já há uns bons tempos que não ia a um restaurante chinês e então hoje,
sei-lá-porquê, deu-me para ir ao Restaurante da Rosa, mas afinal a Rosa andava
por outros jardins…
Mal entrei, fui imediatamente recebido por uma jovem chinesinha que me
abriu o espaço com uma larga simpatia que me surpreendeu. “Isto já teve
melhores dias”, pensei. Sentei-me, retribuindo q.b. a simpatia da menina com um
sorriso até sincero lá no fundo.
Comi algo comestível, e o melhor foi a salada, mastiguei esquecidamente os
vegetais que depeniquei na travessa, com o complemento direto de um Evel branco fresco e para enlaçar a
coisa no fim: café & saqué de rosas.
Enquanto o laço não acontecia, olhei à volta para os altos-relevos e as
pinturas com o tal brilho eclético dos plásticos o que me seduz muitas vezes são as
palavras desenhadas em mandarim, e olhando-as traço a traço, invento traduções
rocambolescas, pois só cada uma dá pano para mangas.
Ponho-me a observar, comedidamente é claro, a empregada chinesinha bem acompanhada
pela luz morna do local, fininha, impávida, e tentei adivinhar-lhe algo de
dentro dela mesmo, para além da
epidérmica empatia já demonstrada.
Não estava a ser fácil chegar a outros portos...
O café e o respetivo anexo chegaram, a pikena
estava por aqui há 1 ano, respondeu-me, com o seu ar naturalmente aprumado, já
arranha o português do cardápio e até um pouco mais e, mais uma vez, aquela incerteza de eu a olhar, olhos nos olhos,
e ela espreitar-me sei lá de onde. Disse-lhe que era um antigo cliente da casa,
perguntei-lhe onde parava a Rosa e ela disse algo de “Avero”
(Aveiro?), acrescentei mais umas lérias oportunamente circunstanciais tentando
prepará-la psicologicamente para me oferecer, por decisão própria se possível,
o 2º saqué de rosas, que afinal no tempo da Rosa era trigo limpo, ai que porra.
E eu gosto deste “bagaço”, não sei bem se é pelo saqué em si e o seu efeito
em mim, se é pelas rosas, pois eu amo todas as flores, eu amo as cores, eu amo
os aromas, as suas elegâncias, os silêncios, as sombras, a permanente entrega
aos outros e a si próprias, Oh! como eu amo as flores. Sempre tranquilas sempre
à mão de semear de qualquer mão amiga ou matreira, eu amo despudoradamente
estas criaturas de deus, que não se cansam de me ensinar coisas das artes e da
vida.
Entretanto dediquei-me ao café e ao tal néctar, que acontece em cálices
pequenos, rendilhados com dragões a fumegarem linhas curvas, e eis a piada da
primeira descoberta: quando a coisa está cheia, a gente ao beber o primeiro
gole repara que lá no fundo está uma sr.ª toda descascada numa pose abertamente descarada e a gente olha e das duas uma, ou ficamos enlevados
eternamente por caminhos lúbricos & afins ou então continuamos a bebericar,
pois em princípio é este o objetivo do ato, enquanto a provocação se vai
diluindo no fundo vazio do olhar, até desaparecer de todo.
Bá-lá, entretanto a música? suave & calma parece mal dizer oca,
obrigava o maralhal ali presente, demasiado próximo ao meu território, a
amainar a algazarra com que tinha entrado, o que eu agradeci muda e
convictamente aos músicos chineses, aos deuses chineses e também portugueses e
a tudo o que ocasionalmente tinha contribuído para tal. Cansado de vislumbrear,
pedi a conta, que remédio, com um gesto arredondado de uma só mão (mas ainda
com umas ténues esperanças do que seria provável acontecer-me) e o tal saqué de
borla Lá Surgiu, meticulosamente colocado ao lado do raio da conta. Enfim, vale
mais tarde do que nunca (dizem eles que um dia, um dia é que vai ser) e rejubilei
saborosamente por ter reavido tal privilégio, atirando o último trago goela
abaixo e sentindo-me deliciado com o fogo que se extinguiu melodiosamente pelo
corpo todo.
Com tais sortilégios acontecidos, saí para a rua bem senhor de mim mesmo e
do meu destino, fogueei 1 cigarro no meio da noite e algumas estrelas
permitidas pela névoa citadina deixaram-me que tal acontecesse: neste antro
insano de concorrências, foi milagre !
(Rascunho Nº 216.Portugal.2010)