José Alberto Mar. Com tecnologia do Blogger.

3.11.18

~ encontros do acaso ~





Os lençóis negros da noite desciam, tombavam, adormeciam colados uns aos outros, como as folhas das carnaubeiras [1] juntas secas no chão.
Depois de várias voltas por N ruas obscuras da cidade pareceu-me que era por aquelas bandas que a festa começava a fervilhar. Num passeio de uma rua desamparada, encontrei um banco à minha espera e pedi mesmo ali à Sr.ª da roulotte uma cerveja bem gelada.   Recostei-me, costas com parede e vice-versa, e pus-me a pastar vacarosamente  o olhar à volta:  havia de tudo o que era gente, jovens em grupos soltos e felizmente assim, pessoas solitárias, alguns com ar de quem procura desinspiradamente libertarem-se daquilo, outros já mais ancorados nas suas derradeiras sortes, havia casais apaixonados que nem pássaros azurumbados havia também mulheres de todas as cores e as mais belas prendiam-me o olhar por mais tempo, e logo depois, desapareciam pelas portas dos vários bares de onde se soltavam canções às molhadas e, de quando em quando, tudo aquilo fundia-se no fundo mais profundo do meu ser e dava-me sede para mais uma cerveja. 


A incerta altura, uma menina sozinha por fora e por dentro aproximou-se de mim, de cerveja na mão e sentou-se a meu lado. Depois continuou calada, ancorada e eu também não de cerveja na mão. Encostou a sua tristeza desarmada no meu ombro abrigada e eu comecei a cantar. As minhas canções eram peixes criados ali, para o seu mar. E sem darmos por isso, pousámos os olhos nos olhos & começámos a beijar-nos. Já o seu fundo sereno tinha um outro olhar. E uma paixão qualquer aconteceu naquele lugar.


Claro que o dia nasceu sem nos avisar.



 (Jacaúna. Estado do Ceará. Brasil) 

Rascunho Nº 288.



[1] Variedade de palmeira, com caraterísticas singulares, também conhecida pelo povo como a “árvore da vida” e considerada o símbolo do Estado do Ceará.

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