9.3.17
Msg a Garcia
Tudo está á mão de semear.
Nós só apanhamos o que está á nossa altura.
( J.A.M. - séc. 21)
6.3.17
O Barco Noturno
Foto: J.A.M.
o barco, no alto mar
acesa é a noite que o desenha
acesa é a noite que o desenha
contra o fundo estrelado
enfim
o barco com a sua âncora
abismada
as cores dos
peixes estremecem
o silêncio fundo do que é sagrado
o silêncio fundo do que é sagrado
o barco como metáfora de
alguém
que olha o horizonte alongado dentro.
que olha o horizonte alongado dentro.
(Maio.2010. Alterado.2016. Alterado.2017)
5.3.17
1.3.17
estrelas apagadas
já a noite tinha sido iniciada, os pescadores
juntos sentados calados curvados olhavam presos por um fio emaranhado de leves
& ondulantes pensamentos o horizonte, como quem lia 1 texto antigo.
Entretanto as nuvens de um lado para o outro,
fragmentariamente orquestradas pelo seu próprio destino, lá iam impavidamente
diferentes. Nada se cruzava & tudo estava unido. Os barcos continuavam a
balançar o cais. O mar sempre estivera ali como se fosse eterno. Como um eco
longínquo que ainda perdura pelo poder dos olhares de muitas gerações.
E os pescadores aguardavam como quem espera e
também não, a hora da partida. Em casa os filhotes mais novatos choramingavam
por comidas diferentes e as mães afagavam-lhes os cabelos, com um sorriso junto ao
aconchego do útero.
Os pescadores, disse-me um dia um amigo
vagabundo nas viagens, viraram estátuas fixas e ali estancaram para o gáudio
dos turistas que acudiam aos magotes e as crianças agora pediam moedinhas com
uma vida inteira moribunda nos olhares.
(Out-.2010. Modificado.Março-2016)
Nº 14 ( Ressureição)
" Eis que o Pai, coberto de suor por causa do Filho,
rogou do fundo do coração ao Senhor,
a quem, de fato, tudo é possível,
pois que cria todas as coisas. E pede-lhe para fazer sair de seu Corpo seu Filho,
Que o ressuscite.
O Senhor não deixa de escutar sua prece,
e ordena ao Pai que durma.
Enquanto repousa na paz do sono,
faz cair do alto uma chuva
através da clara abóbada constelada,
Uma fecunda chuva de prata pura e verdadeira,
que rega e enternece o coração paterno.
Ó Deus, ajude-nos também a obter Sua Graça! "
27.2.17
o silêncio serpenteia-se nas ondas
O
silêncio serpenteia-se nas ondas do ar a boca da noite abre as flores do
coração curva os sons que tem sempre à mão e o tempo habita-nos mais ao
sabermos nos olhos as sombras que se despedem das árvores onde os pássaros
acolhem os primeiros tons do dia sob o lençol verde às tantas da manhã pelas
cinco e tal ou quase assim começam a
sinfonar uma visão acesa para quem esmorece ainda é cedo ainda há o segredo de
haver um mundo contudo sagrado.
21.2.17
Plateau
~ Dedicado ao meu amigo Victor Mendes ~
Uma
mulher negra coberta de panos amarelos sentada num banco de madeira pintado de
verde, no jardim. Ao lado um Sr. de camisa & calças vermelhas, também
sentado num banco verde à sombra de uma árvore com folhas tenramente ainda.
O
sino do relógio dá 6 badaladas bem compassadas ao ritmo do calor hoje abafado,
será que vai chover?
Passam
mulheres e mulherzinhas agrupadas, com as bundas arrebitadas todas janotas em
direção à igreja já apinhada de crentes para a missa domingueira. Espreito
discretamente e parece-me haver ali um fervor amornecido, uma entrega
naturalmente física à devoção, neste caso católica, mas esta fé lá no fundo
terá algum nº de porta?
No
jardim, um casalinho namora espreguiçadamente num outro banco de cimento que já
não tem cor. Ela deitada sobre o colo ali à mão de semear e ele com as mãos
dedilhadas no corpo da paixão. No chão quente do dia as suas sombras estremecem
quase sem darmos por isso, evolam-se no ar em formas de carne & paixão e
até encantam as flores sonolentas à volta.
Volto
a dar 1 longo passeio. No mercado tudo são cores que se mexem. E volto ao
lugar. A meu lado está alguém com ar de quem já não espera nada e também não se
rala com isso. Talvez esteja em plena divagação do seu ser, talvez seja o seu
modo de estar, talvez a luz do seu olhar esteja toda estancada no pequeno sol
de dentro, e o que é que eu terei haver com isto?
Passam
mais meia-dúzia de moços coloridos, todos alegres, entretidos com eles
próprios, em direção aos finais da missa. Ouço o barulho de uma moto bastante
na estrada ao lado, e leva atrás um gajo de patins a deslizar por ali como gente
grande, lá vai ele a espalhar o seu imenso sorriso branco pela cidade adiante,
adiante que é sempre cedo para se ser feliz.
José Alberto Mar
José Alberto Mar
Cabo Verde. Ilha de Santiago. Praia – 2008 (alterado a Fev.-2017)
COISAS COMUNS
há pessoas assim, chegam-nos sei lá de onde, instalam-se num lugar qualquer mais substantivo do nosso corpo onde ciclicamente amanhecemos & morremos e parece-me que as levamos connosco para todo os lados, sem darmos conta da leveza que nos dão.
E com o tempo, prolongam-nos entre palavras anónimas nas conversas mais íntimas, sem nada sabermos do que acontece e que importa?
Atravessado pelo zen
e... meus amigos: o ar dentro das gaiolas está engaiolado?
eu conto-vos: para meu espanto, algo realmente aconteceu e fiquei perplexo :
várias vezes o ar se tornou mais leve e aí as palavras que escrevia eram sombras estranhas & quando o silêncio pesava 1 poukíssimo mais, inventava à sorte outros sons: kaziar, ooom, latuuda, maçala, tarugui,lubeduma, mucussueje.... etecetera
no próprio ato da busca retornava ao silêncio vivo onde as mãos lembravam somente algo que se eleva
e levanta o ar
e levanta o ar
soprando nas gaiolas risos criativos.
A bem dizer eu só estava ali, para aprender a estar.
17.2.17
16.2.17
14.2.17
Sei lá
Estremece a estrela que vive naturalmente aberta
à escuridão & nos 2 olhos cintila
o véu do instante, a aparência maior
do que é superfície e aí se afoga
na multidão dos dias
há tanta vida mecânica
Vejo nos gestos o silêncio amparado
pelo silêncio que aspiro
o lugar onde qualquer semente pensa
sonhando com tudo
pois nada do que é fruto
acontece sozinho.
Set.
- 2009
13.1.17
porque nos cai o azul sobre as cabeças
(...) e agora, o barco já acordado no dia seguinte, descia preguiçadamente entre as duas margens de florestas e tudo eram verdesviajantes até à sua foz em Caburé, onde soube de um milagre: alguém aparecia à noite cavalgando um cavalo branco e esbelto sobre as águas do rio e era mulher diziam alguns outros, não sei mas gostaria de saber, pensei eu e então fiquei por ali para ver a história e tudo aconteceu assim. Em silêncio:
De rompante, numa incerteza da escuridão, apareceu a imagem em fuga mesmo ali à frente dos nossos narizes e deixou uma brisa de espanto calado sobre quem olhava e depois, realmente maisnada. Todo o mundo se olhou, estranhadamente. Ninguém falou.(...)
José Alberto Mar
(Maranhão.Brasil)
(Maranhão.Brasil)
1.1.17
6.12.16
Imagens Afundadas na Memória
1º
Um rosto visitado pelo sol
por onde é fácil
estar no Mundo
afastar as margens dos sentidos
olhar para a Terra e dizer: - é este
o meu destino.
Com uma mão cheia de pensamentos se fabricam
as casas das idades humanas.
Com outra mão cheia de sentimentos
se põe em cada lado o lado mais vivo
de uma vida.
Respiramos por intervalos
entre os desejos desalinhados das nossas luzes
mais solitárias & mais íntimas.
E, quando os dias se afastam
há um canto absoluto abandonado em cada rosto
e no lado mais fechado do nosso corpo
deus pergunta-nos o seu lugar.
( José Alberto Mar.in, A Primeira Imagem, Ed. Sol XXI. Lisboa.1998)
25.11.16
Série: Msg a Garcia.
"I don’t
know how to be silent when my heart is speaking."
( Eu não sei ficar em
silêncio quando o meu coração está a falar)23.11.16
22.11.16
eixos & volantes
pobres seixos ambulantes
aos ziguezagues tantos tontos
perantre as luzes ke não enxergam
mas, lá no fundo de si próprios
há uma vela acordada assistindo
insistindo
aos desalmados ventos ke inventam
onde respiram, circulam & carambolam.
(Set. 2010)
30.10.16
19.10.16
A Poesia
Entre o alimento vermelho da carne sorumbática
uma veia de ouro única. Poesia.
É preciso encarnar o corpo anónimo
saber estar atento
para quando o excesso do ouro
cega as flores á superfície.
Aliciadas pelo perfume as mãos impacientes
recolhem sob a cegueira o brilho primeiro
e expõem á vida a escura transparência de uma voz
transbordada pelas imensuráveis dimensões evocativas
o corpo o mundo os universos
e os restos de poeira sobre a epiderme das coisas.
( in, " O Triângulo de Ouro , Ed. Justiça e Paz, 1988)
Prémio Revelação de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores-
1997.
29.8.16
1.8.16
A Bula
~
É com muito gosto que coloco como introdução , um link de - A Bula -, secção do jornal on-line "Correio do Porto" (http://www.correiodoporto.pt/) dirigido por Paulo Moreira Lopes, onde participo com 6 poemas e um texto-poético, a convite deste.
Os poemas têm uma bela ilustração da minha colega de artes Fernanda Santos.
~ Obrigado Paulo M. Lopes e equipe do Correio do Porto ~
31.7.16
por uma unha negra
Foi um tempo obscuro, escuro, mesmo negro. Atravessei-o
com a juventude espalhada pela idade e todos os mundos que podia a encherem-me
a alma até às marcas afloradas na pele. Por vezes, pensava que enlouquecia e
então abrigava-me nas casas do silêncio á espera de escutar o fio tremeluzente
da minha voz mais íntima. Outras vezes, saía pelo mundo fora, á procura de mais
dias & mais noites umas a seguir ás outras como primaveras que se devoram
com muitas flores vivas a saltarem pela boca, pelos olhos, pelo corpo inteiro e
esburacado. Conheci gente, pessoas, corpos habitados por alguém, outros nem por
isso, cheguei a conhecer os mortos que continuam por aí, de um lado para o
outro, como imagens atrapalhadas adiarem sei lá o quê. Também, confesso,
cheguei a ser tocado por alguns seres humanos que me deram minúsculas estrelas
duradoiras, muitas vezes sem eu dar por isso. Ainda hoje as guardo, como pedras
preciosas, soltas entre os seixos das minhas margens.
Foi um tempo de
procuras, em que passei por pontes & pontes e nem sequer as via nem os rios
dedicados aos seus mares, nem os lugares de um lado e do outro, por onde
gastava o meu destino possuído pela dourada cegueira da juventude e por todos
os copos de veneno que encontrava. Vi alguns amigos caírem para o interior de
uma luz que nunca mais os largou, foram assim sozinhos para longe e nuncanunca
mais.
Após muitas
paisagens, comecei a ver que tudo à minha volta eram imagens que se soltavam de
dentro de mim, onde eu não era chamado para o caso, nem propriamente ninguém,
mas no fim de contas todos estávamos lá: pessoas, animais, plantas, pedras,
mundo, vida e todos os universos conhecidos e por conhecer.
Comecei a olhar mais
a luz, a luz claramente acesa, a primeira que vem de dentro das pessoas e das
coisas e descobri um centro que não é centro nenhum, apenas me desloco, despido e nu, de centro em centro, no mapa circular da minha idade.
Sempre, com 1 deus
presente em tudo e o amor íntimo e distante pelo que passa por mim.
(2006)
27.7.16
26.7.16
Onde o Sol é mais Perto
Às vezes pego no bloco. Pego na
caneta. Fico assim horas a fio a olhar
Depois
desço o olhar1 pirilampo aqui outro acolá na espessura da noite deste jardim
por detrás da sebe da casa há um sobreiro com ramos rugosos onde a cortiça respira & cresce sem darmos por isso e as folhas todas juntas formam uma cabeleira que estremece e dança, muito espaçadamente, com a aragem que sopra dos lados do mar.
De
repente, os repuxos calaram-se. Gotas de água escorrem de folha em folha e
depois apagam-se no chão onde as raízes das plantas absortas se abrem ao desejo
da sede. E as folhas cintilam sob o peso da luz que desce dos candeeiros. E são
belas assim, nos seus verdes flamejantes contra as obscuridades à volta. Na
superfície azulada da piscina, estranhamente ondulada, está a lua
estampadamente enorme.
25.7.16
O MEDO DA ROSA
- Sei como a rosa se levantou, pétala a pétala, no
seu fulgor de luz errante, hilariante e como o seu esforço vai adiante.
Sei e claro que não sei, a cor da rosa, nem a imagem
da própria rosa, nem esse deus nada assim, de que vos falo só para me
libertar de mim e assim pressentir nas palavras que semeio, esta assustadora
liberdade de ser humano.
(2007)
22.7.16
&, no entanto há uma luz por aqui
&, no entanto
há uma luz
poisada no centro
do seu silêncio de ser
só uma luz
Aberta
para fora
de si
há uma luz
poisada no centro
do seu silêncio de ser
só uma luz
Aberta
para fora
de si
- como se um pássaro esquecesse no voo
o peso das suas asas;
- como se a memória fosse uma trave esmorecida
na casa estagnado dos hábitos;
- como se, algo te chamasse & fosse uma voz cúmplice
no cálice mais translúcido do teu corpo
onde o som maduro do silêncio
te chama - em chamas - alumiantes na cor
e tu estás longe ou perto nos olhos
E então, nem o ouro
nem a prata
- por onde há-de uma Vida luzir?
(28-Set.2007)
What are your masters in the arts, artist?- Is the Nature.
21.7.16
Ponta d’ Areia
Estou na ponta d’areia.
Sentado. Á sombra, aí uns 20 e tal graus. O guarda-sol é cor de laranjas
maduras e eis á minha frente o mar vivo e aceso. Do céu vários tons azuis
luminosos descem suavemente sobre tudo o que é vida.
Á minha volta, o
povo espraia-se finalmente no seu sábado.
As crianças vivem à
solta por aqui, onde o mar deslaça dia-&-noite as suas ondas e elas, as
crianças dão cambalhotas e correm chapinhando a água dócil, entre pequenos
saltos de quem está mesmo felizmente feliz. Há gazelas morenas, umas a seguir
às outras, é difícil acompanhar com a devida atenção tantos ritmos ondulantes e
belos, sob este sol de deus.
Passa alguém com uma
caixa transparente pelo braço e leva ovos de codorniz, camarão cozido, umas
comidas que outros comerão, com certeza.
Olhando para trás,
vejo 2 candeeiros públicos ainda acesos a despontarem entre os verdes das
árvores sossegadas e claramente alheadas do assunto. É de lá – dessas bandas,
que chega até aqui aquela música popular, sempre a tocar as esferas do coração.
Muitas pessoas cantam-nas em grupos e alegram-se simplesmente assim.
1 papagaio caiu,
tombou mesmo agora a meus pés e reparo que é feito de plástico, que já foi saco
de supermercado + uns pauzinhos de coqueiro aliados e ainda mais agora, o
menino já o ergueu no ar e aquela coisinha frágil como Tudo, dá curvas sozinho
com a cauda louca sem tino esburacando o
espaço, rodopia veloz e depois,,, cai outra vez no chão sólido do mundo e a
criança continua a ser criança a brincar e já é muito, tomara eu.
A menina do bar,
mini-saia de ganga boa perna, camiseta desabotoada, bandeja prateada na mão
esquerda, já aviou mais umas cervejas Sol *a uns jovens que estão prá-li num
forrobodó evidente e regressa ao balcão, esvoaçando um olhar geral pelas mesas
dos seus clientes.
Um bandozinho de
pardais passa à frente do meu olhar a rasarem o grande areal, com cadeiras
& mesas azuis, vermelhas, brancas e cinzentas
e
desaparecem numa
curva uníssona do tempo, o que é feito
deles? pensei, enquanto uma outra parte de mim ainda se regala a fazer
jogos infindáveis com as cores do cenário.
Lá adiante, lá mesmo ao fundo, uma
tira horizontal de água mais cintilante no brilho, faz-me lembrar que amanhã
irei a St.º António de
Alcântara, por onde um touro passeia a sua
estrela de cinco pontas na testa carimbada.
* marca de cerveja
17.7.16
11.7.16
Estou de Tanga
hoje
levantei-me bem comigo & a vida, comi manga, papaia e cana de açúcar do meu
quintal tudo oferecido com a claridade do sol sempre esclarecido nas coisas do
mundo.
Também
bebi água logo nas aberturas do dia e é água leve e fresca que vem dos lados do
convento de São Francisco, do séc. XVII, eles lá sabiam as melhores fontes das
coisas essenciais à vida.
Nesta
varanda virada para a Sidády Vêlha, com o mar ao fundo de onde se colhem
imagens & imagens sem fim e um barulho de ondas fortemente contra as rochas
negras da praia, onde todos os dias me banho ao fim da tarde até ver o círculo
solar cheio de cores a partir para outros lugares.
A
minha amiga borboleta, que me visitou logo no 1º dia, volta todos os santos
dias, enquanto estou a acordar-me nestas pequenas tarefas. Um dia destes, veio
poisar na minha mão, mas só ao fim do coração da manga bem chupada, é que
sorveu com tal suavidade a ultima gota que me deixou derrotado por uns longos
instantes.
Ah!
eu e a minha amiga borboleta, duas pétalas brancas, uma de cada lado, onde
pontuam vários círculos coloridos salpicados
à toa, falámos abertamente dentro dos nossos silêncios amadurecidos,
depois foi vadiar pela mata a fora
partilhar alegria e liberdade com outros, remando agora as suas muitas
asas frágeis ao sabor das curvas da aragem e, pronto.
Votei
ajustar a tanga à cintura (um dia destes tenho que arranjar uma tanga a sério
de pano de terra, logo se vê)
incendiei 1 cigarro, pernas desleixadamente sobre a varanda azul e costas
contra o mundo.
( Cabo Verde. Ilha de Santiago. Sidády Vêlha – 2008)
7.7.16
Exposição de Artes-Visuais: OUTROS MUNDOS ~ OTHER WORLDS
~ cinturón de asteroides ~
6.7.16
Sensação a veludo nas mãos
Primeiro
foi uma sensação a veludo nas mãos, a carne à flor da pele era macia de um modo tão suave e a pedir só
mansidão e elas, as mãos, transcorriam bêbedas com todos os seus 10 dedos nas
polpas sensíveis cada vez eram mais e eu lá no fundo, no final da sensação,
deixava-me navegar com toda a preguiça esboçada do mundo, por este mar de
novidades que aquele corpo me emprestava no silêncio ofegante da noite.
E
ela deitada, absorta no seu sonho de ser mulher para as minhas mãos e eu
sentia-a a crescer nos ritmos da respiração, e de um lado e do outro, ambos
éramos mais próximos, como se houvesse uma indeterminada luz pelo meio, que
tínhamos de possuir precisamente ao mesmo tempo.
Tudo
ilusão. E, no entanto não era. Eu estava ali, ela também, éramos dois corpos
com as portas escancaradas de todo. A aragem das mãos esvoaçando sobre a pele
de veludo, era o que sobrava do silêncio de chumbo, onde os nossos corpos
jaziam. Havia entre nós, um nó inteiramente aceso por dentro, onde as línguas
mais aprumadas já não dizem palavras. Os gestos criavam outros mundos, onde só
nós cabíamos, onde só nós éramos quase perfeitos espera de o sermos.
5.7.16
27.6.16
( MAURO, O Poeta da Ilha)
Arrastava mais
um pé do que outro e eu reparei no seu ar luminoso abrir airosamente a noite.
Ia a passar perto do meu lugar e eu senti que podíamos trocar algumas luzes.
Convidei-o a sentar-se ali, por baixo da grande árvore nocturna. Vi o seu olhar
inclinado para o meu copo e perguntei-lhe o que bebia. Não tardou a abrirem-se
as nossas portas, uma de cada vez e cada uma no seu lugar mais claro e íntimo.
Sem correntes de ar ruidosas pelo meio.
Era um poeta e eu disse-lhe que também era um
aprendiz de poeta. (Ele lembrou-se deste pormenor passado uns dias, quando à
sombra de outra árvore mais diurna, voltámos a trocar meia-dúzia de luzes
pessoais.)
Ele arrastava
uma perna quando andava, mas falava sem arrastar nenhuma das suas asas. Aí, ele
crescia em voos cheios de altura e distância e às vezes, descia um pouco, para
recitar um poema seu, que parecia ler no meu rosto. Eram sempre feitos de
simplicidade e lonjura e eu ficava mais pequeno e escutá-lo e a olhá-lo com
todo o orgulho do mundo, pois já éramos amigos.
Hoje, vejo-o a
levantar a noite da sua ilha, livre como sempre, feliz e a cantar alegremente
toda a escuridão que há na sua vida de poeta.
20.6.16
17.6.16
estremece a estrela que vive naturalmente
Estremece a estrela que vive naturalmente aberta
à escuridão
e nos 2 olhos cintila o véu do instante, a aparência maior
do que é superfície e aí se afoga
na multidão dos dias a vida deles é mecânica.
Vejo nos gestos o
silêncio amparado
pelo silêncio que aspiro, o lugar onde
qualquer semente pensa
sonhando com tudo
pois nada do que é fruto
acontece sozinho.
pelo silêncio que aspiro, o lugar onde
qualquer semente pensa
sonhando com tudo
pois nada do que é fruto
acontece sozinho.
(Set.-2009)
mas porque é que cresce a mão para a palavra?
Há o sol, as matérias primas
dentro do sangue
e há a noite recolhida, submersa
e ainda há as pessoas
e a vastidão da respiração
no coração
seio de idades invadidas por tantos rostos
e há pontos imprecisos em que somos quase
inteiros
e há o útero de tudo onde as vozes se instalam
mas só às portas exaltam os sons
nas palavras que agora escrevo
o olho do mundo dança-me na cabeça
ao sabor das luzes que giram
na alta nudez sem nome.
(Nov.2008)
11.4.16
rio preguiças
Um barco desliza nas águas ao de leve sonoras.
Enquanto a noite desce como um lençol suavemente escuro
apagando o rio, que era azul
e agora já é um espelho prateado deitado sobre o mundo.
Alongado pela vastidão que se recolhe nos olhos de quem só olha.
Há em tudo uma paz impossível, e eu vejo o teu rosto e tu pareces não ser.
Olho-te de novo, e tu olhas-me assim:
tão perto e tão longe, no fundo de mim, que me deixas mais nu.
Eu sei:
és aquela que me ama do fundo das águas
que agora nos unem.
Eu sou aquele que procura
e te dá o silêncio inteiro das minhas duas mãos nas tuas.
Pois, no fim desta escuridão
somos sempre sozinhos.
A partir de agora, entre nós
não haverá mais segredos.
Poema e foto de José Alberto Mar
- In, Colectânea "Os Dias do Amor". Pág. 304,
Editora Ministério dos Livros.2009
3.4.16
26.3.16
Cresce a mão para as palavras
dentro do sangue
e há a noite recolhida, submersa
e ainda há as pessoas
e a vastidão da respiração
no coração
seio de idades invadidas por tantos rostos
e há pontos imprecisos em que somos quase
inteiros
e há o útero de tudo onde as vozes se instalam
mas só às portas exaltam os sons
nas palavras que agora escrevo
o olho do mundo dança-me na cabeça
ao sabor das luzes que giram
na alta nudez sem nome.
ao sabor das luzes que giram
na alta nudez sem nome.
(Nov.2008)
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