José Alberto Mar. Com tecnologia do Blogger.

1.2.10

- a meu pai -


Nasci a 13 de Maio, a uma sexta-feira, e o meu pai partiu para outro mundo num dia 14 de Maio. Tenho a impressão, que apesar de moribundo, aguentou aquilo para, mais uma vez, não me fazer qualquer desfeita. O meu pai era assim: sensível às pessoas e muito atento ao seu filho. Também lhe agradeço este último gesto a selar toda uma vida de dedicação e amor, como pai, amigo e ser humano.

Ontem, às tantas da noite, quando me bateram á porta tão tarde, fiquei um pouco intrigado. Ia já de braço em riste para o puxador, quando vejo o meu pai já dentro de casa, com o seu ar circunspecto e um sorriso levemente matreiro de quem vê alguém com uma cara de espanto sem solução á vista.

-”Então Gé, como vai isso?”Falou-me no mesmo tom e com as mesmas palavras que ouvi N vezes, como quem pergunta:” Então filho, como vai essa Vida”.

-”Tá indo bem”, disse-lhe enquanto o olhava nos olhos para confirmar o que dissera. Lembrei-me que muitas vezes, quando ele estava deste lado, eu nem sempre era mesmo sincero, embora a resposta fosse sempre igual. Mais tarde percebia que não o tinha convencido. Conhecia-me de ginjeira.

-”Entre, sente-se ali no sofá. Toma alguma coisa?”.

-“Não, bem-hajas, agora não preciso de tomar nada, mas vamos lá até ao sofá”.

Sentámo-nos lado a lado, enquanto eu o olhava de soslaio verificando que continuava com os seus gestos pousados a reflectirem um sossego interior muito raro, nos dias que correm. A conversa facilmente desembocou, como não poderia deixar de ser, para os lados da Vida e da Morte. Demorámo-nos entre frases, sorrisos e silêncios só nossos a falar das coisas que só as palavras permitem. Depois, quando o dia já se começava a misturar na sala e a realidade daquilo tudo parecia demasiada e também já sentíamos ter esgotado o que nos ia na alma, o meu pai levantou-se, pôs-me uma mão no ombro e com um ar vagamente satisfeito, murmurou:

- “pareces cansado, não estás a precisar de ir dormir?”.

-“É, talvez sejam horas”, e levantei-me também dando-lhe uma palmada afectuosa nas costas. Dirigimo-nos para a porta que abri muito lentamente e quando me voltei para nos despedirmos com o abraço habitual de antigamente, eu estava ali, completamente sozinho.


(texto re+escrito. A 1/Fev./2010)

1 comentário:

  1. a isso chama-se saudade de quem já partiu para um mundo desconhecido e se calhar com mais paz.

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