Pintura: J. A. M. |
Palavras,
palavras, por vezes
Palavras,
palavras, por vezes cansado das palavras fico completamente à escuta, vazio por
dentro, parado, virado para fora. Como se o meu corpo fosse uma harpa aberta
aos sons que passam. E então há um outro sol a cobrir as formas do Mundo, o
grandioso coração do Universo começa a bater como um pêndulo maduro, a
água no corpo a murmurar lá no fundo como nos oceanos e a beleza epidérmica das
coisas à volta aparece sem nomes, a vida total continua a transformar-se sem
eira nem beira.
E
então, vejo que nada em mim é o que sei e sinto, nada em mim é apenas uma ilha
a desenhar horizontes de palavras, letras que se juntam para criarem um círculo
um entendimento, nada disto tudo faz sentido, sem a Luz e a vastidão da Terra
com sementes e as flores e as plantas e as árvores e os frutos e as aves e as
pessoas, as pessoas a encherem-nos os dias e as noites.
J.
A. M.
in,
“ O Ouro Breve dos Dias”. 2021.
( Livro
de contos, escritos em Portugal, Brasil e Cabo Verde )
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