José Alberto Mar. Com tecnologia do Blogger.

27.5.21

( aos amigos)

( Caminhos de Santiago. Póvoa do Varzim. Foto: J. A. M.) 













os amigos são como os dedos
nas mãos estelares dos encontros
enquanto falam outros escutam
enquanto olham a gente olha
as pontes que se inventam
entre os co(r)pos e o que acontece
ao sabor dos ecos dos brindes
nos corações de cada um.


( J. A. M. -2021)


 

21.5.21

( dos Encontros)


Um barco desliza nas águas ao de leve sonoras.
Enquanto a noite desce como um lençol suavemente escuro
apagando o rio, que era azul
e agora já é um espelho prateado deitado sob a lua.
Alongado pela vastidão que se recolhe nos olhos de quem só olha.


Há em tudo uma paz impossível, e eu vejo o teu rosto e tu pareces não ser.
Olho-te de novo, e tu olhas-me assim:
tão perto e tão longe, no fundo de mim, que me deixas mais nu.
Eu sei:
és aquela que me ama do fundo das águas
que agora nos unem.
Eu sou aquele que procura
e te entrega o silêncio inteiro das minhas duas mãos nas tuas.
Pois, no fim desta escuridão
somos sempre sozinhos.
A partir de agora, entre nós
não haverá mais segredos.

 

15.5.21

~ 14ª folha de 1 diário perdido ~

Foto: J. A. M. 

 

Foi há muito tempo ou talvez não. Vinha de um labirinto de colinas por onde tudo me encantava e acabei por desembocar num rio. Eu era uma criança.
Águas mansas sem barcos nem barqueiros, apenas as duas margens amparavam o meu olhar.
Deitava-me na relva fresca e aos poucos o sangue e a seiva misturavam-se. Demorava-me a sentir a terra e a olhar o céu.
Na altura, ainda havia muitos pássaros a deslizarem as suas sombras sobre as águas que, apenas por isso, se moviam.
Imaginei um mar, que na altura desconhecia, onde todos os rios se esquecem.
Imaginei muitas visões que, mas tarde descobri e outras esqueci.


4.5.21

~ 13ª folha de 1 diário perdido ~

Pintura: J. A. M. 

O mar tinha algumas ondas bravas. Todas acabavam por adormecer desaparecer nas mansas areias da praia. Também havia rochas grandes, pequenas e as outras. Tinham os mesmos lados molhados a brilharem ao sol que descia naturalmente para o outro lado do mundo.
Por vezes, bandos de gaivotas interrompiam o horizonte.
Junto aos nossos pés nus, seixos muitos estavam mais vivos com o sabor do sal e do sol.
E a música das ondas enchia o ar de sons que ardiam sem chamas nem fulgores.
Nós eramos apenas duas sombras divagadas, que tinham entrado por uma das portas destes momentos.


( Rascunho Nº 8)


 

30.4.21

~ hoje regressei ao Restaurante da Rosa ~

 


era uma porta vermelha

( preâmbulo )

 

    fui jantar ao chinês ali ao lado. A patroa, a Rosa, continua com o mesmo rosto que tinha há uns 10 anos, quando a conheci num outro restaurante ainda era empregada, continua com o mesmo corpo, até o jeito leve de cirandar por entre as mesas e aquele sorriso tão amplo como contido, que eu nunca cheguei mesmo até lá. Fascina-me esta mulher de tão longe, a modos que frágil e sempre tão atenta aos meus saqués. E depois venho-me embora a tentar desembrulhar-me daquele sorriso que vai comigo até outra coisa qualquer se atravessar no meu caminho.

 

era a mesma porta vermelha?

 

      Já há uns bons tempos que não ia a um restaurante chinês e então hoje, sei-lá-porquê, deu-me para ir ao Restaurante da Rosa, mas afinal a Rosa andava por outros jardins…                       
   Mal entrei, fui imediatamente recebido por uma jovem chinesinha que me abriu o espaço com uma larga simpatia que me surpreendeu. “isto já teve melhores dias”, pensei. Sentei-me, retribuindo q.b. a simpatia da menina com um sorriso repentinamente até sincero lá no fundo.
    Comi algo comestível, e o melhor foi a salada, mastiguei esquecidamente os vegetais que depeniquei na travessa, com o complemento direto de um Evel branco fresco e para enlaçar a coisa no fim: café e saqué de rosas. Enquanto o laço não acontecia, olhei à volta para os altos-relevos e as pinturas com o tal brilho eclético dos plásticos, o que me seduz muitas vezes são as palavras desenhadas em mandarim, e olhando-as traço a traço, invento traduções rocambolescas, pois só cada uma dá pano para mangas.
   Ponho-me a observar, comedidamente é claro, a empregada chinesa bem acompanhada pela luz morna do local, fininha, impávida, e tentei adivinhar-lhe algo de dentro dela mesmo, para além da epidérmica empatia já demonstrada.
     Não estava a ser fácil chegar a tais portos...
     O café e o respetivo anexo chegaram, a pikena estava por aqui há 1 ano, respondeu-me, com o seu ar naturalmente aprumado, já arranha o português do cardápio e até um pouco mais e, mais uma vez, aquela incerteza de eu a olhar, olhos nos olhos, e ela a espreitar-me sei lá de onde. Disse-lhe que era um antigo cliente da casa, perguntei-lhe onde parava a Rosa e ela disse algo de “Avero” (Aveiro?), acrescentei mais umas lérias oportunamente circunstanciais tentando prepará-la psicologicamente para me oferecer, por decisão própria se possível, o 2º saqué de rosas, que ao fim e ao cabo no tempo da Rosa era trigo limpo, ai que porra.
    E eu gosto deste “bagaço”, não sei bem se é pelo saqué em si e o seu efeito em mim, se é pelas rosas, pois eu amo todas as flores, a naturalidade com que entram em nós, eu amo as suas cores, eu amo os aromas, as suas elegâncias, os silêncios, as sombras, a permanente entrega aos outros e a si próprias, Oh! como eu amo as flores. Sempre tão tranquilas sempre à mão de semear de qualquer mão amiga ou matreira, eu amo despudoradamente estas criaturas de deus, que não se cansam de me ensinar coisas acerca das artes e da vida.
    Entretanto dediquei-me ao café e ao tal néctar, que acontece em cálices pequenos, rendilhados com dragões a fumegarem linhas curvas, e eis a piada da primeira descoberta: quando a coisa está cheia, a gente ao beber o primeiro gole repara que lá no fundo está uma sr.ª toda descascada numa pose abertamente descarada e a gente olha e das duas uma, ou ficamos enlevados eternamente por caminhos lúbricos & afins ou então continuamos a bebericar, pois em princípio é este o objetivo do ato, enquanto a provocação se vai diluindo no fundo vazio do olhar, até desaparecer de todo.
 
 
    Bá-lá, entretanto a música? suave & calma, obrigava o maralhal ali presente, demasiado próximo ao meu território, a amainar a algazarra com que tinha entrado, o que eu agradeci muda e convictamente aos músicos chineses, aos deuses chineses e também portugueses e a tudo o que ocasionalmente tinha contribuído para tal. Cansado de vislumbrear, pedi a conta, que remédio, com um gesto arredondado de uma só mão (mas ainda com umas ténues esperanças do que seria provável acontecer-me) e o tal saqué de borla Lá Surgiu, meticulosamente colocado ao lado do raio da conta. Enfim, vale mais tarde do que nunca, e rejubilei saborosamente por ter reavido tal privilégio, atirando o último trago goela abaixo e sentindo-me deliciado com o fogo que se extinguiu melodiosamente pelo corpo todo.
    Com tais sortilégios acontecidos, saí para a rua bem senhor de mim mesmo e do meu destino, fogueei 1 cigarro no meio da noite e algumas estrelas permitidas pela névoa citadina deixaram-me que tal acontecesse: neste antro insano de concorrências, foi milagre!
 
 
 
 
( Porto. Portugal )


25.4.21

( 25 de Abril de 2021 )

Imagem transformada. J.A. M. -2021

 

Poema em Saldo Nº25


Uma data que regressa sempre
transparente à cabeça
um sino pendular nas cavernas do corpo
e então escrevê-lo é abrir as potências
do sangue, dos pés até à raiz
dos cabelos, deixar crescer
a vida circular dos dias
pelo silêncio poderoso
se fundamenta um olhar
um sonho, uma estátua invisível
dentro da memória
ordena-se o esquecimento
mantendo sempre a respiração do Mundo
entre muitos e muitos horizontes.

 José Alberto Mar


 

- in, Blogue ABSORTO ( Publicado por Eduardo Graça, em 1999 )

http://absorto.blogspot.com/2014/04/poema-em-saldo-n-25-25-de-abril-40-anos.html

21.4.21

(encontro)

Pintura: J. A. M.











à-volta era um lugar que, mal entrámos, se tornou ausente. Talvez houvesse um espaço, um tempo, quatro olhos duas pontes comunicantes sobre algo circular o tampo de mármore da mesa onde as palavras caiam redondas, finitas e havia miríadas de estrelas a rebentarem no desamparo das mãos quando se tocavam. Bailando, bailando os dedos finos de uma alma sensível no fim das hastes, re/parei.

As gaivotas vinham açoitadas pelo mar sem pescadores e abriam lá fora os espaços altos à procura. Eram sombras nos intervalos apanhadas pelos acasos, quando olhava de soslaio pelas vidraças húmidas do café. Enquanto ambos estávamos num fogo adormecido apesar de darmos por ele.

À-volta havia os outros, longínquas sombras, e em poucos minutos nem sombras já aconteciam. Por dentro senti metafóricos desejos de serem mais, algo que só na altura sabia, cresciam para cima & para baixo como nas árvores a seiva, nas galáxias a luz.

Agora vejo como fui vago nessa travessia.  Luz dos teus olhos bebiam a minha sede. E, era uma sede viajada para dentro, ensaiada pelas danças do silêncio. Por onde perscrutava os teus altares aguardando vislumbrar o fino ouro do teu mistério.

 

 ( J. A. M. - Rascunho Nº 17)

 

11.4.21

Divaganção em Gaibu

    

    A varanda é branca com o sol estampado ainda por cima e ao lado há o azul-cobalto das águas do mar e do outro, as muitas árvores da Mata Atlântica emaranhadas nos seus verdes a erguerem uma montanha até à beleza de um imenso céu, onde muitos pássaros coloridos até nos sons que espalham me esquecem nos seus voos
    e só muito tempo depois, felizmente
    acabo por cair em mim.
 
    Aqui ao lado, as folhas das palmeiras continuam penteando a aragem que corre atrás de si e por vezes alarga-se até à mesa e leva-me as outras folhas as palavras, o que me importa?
    Na rua as pessoas passeiam-se devagar no meio do tempo. Saboreiam os encontros, param aqui e acolá, trocam poucas frases, poucos gestos, coisas simples, como um sorriso cúmplice na caminhada, já é Tanto!
    1 pescador idoso, de boné ainda vermelho e corpo fechado, está esquecido ou estará a lembrar-se, a olharolhar o mar como se lesse um texto.
 
    Há em tudo uma paz impossível aproximando-se provavelmente a um sopro distraído de deus no meu olhar.

 
 
 
(Gaibu. Estado Pernambuco. Brasil.)


 
in, Livro de Contos, "lusófono":  O Ouro Breve dos Dias .

~ ~ ~


( edição: São Paulo. Brasil.  2020. edição. Porto. Portugal.2021. Brevemente acessível ao público. Autor: José Alberto Mar )

9.4.21

~ 5 SÓIS ~

Pintura: J. A. M. 


“ Há mais coisas entre o céu e a terra
 do que pode imaginar a nossa vã filosofia”.


 ( William Shakespeare )



 

19.3.21

JÁ FUI AO PARAÍSO

A Céu Aberto. One Sky to You. (Autor: J. A. M. )












Há coisas do diabo. Já fui ao paraíso.
E voltei.
Estava já quase acordado no meu quarto do Hotel Europa, quando a Ana e a Joyce abriram a porta em leque cheias de sorrisos floridos e me convidaram para dar um passeio pelas franjas de Gaibu. Lá me levantei um tanto ou quanto aturdido pelas caipirinhas da noitada anterior, mas depois de beber o coco fresco que me atiraram de chofre fiquei logo fino, vesti a t-shirt e os calções de sempre e lá fomos, que nem 1 trio harmonia pelo dia adiante.
Passámos pelas ruínas do Forte São Francisco Xavier, eram pedras amontoadas por ali pelas leis do acaso e com alguma parcimónia sobrava a placa, livrei-me das alpercatas (1) na linda praia de Calhetas, onde vi ondas debruçadas sobre a própria espuma fresca nos meus pés, depois de serem verde-esmeralda e azul-turquesa, e também vi uma foto do jovem Eusébio no bar lá do sítio, ao lado de N ilustres que por ali tinham po(u)sado algures, ao longo dos seus destinos.
Depois continuámos a caminhar por entre árvores (2), plantas e flores de muitas cores e aromas vários, até que a incerta altura num morro inesperado e cheio de um céu azulmuitoazul, vi uma tabuleta tosca de madeira com a palavra: “PARAÍSO”.
As minhas companheiras apanharam o meu ar aparvalhado e eu apanhei-as a sorrirem apenas cúmplices.
 
O que havia a dizer?
 
Lá descemos entretidos com os pés de cada um, a saltitarem de pedra em pedra, até desembocarmos numa espécie de praia com a água muito transparente e a areia prateada pelo pôr-do-sol que se diluía pelas águas até ao esquecimento.
Sentámo-nos a olhar e a escutar o mundo à volta através daquele ponto de vista, dentro do ponto de vista de cada um e os três juntos com as 6 vistas desarmadas, despidas, deliradas.
Já não sei, e pouco me importa, o tempo (o tempo?...) que poisámos ali, a respirar aquele lugar tão belo e simples irrealmente em tudo. Lembro-me vagamente que as palavras eram coisas a mais e a ninguém lhe passou pela cabeça falar de tal assunto.
 
Quando regressámos a Gaibu, numa camioneta que ainda circulava, já lá estava instalada uma noite claramente aberta à nossa festa.
 
 
 
(1) Sandálias de couro.
(2) Manacás, mulungas, ipês, com as suas flores de ouro, algumas das muitas árvores ainda existentes e caraterísticas da Mata Atlântica no local.
 

 
(Gaibu. Estado de Pernambuco. Brasil)

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- in,  Livro de Contos " lusófono": O OURO BREVE DOS DIAS . 

16.3.21

2020 ~ 2021

( New Times. Video-Arte. Autor: J. A. M.)

 

Mudanças inesperadas, motivadas por um ser vivo (invisível a “olho nu”), têm motivado e forçado todo o Planeta e os seres humanos a novos questionamentos da realidade.


“Nada é permanente, excepto a mudança”

( Heráclito)

 

11.3.21

PALAVRAS, PALAVRAS, POR VEZES

Selfie. ( J. A. M. )

 















    Palavras, palavras, por vezes cansado das palavras fico completamente à escuta, vazio por dentro, parado, virado para fora. Como se o meu corpo fosse uma harpa aberta aos sons que passam. E então há um outro sol a cobrir as formas do Mundo, o grandioso coração do Universo começa a bater como um pêndulo maduro, a água no corpo a murmurar lá no fundo como nos oceanos e a beleza epidérmica das coisas à volta aparece sem nomes, a vida total continua a transformar-se sem eira nem beira.

     E então, vejo que nada em mim é o que sei e sinto, nada em mim é apenas uma ilha a desenhar horizontes de palavras, letras que se juntam para criarem um círculo um entendimento, nada disto tudo faz sentido, sem a Luz e a vastidão da Terra com sementes e as flores e as plantas e as árvores e os frutos e as aves e as pessoas, as pessoas a encherem-nos os dias e as noites.

 


( in, O OURO BREVE DOS DIAS)


8.3.21

Silêncio Insurreto

Pintura. Autor: J. A. M.


 

O silêncio serpenteia-se nas ondas do ar, a boca

da noite abre as flores do coração curva

os sons que tem sempre à mão e o tempo

habita-nos mais ao sabermos nos olhos

as sombras que se despedem das árvores

onde os pássaros acolhem os primeiros

tons do dia sob o lençol verde às tantas

da manhã pelas cinco e tal ou  quase

assim começam a sinfonar uma visão

acesa para quem esmorece ainda é cedo

ainda há o segredo de haver um mundo

com tudo sagrado.


( J. A. M.

 

27.2.21

SOMBRAS ACORDADAS


Trabalho Visual. Autor: J. A. M. 













(ao Victor Mendes)

 
        Está um dia quente e quanto ao resto é indefinito. Podi tchobi! ...óh podi ca tchobi! ...Deus qui sabi? (1)
    Estou sentado na varanda do meu quarto na Residencial Sol Atlântico, com um padjinha(2) amornecido entre os dedos e a pastar o olhar pelo murmurinho geral.
    Uma negrinha aí pelos 3 anos brinca na Praça Alexandre de Albuquerque com uma boneca, enquanto a mãe sentada por detrás de uma tendinha, olha à volta como se nem esperasse cliente. Tem à venda rebuçados chocolates amendoins tabaco fósforos, coisas claramente várias e agrupadas numa ordem naturalmente colorida.
      Aproximei-me da circunstância e pedi à Sr.ª um pedaço de rapé que embrulhou muito delicadamente num pedaço de jornal, kela é kantu?(3) Ela lá disse com um sorriso morabi (4) enquanto eu continuava atento à menina toda entretida a pentear com os seus próprios dedos, os longos cabelos loiros da barby, comprada com certeza numa das muitas lojas dos chineses por aqui. 
     De repente, olhou-me e demorou-se como quem se dá conta de um rosto com a pele igual à do seu bebé. Apeteceu-me dizer-lhe algo, mas para além do sorriso cúmplice e desairoso as palavras ficaram-me embarcadas na garganta. O que que eu lhe poderia dizer acerca das infindáveis cores deste mundo e dos homens que separam & dividem tudo?
     Ajoelhei-me até aos seus olhos límpidos de todo, peguei-lhe nas mãos juntas, dei-lhe um beijo sentido na testa e senti-me perdoado.
 
    Quando me voltei, tinha os olhos marejados, creio que pela penumbra densa do nevoeiro que descia, inclinei-me para a rua 5 de Julho em direção à “Gruta”(5) do Neilito, enquanto a noite se instalava na cidade pareceu-me ouvir o eco dos ritmos de um pilão(6) celestial, algures. Os sons acompanharam-me até ao final do jantar e levaram-me pela noite adiante onde, mais uma vez, me deixei perder pelos caminhos de deus, entre estrelas descidas luas abundantes e várias pessoas que se tornaram amigas pelas naturais leis das luzes.

 

 



(1) “Talvez vá chover, talvez não, só Deus sabe.” (crioulo do Sotavento).
(2)  Cigarro de erva medicinal, elaborado manualmente.
(3)  “Quanto custa?” (crioulo do Sotavento).
(4) “Amável, afável, atencioso(a), delicado(a), gentil, simpático(a)”. A morabeza é tida pelos cabo-verdianos como algo difícil de traduzir (como a palavra saudade em português) e exprime um sentimento tipicamente cabo-verdiano, análogo à osprindadi na Guiné-Bissau.
(5)  Tasca.
(6) Utensílio feito de madeira, idêntico ao almofariz, com uma altura média de 60 cm, utilizado para moer alimentos com um pau de madeira mais rija, e com a extremidade arredondada (mão do pilão).

     

 (Cidade da Praia. Ilha de Santiago. Cabo Verde)



P.S. texto integrado no meu Livro de Contos "lusófono":

O OURO BREVE DOS DIAS.


18.2.21

Alguém passeia-se porque lhe deu para tal

Foto trabalhada. Autor:  J. A. M. 










 

     Alguém passeia-se algures por caminhos e paisagens onde há pedras pelo chão e acontece-lhe curvar-se de repente, por algo que o chama sem dar-bem-por-isso e há um diamante entre as suas mãos, o olhar turva-se pelo brilho que o sol, atento a tudo onde há vida, lhe oferece no mesmo instante e depois há quem veja logo ali um presente, ou há quem não dê conta do vislumbre que lhe aconteceu e continue apegado aos seus hábitos, atirando o pequeno seixo para as águas de rio que desliza por perto no seu ocaso indiferente a tudo isto.
      Os hábitos escravizam, tornam-nos cegos.
    Todos os dias acontecem coisas assim, parecem banais porque são diárias, mas não o são, não.
      Nada é banal nesta vida que nos está acontecendo.
    E por aqui os diamantes não têm quaisquer preços, são iluminadas fontes metafóricas, criadas pela infindável sede que habita os profundos lençóis da Terra. E das pessoas, também.
 

- Quanto demora uma idade a ser luz?

 

(Ourique. Alentejo. Portugal)


P.S. Texto integrado no Livro de Contos: O OURO BREVE DOS DIAS.

14.2.21

~ blue men on fire ~

 

Depois de viajar por muitos universos, as asas descem
mais cegas
mais frágeis
apenas dois olhos na luz possível.


Por aqui, neste mundo, á minha volta: 2 universos, apenas: o Universo do Amor e o Universo do Medo. Cada um com inúmeras portas e janelas e nomes encobertos e descobertos por onde se entra e sai e se volta a entrar e a sair. Quase eternamente. O círculo ou a espiral, ainda a sobrevivência do macaco nas demonstrações da luz ou a luz derramada em forma de cruz. Tudo crenças. Tudo inscrito, tudo escrito em todos os lados, dentro das cabeças, na imensa água do interior do corpo, nas paredes levantadas, por fora e por dentro, nas alegrias e na dor.

 ( J. A. M. )

Pintura. Homem  azul ardendoJ. A. M. ( 2021)

12.2.21

Vivemos dias em que há uma escuridão sem rosto

Autor: J.A.M.

 












Vivemos dias em que há uma escuridão sem rosto

como um lençol negro caído sobre os nossos hábitos

e assim é mais fácil conhecer as dores dos corpos

(alguns são corpos caídos na luz final

onde parece não haver retorno ...)

mas quanto às almas, quanto às almas, quem canta isto?

um novo mundo que já começou.


(J. A. M. - 21)


Disturbed - Sound of Silence "Legendado em Português": https://youtu.be/RM3sQ3Omz0w


8.2.21

Ponta d´Areia











( St.o António de Alcântara. Maranhão. Brasil. Foto: J. A. M. )



     Estou na Ponta d’Areia (1). Deitado ou sentado à sombra, aí uns 30 e tal graus.
O guarda-sol é cor de mangas maduras e eis à minha frente o mar vivo e aceso. Do céu vários azuis luminosos descem naturalmente sobre tudo o que é vida.
     À minha volta, o povo espraia-se finalmente no seu domingo.
     As crianças vivem à solta por aqui, onde o mar deslaça dia & noite as suas ondas e elas, as crianças, dão cambalhotas e correm chapinhando a água dócil, entre pequeno sal/tos de quem está mesmo felizmente feliz e quer continuar assim, sem precisar de o querer. Há gazelas morenas, umas a seguir às outras, é difícil acompanhar com a merecida atenção tantos ritmos ondulantes e belos, sob este sol de Deus. Passa uma caipira (2) com o peso dos anos no rosto grudado pelo sal que vagueia pela aragem e com uma caixa transparente no braço leva ovos de codorniz, camarão cozido, umas comidas que outros irão comprar, com certeza.
     Olhando para trás, vejo 2 candeeiros públicos ainda acesos, o que não me espanta (pois em Portugal também acontecem estes descuidos) a despontarem entre as cabeleiras verdes das árvores sossegadas e claramente alheadas do assunto. É de lá - dessas bandas - que chegam até aqui aquelas músicas populares, sempre a tocarem as esferas do coração. Muitas pessoas cantam-nas em grupos e alegram-se simplesmente assim.
     Um papagaio caiu, tombou mesmo agora a meus pés e re/ paro que é feito de plástico, que já foi saco de supermercado + uns pauzinhos de coqueiro aliados, e ainda mais agora, o menino já o ergueu no ar e aquela coisinha frágil como Tudo, dá curvaS sozinho com a cauda louca sem tino e esburaca o espaço, rodopia veloz e depois ,,, cai outra vez no chão aparentemente sólido do mundo e a criança continua a ser criança a brincar e já é muito, tomara eu.
     A menina do bar, mini-saia de ganga boa perna, camiseta vermelha desabotoada, bandeja prateada na mão esquerda, já aviou mais umas garrafas de Sol (3) a uns jovens que estão pr’ali num forrobodó evidente e regressa ao balcão, esvoaçando um olhar geral pelas mesas dos seus clientes.
    Um bandozinho de sabiás-da-praia passa à frente do meu olhar a rasarem o grande areal, com cadeiras e mesas azuis, vermelhas e brancas e desaparecem numa curva uníssona do tempo, o que é feito deles? pensei, enquanto uma outra parte de mim se regala a misturar as cores do cenário em jogos infindáveis.

     Lá adiante, lá mesmo ao fundo, onde o céu se afunda numa tira horizontal de água mais cintilante no brilho, faz-me lembrar que amanhã irei a Stº António de Alcântara, por onde um touro (4) passeia a sua estrela de cinco pontas na testa carimbada, em noites de lua cheia.

 

 

(1)    Praia localizada a cerca de 4 km do centro da cidade de São Luís, muito movimentada principalmente aos fins de semana, pela população local.

(2)    Pessoa humilde do campo, da roça, do interior do Estado.

(3)     Marca de cerveja brasileira.

(4)    Segundo uma interpretação livre de lendas populares brasileiras, na lha dos Lençóis, D. Sebastião mora num palácio de cristal que se ergue no fundo do mar próximo à ilha considerada encantada. Consta que o rei vagueia pela praia, durante a noite, na forma de um touro com uma estrela de ouro (ou de prata), na testa. Se alguém conseguir atingir a estrela e ferir o touro, o seu reino será desencantado e D. Sebastião poderá regressar a Portugal.

- Há quem relacione estas lendas, com a possibilidade do “5º Império”.

 

 

(São Luís. Estado do Maranhão. Brasil)

 

 

P.S. Conto integrado no Livro: O OURO BREVE DOS DIAS

Autor: José Alberto Mar.

 


5.2.21

É PRECISO ESCOAR A KOISA

 
Uma mulher negra, com um olhar divagante, coberta de panos amarelos sentada num banco de madeira pintado de verde, no jardim da Praça. No banco ao lado um Sr. de camisa e calças vermelhas, estirado num banco também verde à sombra de outra acácia ainda mais verde.
O sino do relógio vai dando badaladas bem compassadas ao ritmo do calor hoje mais abafado, será que vai haver tchuva?
Passam mulheres e mulherzinhas agrupadas, com as bundas arrebitadas todas janotas em direção à igreja já apinhada de crentes para a missa domingueira. Espreito discretamente e parece-me haver ali um fervor amornecido, uma entrega naturalmente física à devoção, neste caso católica, mas a fé lá no fundo terá algum nº de porta?
No jardim, um casalinho namora espreguiçadamente num outro banco de cimento já sem cor. Ela deitada sobre o colo ali à mão de semear e ele com as mãos dedilhadas no corpo da paixão. No chão quente do dia as suas sombras estremecem sem eles darem por isso. Evolam-se pelo ar formas de tesão & paixão, cores encarnadas vivas que até acordam as flores sonolentas à-volta.

Volto a dar 1 longo passeio pelo Plateau (1),sem deixar de passar pelo mercado onde as cores e os aromas levantam os sorrisos das vendedoras. E volto ao lugar. A meu lado, encostado à fonte central com uns barulhinhos de cascata, está um homem com o cachimbo adormecido na mão e um ar de quem já não espera nada & também não se rala com isso. Talvez esteja em plena divagação do seu ser, talvez seja mesmo o seu modo de estar, talvez a luz do seu olhar esteja toda estancada no pequeno sol de dentro, mas o que sei eu?
Passam mais meia-dúzia de moços todos coloridos e alegres, entretidos com eles próprios em direção aos finais da missa, na igreja matriz de traça colonial há dois séculos ali plantada. É a hora das moças saírem e acontecerem luzinhas entre os olhares.
Ouço o barulho de uma moto bastante na Av.ª Amílcar Cabral e leva atrás, de reboque, um gajo de patins a deslizar por ali como gente grande, lá vai ele a espalhar o seu imenso sorriso branco pela cidade adiante
 
Adiante, adiante que é sempre tempo para se ser feliz.

 

 

(Cidade da Praia. Ilha de Santiago. Cabo Verde.)



(1) Zona histórica central da cidade da Praia.

 

~ ~ ~

 

P.S. Texto integrado no livro de contos, " lusófonos ":
 O OURO BREVE DOS DIAS
 

2.2.21

Lançamento do livro: O OURO BREVE DOS DIAS.


 













Foi lançado em São Paulo, (Brasil), o meu Livro de Contos: 

O Ouro Breve dos Dias.

Para já, em  formato ebook.


O Livro em formato ebook e igualmente em suporte papel, será divulgado logo que possível, em Portugal.


( Contém contos escritos em vários locais do  Brasil, Cabo Verde e Portugal.)


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O autor publicou anteriormente os seguintes livros de poesia:


 - O Triângulo de Ouro (Prémio Revelação de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores – 1987), Editora Justiça e Paz, Porto, 1988.

- As Mãos e as Margens, Editora Limiar, Porto, 1991.

- A Primeira Imagem, Editora “Sol XXI” – Lisboa, 1998.