|
Pintura. J. A. M. |
Conheci uma mulher num país distante,
era bela e serena e atravessava os dias, os meses, os anos com uma candura
sábia de quem sabe que um dia também iria morrer, como tudo o que está vivo.
No jardim, seu lugar preferido,
sentada num banco de madeira, cuja cor já não se sabia. Ocupava-se a olhar as
flores à volta com um vagar e o inverso de uma aparente displicência especial,
para mim inteiramente incógnita, até hoje. Às vezes olhava o horizonte, às
vezes levantava um pouco o rosto para o céu e aqui, era à noite que se demorava
mais.
Ao lado quase sempre um livro que a
brisa desfolhava quando calhava. Ela parecia ler no ar as palavras que,
entretanto, se evolavam das folhas. Parecia nunca usar as mãos e em vez dos
braços eu imaginava asas que nunca vislumbrei.
Nunca lhe perguntei nada acerca das
artes destes gestos tão silenciosos como as pedras que rodeavam os
canteiros. Houve alturas em que me viu olhá-la de longe parecia estar
sempre isolada, no entanto eu sentia uma levíssima sensação fresca e
inquietante do lado agradável das novidades.
Retrocedia para as minhas tarefas, o
pincel, o papel, os quadros, as cores do meu mundo.
De vez em quando, amávamo-nos através
dos corpos e parcas palavras. Adivinhávamo-nos através de olhares demorados que
continham tudo o que os nossos seres confirmavam.
Um
dia fui ao jardim, onde era o seu lugar e vi-a adormecida. Chamei pelo seu
nome, diminutivo que só ambos conhecíamos, toquei o seu rosto frio, mas apenas
vi as flores, todas as flores debruçadas sobre si próprias exalando aromas mais
intensos e os frutos maduros das poucas árvores a caírem um a um.
(J.A.M.)