Uma mulher negra, com um olhar divagante,
coberta de panos amarelos sentada num banco de madeira pintado de verde, no
jardim da Praça. No banco ao lado um Sr. de camisa e calças vermelhas, estirado
num banco também verde à sombra de outra acácia ainda mais verde.O sino do relógio vai dando badaladas bem
compassadas ao ritmo do calor hoje mais abafado, será que vai haver tchuva?Passam mulheres e mulherzinhas agrupadas,
com as bundas arrebitadas todas janotas em direção à igreja já apinhada de
crentes para a missa domingueira. Espreito discretamente e parece-me haver ali
um fervor amornecido, uma entrega naturalmente física à devoção, neste caso
católica, mas a fé lá no fundo terá algum nº de porta?No jardim, um casalinho namora
espreguiçadamente num outro banco de cimento já sem cor. Ela deitada sobre o
colo ali à mão de semear e ele com as mãos dedilhadas no corpo da paixão. No
chão quente do dia as suas sombras estremecem sem eles darem por isso.
Evolam-se pelo ar formas de tesão & paixão, cores encarnadas vivas que até
acordam as flores sonolentas à-volta.
Volto a dar 1 longo passeio pelo Plateau (1),sem deixar de passar
pelo mercado onde as cores e os aromas levantam os sorrisos das vendedoras. E
volto ao lugar. A meu lado, encostado à fonte central com uns barulhinhos de
cascata, está um homem com o cachimbo adormecido na mão e um ar de quem já não
espera nada & também não se rala com isso. Talvez esteja em plena divagação
do seu ser, talvez seja mesmo o seu modo de estar, talvez a luz do seu olhar
esteja toda estancada no pequeno sol de dentro, mas o que sei eu?Passam mais meia-dúzia de moços todos
coloridos e alegres, entretidos com eles próprios em direção aos finais da missa,
na igreja matriz de traça colonial há dois séculos ali plantada. É a hora das
moças saírem e acontecerem luzinhas entre os olhares.Ouço o barulho de uma moto bastante na Av.ª Amílcar Cabral e leva atrás, de reboque, um gajo de patins a deslizar por ali
como gente grande, lá vai ele a espalhar o seu imenso sorriso branco pela
cidade adiante Adiante, adiante que é
sempre tempo para se ser feliz.
(Cidade
da Praia. Ilha de Santiago. Cabo Verde.)
(1) Zona
histórica central da cidade da Praia.
~ ~ ~
P.S.
Texto integrado no livro de contos, " lusófonos ":
O OURO BREVE DOS DIAS
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