Os lençóis negros da
noite desciam, tombavam, adormeciam colados uns aos outros, como as folhas das carnaubeiras [1] juntas
secas no chão.
Depois de várias voltas
por N ruas obscuras da cidade pareceu-me que era por aquelas bandas que a festa
começava a fervilhar. Num passeio de uma rua desamparada, encontrei um banco à
minha espera e pedi mesmo ali à Sr.ª da
roulotte uma cerveja bem gelada.
Recostei-me, costas com parede e vice-versa, e pus-me a pastar
vacarosamente o olhar à volta: havia de tudo o que era gente, jovens em
grupos soltos e felizmente assim, pessoas solitárias, alguns com ar de quem
procura desinspiradamente libertarem-se daquilo, outros já mais ancorados nas
suas derradeiras sortes, havia casais apaixonados que nem pássaros azurumbados havia
também mulheres de todas as cores e as mais belas prendiam-me o olhar por mais
tempo, e logo depois, desapareciam pelas portas dos vários bares de onde se
soltavam canções às molhadas e, de quando em quando, tudo aquilo fundia-se no
fundo mais profundo do meu ser e dava-me sede para mais uma cerveja.
A incerta altura, uma
menina sozinha por fora e por dentro aproximou-se de mim, de cerveja na mão e
sentou-se a meu lado. Depois continuou calada, ancorada e eu também não de
cerveja na mão. Encostou a sua tristeza desarmada no meu ombro abrigada e eu
comecei a cantar. As minhas canções eram peixes criados ali, para o seu mar. E
sem darmos por isso, pousámos os olhos nos olhos & começámos a beijar-nos. Já o seu fundo sereno tinha um outro olhar. E uma
paixão qualquer aconteceu naquele lugar.
Claro que o dia nasceu sem nos avisar.
(Jacaúna.
Estado do Ceará. Brasil)
Rascunho Nº 288.
[1]
Variedade de palmeira, com caraterísticas singulares, também conhecida pelo
povo como a “árvore da vida” e considerada o símbolo do Estado do Ceará.
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