Estava eu, no sofá sossegado a fazer nada, quando a minha vizinha me acordou para fora deste delicioso elevo criativo, com um frenético toque de campaiiiiinha que, enfim. Lá fui à porta e depois fiquei desarmado, mas com uma revista nas mãos que se tinha perdido por entre as caixas de correio.
Agradeci o favor, que obviamente não foi favor algum mas um grandessíssimo corte e por qualquer razão que agora não me apetece saber, abri a dita revista da câmara municipal cá da zona, que não tinha muitas folhas mas parecia Grande devido à generosa espessura das folhas, e caí logo na pág. 16. O 16? Como sou adepto fervoroso até incerto ponto, das numerologias, fiz automaticamente as contas e zás ali estava o tal 7, o número mágico por excelência nesta civilização onde deus me obriga andar, e pus-me logo-imediatamente a pensar onde poderia encontrar a tal magia. Então comecei pelo título da pág."desporto, saúde & bem-estar". Quando cheguei ao "bem-estar", fiquei um pouco aliviado mas logo-simultaneamente intrigado, pois havia muita matéria junta que transbordava um-não-sei-quê do título para encher as medidas de quem tem a intenção sub-reptícia de convencer outros de algo que só tem haver consigo próprio, no intuito para mim claríssimo de um lucro sorrateiro qualquer. Mas pronto.
Vim por ali abaixo, ultrapassei os obstáculos que surgiram, e o pior era o tipo de letra, para não falar da horripilante mancha gráfica, até que me deparei com a palavra "Aviso". E aí, estanquei mesmo definitivamente, com todas as minhas forças possíveis, fiz um momento de cabeça atirar para uma maior
concentração no assunto e pus-me a ler o dito aviso para poder continuar a escrever este artigo de momento, sem qualquer futuro à vista desarmada, pois a vida de um cidadão neste país é um eterno desarmamento de tudo o que é Vida realmente. A coisa começou a complicar-se, tudo aquilo na minha cabeça eram artigos a maiss, mais os "decretoss-lei" e as "deliberaçõess" com datass & tudo, maiss os "capítuloss" & os "subcapítuloss",,, Ei, minha nossa Sr.ª, comecei a ficar farto, farto, enfardado de todo, pois considero-me uma pessoa minimamente culta, minimamente inteligente, minimamente capaz de ler e entender um mero artigo de uma Revista de Informação Camarária, mas efectivamente não entendia patavina daquilo.
Adiante. Trocado por miúdos, e muito bem espremido o fruto podre, tratava-se do quê?
De um aviso para avisar o povo destas bandas de que foram avisados de que há um prazo de 30 dias "úteis" (ainda estou para descortinar o que é isso de dias "inúteis"..)” para se realizar uma "discussão pública" acerca de mais uma alteração ao não-sei-quê, que logicamente tem o seu quê de mudança relevante para alguém e o pessoal até tem de ser informado segundo a lei em vigor e essas lerias ditas democráticas, deles.
Agora a questão aqui complicou-se ainda mais, porque na parte final diziam ao povo que 1º tinham de ir a uma determinada morada (que, Vá Lá ! estava ali escarrapachada inteirinha para quem a quisesse ), para consultarem o tal assunto fundeado no enigmático número 7, e depois quem quisesse até podia, enviar reclamação ou sugestão, nas "horas normais de expediente". Só estas palavras do final da frase, atiraram-me abruptamente para profundíssimos momentos de reflexão acerca deste lado da questão: o que são horas "normais" para eles? Onde param as horas anormais, que eu nunca as vislumbrei ? E qual será o expediente lá do sítio? E no expediente de lá, há lá alguém ou será a habitual es-pe-ra-es-pe-ra ?Mas
o que mais me deixou desanimado de todo, confrangedoramente deprimido mesmo, comigo próprio e com o mundo e até com a Humanidade , foi o facto de perceber - creio bem - que numa declaração tipo preto no branco acerca de uma DISCUSSÃO PÚBLICA, o pessoal era Afinal convidado, nestes modos enviesadamente anacrónicos e absurdamente obscuros, a ENVIAR CARTAS, se quisesse (verdade seja dita, não vi neste textozinho nenhuma insinuação velada ou não, acerca de uma possível punição ao adoptar-se uma atitude de abstenção - Apesar de tal modo de criar Medos andar muito na moda).
E. Pronto. Continuo a não entender nada acerca do modo de pensar e agir dos Senhores que nos governam democraticamente eleitos & tudo e para ver
se alguém me poderá ajudar neste momento um tanto ou quanto confuso da minha vida, vou surripiar uma garrafa de vinho da parte mais nobre da minha modesta garrafeirazinha, e vou ter com a minha simpática vizinha.
Vou tocar à campainha, muitíssimo ao de leve, só um toquezinho de quem está ali, triste como a noite e também muito só, apenas com uma prenda entre as duas mãos e um sorriso naturalmente levíssimo no meu rosto aparvalhado de todo.