos cabelos, deixar crescer
a vida circular dos dias
pelo silêncio poderoso
se fundamenta um olhar
um sonho, uma estátua invisível
dentro da memória
ordena-se o esquecimento
mantendo sempre a respiração do Mundo
entre muitos e muitos horizontes.

 José Alberto Mar


 

- in, Blogue ABSORTO ( Publicado por Eduardo Graça, em 1999 )

http://absorto.blogspot.com/2014/04/poema-em-saldo-n-25-25-de-abril-40-anos.html

21.4.21

(encontro)

Pintura: J. A. M.











à-volta era um lugar que, mal entrámos, se tornou ausente. Talvez houvesse um espaço, um tempo, quatro olhos duas pontes comunicantes sobre algo circular o tampo de mármore da mesa onde as palavras caiam redondas, finitas e havia miríadas de estrelas a rebentarem no desamparo das mãos quando se tocavam. Bailando, bailando os dedos finos de uma alma sensível no fim das hastes, re/parei.

As gaivotas vinham açoitadas pelo mar sem pescadores e abriam lá fora os espaços altos à procura. Eram sombras nos intervalos apanhadas pelos acasos, quando olhava de soslaio pelas vidraças húmidas do café. Enquanto ambos estávamos num fogo adormecido apesar de darmos por ele.

À-volta havia os outros, longínquas sombras, e em poucos minutos nem sombras já aconteciam. Por dentro senti metafóricos desejos de serem mais, algo que só na altura sabia, cresciam para cima & para baixo como nas árvores a seiva, nas galáxias a luz.

Agora vejo como fui vago nessa travessia.  Luz dos teus olhos bebiam a minha sede. E, era uma sede viajada para dentro, ensaiada pelas danças do silêncio. Por onde perscrutava os teus altares aguardando vislumbrar o fino ouro do teu mistério.

 

 ( J. A. M. - Rascunho Nº 17)

 

11.4.21

Divaganção em Gaibu

    

    A varanda é branca com o sol estampado ainda por cima e ao lado há o azul-cobalto das águas do mar e do outro, as muitas árvores da Mata Atlântica emaranhadas nos seus verdes a erguerem uma montanha até à beleza de um imenso céu, onde muitos pássaros coloridos até nos sons que espalham me esquecem nos seus voos
    e só muito tempo depois, felizmente
    acabo por cair em mim.
 
    Aqui ao lado, as folhas das palmeiras continuam penteando a aragem que corre atrás de si e por vezes alarga-se até à mesa e leva-me as outras folhas as palavras, o que me importa?
    Na rua as pessoas passeiam-se devagar no meio do tempo. Saboreiam os encontros, param aqui e acolá, trocam poucas frases, poucos gestos, coisas simples, como um sorriso cúmplice na caminhada, já é Tanto!
    1 pescador idoso, de boné ainda vermelho e corpo fechado, está esquecido ou estará a lembrar-se, a olharolhar o mar como se lesse um texto.
 
    Há em tudo uma paz impossível aproximando-se provavelmente a um sopro distraído de deus no meu olhar.

 
 
 
(Gaibu. Estado Pernambuco. Brasil.)


 
in, Livro de Contos, "lusófono":  O Ouro Breve dos Dias .

~ ~ ~


( edição: São Paulo. Brasil.  2020. edição. Porto. Portugal.2021. Brevemente acessível ao público. Autor: José Alberto Mar )

9.4.21

~ 5 SÓIS ~

Pintura: J. A. M. 


“ Há mais coisas entre o céu e a terra
 do que pode imaginar a nossa vã filosofia”.


 ( William Shakespeare )



 

19.3.21

JÁ FUI AO PARAÍSO

A Céu Aberto. One Sky to You. (Autor: J. A. M. )












Há coisas do diabo. Já fui ao paraíso.
E voltei.
Estava já quase acordado no meu quarto do Hotel Europa, quando a Ana e a Joyce abriram a porta em leque cheias de sorrisos floridos e me convidaram para dar um passeio pelas franjas de Gaibu. Lá me levantei um tanto ou quanto aturdido pelas caipirinhas da noitada anterior, mas depois de beber o coco fresco que me atiraram de chofre fiquei logo fino, vesti a t-shirt e os calções de sempre e lá fomos, que nem 1 trio harmonia pelo dia adiante.
Passámos pelas ruínas do Forte São Francisco Xavier, eram pedras amontoadas por ali pelas leis do acaso e com alguma parcimónia sobrava a placa, livrei-me das alpercatas (1) na linda praia de Calhetas, onde vi ondas debruçadas sobre a própria espuma fresca nos meus pés, depois de serem verde-esmeralda e azul-turquesa, e também vi uma foto do jovem Eusébio no bar lá do sítio, ao lado de N ilustres que por ali tinham po(u)sado algures, ao longo dos seus destinos.
Depois continuámos a caminhar por entre árvores (2), plantas e flores de muitas cores e aromas vários, até que a incerta altura num morro inesperado e cheio de um céu azulmuitoazul, vi uma tabuleta tosca de madeira com a palavra: “PARAÍSO”.
As minhas companheiras apanharam o meu ar aparvalhado e eu apanhei-as a sorrirem apenas cúmplices.
 
O que havia a dizer?
 
Lá descemos entretidos com os pés de cada um, a saltitarem de pedra em pedra, até desembocarmos numa espécie de praia com a água muito transparente e a areia prateada pelo pôr-do-sol que se diluía pelas águas até ao esquecimento.
Sentámo-nos a olhar e a escutar o mundo à volta através daquele ponto de vista, dentro do ponto de vista de cada um e os três juntos com as 6 vistas desarmadas, despidas, deliradas.
Já não sei, e pouco me importa, o tempo (o tempo?...) que poisámos ali, a respirar aquele lugar tão belo e simples irrealmente em tudo. Lembro-me vagamente que as palavras eram coisas a mais e a ninguém lhe passou pela cabeça falar de tal assunto.
 
Quando regressámos a Gaibu, numa camioneta que ainda circulava, já lá estava instalada uma noite claramente aberta à nossa festa.
 
 
 
(1) Sandálias de couro.
(2) Manacás, mulungas, ipês, com as suas flores de ouro, algumas das muitas árvores ainda existentes e caraterísticas da Mata Atlântica no local.
 

 
(Gaibu. Estado de Pernambuco. Brasil)

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- in,  Livro de Contos " lusófono": O OURO BREVE DOS DIAS . 

16.3.21

2020 ~ 2021

( New Times. Video-Arte. Autor: J. A. M.)

 

Mudanças inesperadas, motivadas por um ser vivo (invisível a “olho nu”), têm motivado e forçado todo o Planeta e os seres humanos a novos questionamentos da realidade.


“Nada é permanente, excepto a mudança”

( Heráclito)

 

11.3.21

PALAVRAS, PALAVRAS, POR VEZES

Selfie. ( J. A. M. )

 















    Palavras, palavras, por vezes cansado das palavras fico completamente à escuta, vazio por dentro, parado, virado para fora. Como se o meu corpo fosse uma harpa aberta aos sons que passam. E então há um outro sol a cobrir as formas do Mundo, o grandioso coração do Universo começa a bater como um pêndulo maduro, a água no corpo a murmurar lá no fundo como nos oceanos e a beleza epidérmica das coisas à volta aparece sem nomes, a vida total continua a transformar-se sem eira nem beira.

     E então, vejo que nada em mim é o que sei e sinto, nada em mim é apenas uma ilha a desenhar horizontes de palavras, letras que se juntam para criarem um círculo um entendimento, nada disto tudo faz sentido, sem a Luz e a vastidão da Terra com sementes e as flores e as plantas e as árvores e os frutos e as aves e as pessoas, as pessoas a encherem-nos os dias e as noites.

 


( in, O OURO BREVE DOS DIAS)