José Alberto Mar. Com tecnologia do Blogger.

30.11.24

EXERCÍCIO ALEGÓRICO À BELEZA

Pintura. J. A. M.

 

Longos dedos têm o silêncio

nas muitas palavras acordadas. Inventam

rios de peixes completos na cor

estrelas austeras como cardos

e das fontes por onde bebemos

não a água, mas a sede

chega-nos ao rosto esse anónimo jardim

com sementes sonhadoras ainda

em exercícios geométricos e sonâmbulos

onde invisíveis mãos já tocam extasiadas

uma repentina beleza para os nossos olhos.


( J. A. M.)

 

15.11.24

O TRIÂNGULO DE OURO

Pintura. J. A. M.

 1
 
Enquanto expões o rosto
o mundo atravessa-te o corpo a meio
e de ambos os lados
ficas nu.
 
2
 
Venha essa nudez trazer-me a simples explicação
para as incertezas serem tão grandes
e as mãos poderem tão pouco
tanta matéria com sinais.
 
3
 
Colher escolher à tona o desejo mais fechado
entrega-lo aos olhos e dizer: como acontecesse o coração
no seu exato pensamento. Onde felizmente
há música na geometria dos astros
e um início de ouro a cada momento.


(J.A.M.)

18.10.24

Deus viaje em nós

Pintura. J. A. M.


- Dizem: Deus viaja em nós perante o imenso espetáculo do desconhecido.

- O poeta pergunta, separa um a um os raios do sol interior que em si afoga.
E cercam os seus limites.
Tenta encontrar-se.
Mas fica sempre um eco de um grito, que depois é um outro e mais outros, onde o poeta se transforma através de um domicílio sem dono.

 



( J.A.M.)

7.10.24

Não é fácil ser alto por dentro

Pintura. J. A. M.

 

Há pétalas de flores incógnitas na noite e neste céu há mais estrelas.
E as pétalas rebentam libertadas por uma luz que transpira sombras.
 
- Eu sabia que podia descer ou crescer no desafio, eu sentia o halo aventuroso da vida, eu despertava vagarosamente para os enigmas do sol.
 
Mas…entre mim e todas estas promessas, o tempo era o inicial ramo de pétalas, o enigmático intervalo que, tantas vezes, trazia uma fadiga na procura.
E, igualmente me basta, porque cintila sempre um coração em arco, um halo de concha vidente, que obstinam os meus desejos de ser humano.


( J. A. M.)

27.9.24

" Veritas lux mea "

Pintura. J. A. M.


Como uma borboleta perturbada á volta da lâmpada acesa.
da cega lâmpada no olhar da borboleta.

- Até onde nos sustenta a lucidez da luz?


( J. A. M.)

19.9.24

Um Poema na Escuridão

Pinturas. J. A. M.

 

A meio da noite quando
os astros fulgurantes aceitam a luz silenciosa das raízes
do mundo 
e há vozes que cantam hinos incógnitos de uma vida
eu escuto
eu adormeço para um outro sonho
mais acordado
por onde se desvanecem todas as quimeras
que preencheram mais um dia.


( J. A. M. )

11.9.24

( entretanto ama os teus amigos)

Pintura. J. A. M.

 

Viemos de longe.
Da vagina das mães, prenúncio dos dons cósmicos, a inaudita descoberta
- rebentam-me os lábios com tais palavras.
 
Uma luz impaciente invade-me. Eis o prestígio do que é diário e parece comum. As ondas desdobram-se em ondas. O mar respira, inspira, não se esforça por ser, em vertigem, em confissão, em celebração – naturalmente.
Eis a exatidão do que em nós também é. E esquecemos.
Dissimulados nos dons, somos sempre o desconhecido lugar da saída, com todas as portas abertas.
Uma cegueira enorme escuta o silêncio, depois do confirmado enredo da vida. Estamos aqui, a palavra repete-se: “aqui” e a onda desaparece nas areias dos nossos distraídos desertos.
Inalterável esta estória refugia-se mo corpo. É o corpo que enobrece a distância, é o corpo que abre as distâncias, é o corpo que se despede das distâncias.
 
Ninguém perturba ou acrescenta o teu caminho. Somente quem chamas.
E olhas á-volta e vês o que és.


( J. A. M.)
 

6.9.24

Um Sopro Distraído

Pintura. J. A. M.

 

Aqui ao lado, as folhas das palmeiras continuam penteando a aragem que corre atrás de si e por vezes alarga-se até à mesa e leva-me as outras folhas, as palavras, o que me importa?

Na rua as pessoas passeiam-se devagar no meio do tempo. Saboreiam os encontros, param aqui e acolá, trocam poucas frases, poucos gestos, coisas simples, como um sorriso cúmplice na caminhada, já é Tanto!

Um pescador idoso, de boné ainda vermelho e corpo fechado, está esquecido ou estará a lembrar-se, a olharolhar o mar como se lesse um texto antigo.
Alguns barcos assinalam o horizonte e ampliam o céu.
 
Há em tudo uma paz impossível aproximando-se a um sopro distraído de deus no meu olhar.

 


( J. A. M.Gaibu. BR)

30.8.24

SERES COMUNS

SERES ESTRANHOS. Pintura. J. A. M.

há pessoas assim, chegam-nos sei lá de onde, instalam-se num lugar qualquer mais substantivo do nosso corpo onde ciclicamente amanhecemos e morremos e parece que as levamos conosco para todos os lados, sem darmos conta da leveza que nos dão. 

E através do tempo, prolongamo-nos entre pensamentos, sentimentos e palavras anónimas em conversas mais íntimas, sem nada sabermos do que acontece e que importa?


( J. A. M.)

20.8.24

Quanto demora uma idade a ser luz?

As Janelas da minha alma. J. A. M.

 

Alguém passeia-se algures por caminhos e paisagens onde há pedras pelo chão e acontece-lhe curvar-se de repente, por algo que o chama sem dar-bem-por-isso e há um diamante entre as suas mãos, o olhar turva-se pelo brilho que o sol, atento a tudo onde há vida, lhe oferece no mesmo instante e depois há quem veja logo ali um presente, ou há quem não dê conta do vislumbre que lhe aconteceu e continue apegado aos seus hábitos, atirando o pequeno seixo para as águas de 1 rio que desliza por perto no seu ocaso indiferente a tudo isto.
      Os hábitos escravizam, tornam-nos cegos.
    Todos os dias acontecem coisas assim, parecem banais porque são diárias, mas não o são, não.
     Nada é banal nesta vida que nos está acontecendo.
    E por aqui os diamantes não têm quaisquer preços, são iluminadas fontes metafóricas, criadas pela infindável sede que habita os profundos lençóis da Terra. E das pessoas, também.
  

- Quanto demora uma idade a ser luz?


  (Ourique. Alentejo. Portugal)

 

P.S. texto do Livro de Contos Lusófonos: O OURO BREVE DOS DIAS.


( J. A. M.)

16.8.24

os jardins reinarão e no final haverá deuses

Pintura. J. A. M.

 
Solitário e caído como a chuva, quero erguer
as florestas ressoadas ao longe, o manso som
dos camelos no deserto, pela noite adiante
até que enfim, os jardins reinarão
e no final haverá deuses.

E, no entanto, há um olhar derradeiro no fim das visões
tudo o que é felicidade começa e acaba por uma torrente
vou dizendo, vou tentando entrar pelo lado
mais surdo onde estás adormecido, morto de todo
e eis, o meu fiel cantar, a casa liberta, a estrela livre
o espírito aberto, e eis que aclamo: o teu sol total
a luz íntima e simples desse fim
onde já moras sem margens sem caminhos
sem paz nem alegrias
alternando as rosas e os espinhos
quando acordas. Quando?

Já não estás vivo, e ambos o sabemos, agora só imagens
por fora, só pontes rios e ecos enchem as cabeças
ressoam ao longe pelas noites onde vives esquecido
e depois?
Um dia destes partes para outra luz
cheia de escuridão negra, luz assim ressurgida
desde o princípio dos homens, desde o início da Terra
entre os Sr.s e os seus povos escravizados.
 
Vamos um dia destes unir os abismos da sabedoria?
Vamos ao silêncio dourado, vamos celebrar?
Vamos quebrar, a constante unanimidade das fontes secas?




( J. A. M. )


 

 

 

 


15.8.24

Poesia ta liga nôs koraço

Pintura. J. A. M. 

flores secas de buganvílias de várias cores rodopiam pelo chão.
Um sopro morno aproxima o mar.
E as folhas das palmeiras afastam as nuvens.

O sol regressa
e as pupilas voltam a ser barqueiros.



( Cabo Verde. Agosto-2024)

21.7.24

Desisti da arte da cegueira

Pintura: J. A. M.

 

Depois de vários anos em sobressalto, de pergunta em pergunta: fecho a arte do alvo e das setas. Desisti da arte da cegueira.
Porque afinal o olhar apenas vê os exílios cintilantes, os que decidem florescer pelo lado de fora.
Agora procuro escutar o dom dos desejos que veem das nascentes do coração. 
Inclino-me perante os dias e a luz entrega-me os seus segredos. Os  2 olhos ampliam as (suas) margens. As margens do Grande rio. E o olhar materializa pontes transparentes. E a  vida acontece. E o fluxo permanece.
Deixo nas palavras apenas um rasto como um refúgio que me apazigua.


( J. A. M.)

 

19.7.24

"Monte Cara"

Foto. J. A. M. 

 

Os ramos das palmeiras ao sabor da leve brisa
e os sons frescos encaminham-me para o mar
onde vejo um pensativo rosto de pedra.

Feliz escureço, o olhar à procura
da lua, esse vaso de luz
onde uma das luas se deita
e então eu sou, a sombra pousada
dessa luz alheada.

 

(Cabo Verde. Ilha de São Vicente. Mindelo)

 

12.7.24

passeio a dois

CAMINHOS. J. A. M.

 

Era uma paisagem feita de distâncias, sons longínquos de um mar que apenas se pressentia e o leve aroma de flores silvestres que amadureciam o luar.
Caminhávamos com as mãos dadas e os rostos prolongados algures no fundo do silêncio de cada um.
De vez em quando, inesperadamente, olhávamo-nos e criavam-se pontes que pareciam surgir de outros mundos. Não havia palavras.
Depois tudo voltava a parecer normal.

Eram as paisagens que entravam em nós, e nós propriamente dito, apenas deambulávamos como dois espelhos transparentes.


( J. A. M.)

 

3.7.24

O eco do "Grito"

O eco do "Grito". Pintura. J. A. M.

Vinham de longe. Eram aves prematuras.
Ainda com as chamas das florestas extintas. Nas asas
a esperança nos homens aturdidos pelos dias presentes.

Sinais que desembocam nos olhares de quem ainda insiste em estar vivo.
E somos muitos.


( J. A. M. )


16.6.24

Uma ciência que ainda é mistério

Pintura. J. A. M.

 

A noite prolonga-se nas águas do corpo. Há uma ciência minuciosa por dentro. Dentro das grutas, dentro das ondas contra as impávidas rochas, dentro da espuma luminosa e sombria.
Uma ciência que ainda é mistério.
 
Lá fora, o silêncio inaugurado sob a pouca flamância das estrelas.
Fechadas as portas do sono, alguém escreve, enquanto não acorda do sonho que o embala na vida.


( J. A. M. )

14.6.24

O Universo do Amor e o Universo do Medo

Pintura. J. A. M. 



Por aqui, neste mundo, à minha volta: 2 universos, apenas. O Universo do Amor e o Universo do Medo.
Cada um com inúmeras portas e janelas e nomes encobertos e descobertos por onde se entra e sai e se volta a entrar e a sair.
Diariamente, luminosamente, noturnamente.
O círculo a levantar-se em espiral, ainda a sobrevivência do macaco nas demonstrações da luz ou a luz derramada em forma de cruz.
Tudo crenças.
Tudo inscrito, tudo escrito em todos os lados, dentro das cabeças, na água oceânica do interior dos corpos, nas paredes inventadas por fora e por dentro, nas alegrias e na dor.

 
- De que lado crescem os teus dias ?


(J. A. M.)

3.6.24

auto~retrato


um vento leve
vindo do mar
acorda as velas do barco

Mais uma viagem se aproxima.


( J. A. M.)

Primavera

PORTA  de  LUZ. Pintura: J. A. M.


 

As imagens tocam-me, mas não sei
se vejouço ou então só em parte
estarei vivo.

O ar habita-nos por dentro e por fora.
Ao sabor de fronteiras incertas. Às vezes
outro sol nasce em nós.

E então penso:
as flores em Maio dão-me para olhar.


( J. A. M.)

 

 

 

 

25.5.24

ELIPSE PARA OS OLHOS

 

Pintura. J. A. M.


Em cada gesto
um ofício sem idade
dizendo os corpos em sobressalto
entre as coisas circulares da vida.
 
E quem já esteve em muitos continentes
principia e acaba olhando o Mundo
pelas suas formas
e aí morre qualquer hábito
e a vastidão da Terra com sementes
à memória da vida
e das coisas que acontecem.


J. A. M. )
 

14.5.24

O Jogo

Pintura. J. A. M.

 

Do jogo vêm as mãos caçadoras
a seta incerta no coração da sorte
corpo tangente com um lado intocável
e por mais que os corpos se ousem
o desafio é sempre a veia inicial. O risco.
O acaso. A ilusória aparência de um encontro
sem testemunhas evidentes.


in, O Triângulo de Ouro -

( J. A. M. )

11.5.24

as cores dentro do fogo

Pintura. J. A. M.

 

Olho-te agora de longe. O teu rosto enaltece a luz que desce entre os muitos ramos das enormes árvores à-volta e ao mesmo tempo é uma luz que sai de dentro de ti. Com um sorriso leve reflexo de um  pássaro suave que vai voando. Entre ti e o momento, entre ti e a minha discreta doação ao que no fundo sinto seres, recordei agora esse momento fugaz entre o marulhar dos pequenos peixes na água do rio e os teus pés à beira descalços e acesos no meio da fogueira que agora me apetece imaginar.(...)


( J. A. M. )

25.4.24

Um barco desliza nas águas ao de leve sonoras

O meu Barco. A viagem. ( Pintura. J. A. M.)

 

de quem só olha.

Há em tudo uma paz impossível, e eu vejo o teu rosto e tu pareces não ser.
Olho-te de novo, e tu olhas-me assim:
tão perto e tão longe, no fundo de mim, que me deixas mais nu.
Eu sei:
és aquela que me chama do fundo das águas
que agora nos unem.
Eu sou aquele que apenas procura
e te entrega o silêncio inteiro das minhas duas mãos nas tuas.
Pois, no fim desta escuridão
somos sempre sozinhos.
A partir de agora, entre nós
não haverá mais segredos.


( Rio Preguiças. Br. ~ J. A. M. )
 
 
 

Poema em Saldo Nº25



uma data que regressa sempre
transparente à cabeça
um sino pendular nas cavernas do corpo
e então escrevê-lo é abrir as potências
do sangue, dos pés até à raiz
dos cabelos, deixar crescer
a vida circular dos dias
pelo silêncio poderoso
se fundamenta um olhar
(foi) um sonho, uma estátua invisível
dentro da memória
ordena-se o esquecimento
mantendo sempre a respiração do Mundo
entre muitos e muitos horizontes.


(J.A.M.)


12.4.24

Já não me lembro se era uma luz

Pintura. J. A. M.

 

Já não me lembro se era uma luz exterior ou
por dentro de mim, mas tudo estava incandescente
de uma forma natural e o Mundo
tinha um amplo sentido exato
em todas as coisas.
 
A certa altura, olhei-me de longe
e com o passar do tempo aprendi
a esquecer-me de mim.
 
No entanto, sou cada vez mais
esse vaso de luz
onde a luz me ensina.


( J. A. M.)
 
 

8.4.24

para alguém será

Pintura. J. A. M.

 

e tu que vieste da escuridão dos meus sonhos
entre o corpo e o sal adormecido
agora na violência deste silêncio apenas
desenhas um só nome: saudade.

Entre esses arquipélagos eis a sombra
da minha espera
enquanto as minhas âncoras acendem
as raízes do mar por onde indago
o céu & a terra
e este sentimento obscuro e fundo
que me entrelaça a ti.


( J. A. M.)




10.3.24

O Grande rio

Pintura. J. A. M.


Conheci uma mulher num país distante, era bela e serena e atravessava os dias, os meses, os anos com uma candura sábia de quem sabe que um dia também iria morrer, como tudo o que está vivo.
No jardim, seu lugar preferido, sentada num banco de madeira, cuja cor já não se sabia. Ocupava-se a olhar as flores à volta com um vagar e o inverso de uma aparente displicência especial, para mim inteiramente incógnita, até hoje. Às vezes olhava o horizonte, às vezes levantava um pouco o rosto para o céu e aqui, era à noite que se demorava mais.
Ao lado quase sempre um livro que a brisa desfolhava quando calhava. Ela parecia ler no ar as palavras que, entretanto, se evolavam das folhas. Parecia nunca usar as mãos e em vez dos braços eu imaginava asas que nunca vislumbrei.
Nunca lhe perguntei nada acerca das artes destes gestos tão silenciosos como as pedras que rodeavam os canteiros. Houve alturas em que me viu olhá-la de longe parecia estar sempre isolada, no entanto eu sentia uma levíssima sensação fresca e inquietante do lado agradável das novidades.
Retrocedia para as minhas tarefas, o pincel, o papel, os quadros, as cores do meu mundo.
De vez em quando, amávamo-nos através dos corpos e parcas palavras. Adivinhávamo-nos através de olhares demorados que continham tudo o que os nossos seres confirmavam.
 
Um dia fui ao jardim, onde era o seu lugar e vi-a adormecida. Chamei pelo seu nome, diminutivo que só ambos conhecíamos, toquei o seu rosto frio, mas apenas vi as flores, todas as flores debruçadas sobre si próprias exalando aromas mais intensos e os frutos maduros das poucas árvores a caírem um a um.
 

(J.A.M.)

 

23.2.24

A vida talvez seja atravessar pontes

Pintura. J. A. M.

A vida talvez seja atravessar pontes. Entretanto viver
os rios que vagueiam por dentro e por fora de nós.
Escurecer com as noites.
Iluminarmo-nos com os dias.
Por fora e por dentro de nós.


( J. A.M.)

20.2.24

Pintura ( 1978?) J. A. M.

enlouqueci devagar como as plantas
para as suas flores


( J. A. M.)