José Alberto Mar. Com tecnologia do Blogger.

27.2.21

SOMBRAS ACORDADAS


Trabalho Visual. Autor: J. A. M. 













(ao Victor Mendes)

 
        Está um dia quente e quanto ao resto é indefinito. Podi tchobi! ...óh podi ca tchobi! ...Deus qui sabi? (1)
    Estou sentado na varanda do meu quarto na Residencial Sol Atlântico, com um padjinha(2) amornecido entre os dedos e a pastar o olhar pelo murmurinho geral.
    Uma negrinha aí pelos 3 anos brinca na Praça Alexandre de Albuquerque com uma boneca, enquanto a mãe sentada por detrás de uma tendinha, olha à volta como se nem esperasse cliente. Tem à venda rebuçados chocolates amendoins tabaco fósforos, coisas claramente várias e agrupadas numa ordem naturalmente colorida.
      Aproximei-me da circunstância e pedi à Sr.ª um pedaço de rapé que embrulhou muito delicadamente num pedaço de jornal, kela é kantu?(3) Ela lá disse com um sorriso morabi (4) enquanto eu continuava atento à menina toda entretida a pentear com os seus próprios dedos, os longos cabelos loiros da barby, comprada com certeza numa das muitas lojas dos chineses por aqui. 
     De repente, olhou-me e demorou-se como quem se dá conta de um rosto com a pele igual à do seu bebé. Apeteceu-me dizer-lhe algo, mas para além do sorriso cúmplice e desairoso as palavras ficaram-me embarcadas na garganta. O que que eu lhe poderia dizer acerca das infindáveis cores deste mundo e dos homens que separam & dividem tudo?
     Ajoelhei-me até aos seus olhos límpidos de todo, peguei-lhe nas mãos juntas, dei-lhe um beijo sentido na testa e senti-me perdoado.
 
    Quando me voltei, tinha os olhos marejados, creio que pela penumbra densa do nevoeiro que descia, inclinei-me para a rua 5 de Julho em direção à “Gruta”(5) do Neilito, enquanto a noite se instalava na cidade pareceu-me ouvir o eco dos ritmos de um pilão(6) celestial, algures. Os sons acompanharam-me até ao final do jantar e levaram-me pela noite adiante onde, mais uma vez, me deixei perder pelos caminhos de deus, entre estrelas descidas luas abundantes e várias pessoas que se tornaram amigas pelas naturais leis das luzes.

 

 



(1) “Talvez vá chover, talvez não, só Deus sabe.” (crioulo do Sotavento).
(2)  Cigarro de erva medicinal, elaborado manualmente.
(3)  “Quanto custa?” (crioulo do Sotavento).
(4) “Amável, afável, atencioso(a), delicado(a), gentil, simpático(a)”. A morabeza é tida pelos cabo-verdianos como algo difícil de traduzir (como a palavra saudade em português) e exprime um sentimento tipicamente cabo-verdiano, análogo à osprindadi na Guiné-Bissau.
(5)  Tasca.
(6) Utensílio feito de madeira, idêntico ao almofariz, com uma altura média de 60 cm, utilizado para moer alimentos com um pau de madeira mais rija, e com a extremidade arredondada (mão do pilão).

     

 (Cidade da Praia. Ilha de Santiago. Cabo Verde)



P.S. texto integrado no meu Livro de Contos "lusófono":

O OURO BREVE DOS DIAS.


18.2.21

Alguém passeia-se porque lhe deu para tal

Foto trabalhada. Autor:  J. A. M. 










 

     Alguém passeia-se algures por caminhos e paisagens onde há pedras pelo chão e acontece-lhe curvar-se de repente, por algo que o chama sem dar-bem-por-isso e há um diamante entre as suas mãos, o olhar turva-se pelo brilho que o sol, atento a tudo onde há vida, lhe oferece no mesmo instante e depois há quem veja logo ali um presente, ou há quem não dê conta do vislumbre que lhe aconteceu e continue apegado aos seus hábitos, atirando o pequeno seixo para as águas de rio que desliza por perto no seu ocaso indiferente a tudo isto.
      Os hábitos escravizam, tornam-nos cegos.
    Todos os dias acontecem coisas assim, parecem banais porque são diárias, mas não o são, não.
      Nada é banal nesta vida que nos está acontecendo.
    E por aqui os diamantes não têm quaisquer preços, são iluminadas fontes metafóricas, criadas pela infindável sede que habita os profundos lençóis da Terra. E das pessoas, também.
 

- Quanto demora uma idade a ser luz?

 

(Ourique. Alentejo. Portugal)


P.S. Texto integrado no Livro de Contos: O OURO BREVE DOS DIAS.

14.2.21

~ blue men on fire ~

 

Depois de viajar por muitos universos, as asas descem
mais cegas
mais frágeis
apenas dois olhos na luz possível.


Por aqui, neste mundo, á minha volta: 2 universos, apenas: o Universo do Amor e o Universo do Medo. Cada um com inúmeras portas e janelas e nomes encobertos e descobertos por onde se entra e sai e se volta a entrar e a sair. Quase eternamente. O círculo ou a espiral, ainda a sobrevivência do macaco nas demonstrações da luz ou a luz derramada em forma de cruz. Tudo crenças. Tudo inscrito, tudo escrito em todos os lados, dentro das cabeças, na imensa água do interior do corpo, nas paredes levantadas, por fora e por dentro, nas alegrias e na dor.

 ( J. A. M. )

Pintura. Homem  azul ardendoJ. A. M. ( 2021)

12.2.21

Vivemos dias em que há uma escuridão sem rosto

Autor: J.A.M.

 












Vivemos dias em que há uma escuridão sem rosto

como um lençol negro caído sobre os nossos hábitos

e assim é mais fácil conhecer as dores dos corpos

(alguns são corpos caídos na luz final

onde parece não haver retorno ...)

mas quanto às almas, quanto às almas, quem canta isto?

um novo mundo que já começou.


(J. A. M. - 21)


Disturbed - Sound of Silence "Legendado em Português": https://youtu.be/RM3sQ3Omz0w


8.2.21

Ponta d´Areia











( St.o António de Alcântara. Maranhão. Brasil. Foto: J. A. M. )



     Estou na Ponta d’Areia (1). Deitado ou sentado à sombra, aí uns 30 e tal graus.
O guarda-sol é cor de mangas maduras e eis à minha frente o mar vivo e aceso. Do céu vários azuis luminosos descem naturalmente sobre tudo o que é vida.
     À minha volta, o povo espraia-se finalmente no seu domingo.
     As crianças vivem à solta por aqui, onde o mar deslaça dia & noite as suas ondas e elas, as crianças, dão cambalhotas e correm chapinhando a água dócil, entre pequeno sal/tos de quem está mesmo felizmente feliz e quer continuar assim, sem precisar de o querer. Há gazelas morenas, umas a seguir às outras, é difícil acompanhar com a merecida atenção tantos ritmos ondulantes e belos, sob este sol de Deus. Passa uma caipira (2) com o peso dos anos no rosto grudado pelo sal que vagueia pela aragem e com uma caixa transparente no braço leva ovos de codorniz, camarão cozido, umas comidas que outros irão comprar, com certeza.
     Olhando para trás, vejo 2 candeeiros públicos ainda acesos, o que não me espanta (pois em Portugal também acontecem estes descuidos) a despontarem entre as cabeleiras verdes das árvores sossegadas e claramente alheadas do assunto. É de lá - dessas bandas - que chegam até aqui aquelas músicas populares, sempre a tocarem as esferas do coração. Muitas pessoas cantam-nas em grupos e alegram-se simplesmente assim.
     Um papagaio caiu, tombou mesmo agora a meus pés e re/ paro que é feito de plástico, que já foi saco de supermercado + uns pauzinhos de coqueiro aliados, e ainda mais agora, o menino já o ergueu no ar e aquela coisinha frágil como Tudo, dá curvaS sozinho com a cauda louca sem tino e esburaca o espaço, rodopia veloz e depois ,,, cai outra vez no chão aparentemente sólido do mundo e a criança continua a ser criança a brincar e já é muito, tomara eu.
     A menina do bar, mini-saia de ganga boa perna, camiseta vermelha desabotoada, bandeja prateada na mão esquerda, já aviou mais umas garrafas de Sol (3) a uns jovens que estão pr’ali num forrobodó evidente e regressa ao balcão, esvoaçando um olhar geral pelas mesas dos seus clientes.
    Um bandozinho de sabiás-da-praia passa à frente do meu olhar a rasarem o grande areal, com cadeiras e mesas azuis, vermelhas e brancas e desaparecem numa curva uníssona do tempo, o que é feito deles? pensei, enquanto uma outra parte de mim se regala a misturar as cores do cenário em jogos infindáveis.

     Lá adiante, lá mesmo ao fundo, onde o céu se afunda numa tira horizontal de água mais cintilante no brilho, faz-me lembrar que amanhã irei a Stº António de Alcântara, por onde um touro (4) passeia a sua estrela de cinco pontas na testa carimbada, em noites de lua cheia.

 

 

(1)    Praia localizada a cerca de 4 km do centro da cidade de São Luís, muito movimentada principalmente aos fins de semana, pela população local.

(2)    Pessoa humilde do campo, da roça, do interior do Estado.

(3)     Marca de cerveja brasileira.

(4)    Segundo uma interpretação livre de lendas populares brasileiras, na lha dos Lençóis, D. Sebastião mora num palácio de cristal que se ergue no fundo do mar próximo à ilha considerada encantada. Consta que o rei vagueia pela praia, durante a noite, na forma de um touro com uma estrela de ouro (ou de prata), na testa. Se alguém conseguir atingir a estrela e ferir o touro, o seu reino será desencantado e D. Sebastião poderá regressar a Portugal.

- Há quem relacione estas lendas, com a possibilidade do “5º Império”.

 

 

(São Luís. Estado do Maranhão. Brasil)

 

 

P.S. Conto integrado no Livro: O OURO BREVE DOS DIAS

Autor: José Alberto Mar.

 


5.2.21

É PRECISO ESCOAR A KOISA

 
Uma mulher negra, com um olhar divagante, coberta de panos amarelos sentada num banco de madeira pintado de verde, no jardim da Praça. No banco ao lado um Sr. de camisa e calças vermelhas, estirado num banco também verde à sombra de outra acácia ainda mais verde.
O sino do relógio vai dando badaladas bem compassadas ao ritmo do calor hoje mais abafado, será que vai haver tchuva?
Passam mulheres e mulherzinhas agrupadas, com as bundas arrebitadas todas janotas em direção à igreja já apinhada de crentes para a missa domingueira. Espreito discretamente e parece-me haver ali um fervor amornecido, uma entrega naturalmente física à devoção, neste caso católica, mas a fé lá no fundo terá algum nº de porta?
No jardim, um casalinho namora espreguiçadamente num outro banco de cimento já sem cor. Ela deitada sobre o colo ali à mão de semear e ele com as mãos dedilhadas no corpo da paixão. No chão quente do dia as suas sombras estremecem sem eles darem por isso. Evolam-se pelo ar formas de tesão & paixão, cores encarnadas vivas que até acordam as flores sonolentas à-volta.

Volto a dar 1 longo passeio pelo Plateau (1),sem deixar de passar pelo mercado onde as cores e os aromas levantam os sorrisos das vendedoras. E volto ao lugar. A meu lado, encostado à fonte central com uns barulhinhos de cascata, está um homem com o cachimbo adormecido na mão e um ar de quem já não espera nada & também não se rala com isso. Talvez esteja em plena divagação do seu ser, talvez seja mesmo o seu modo de estar, talvez a luz do seu olhar esteja toda estancada no pequeno sol de dentro, mas o que sei eu?
Passam mais meia-dúzia de moços todos coloridos e alegres, entretidos com eles próprios em direção aos finais da missa, na igreja matriz de traça colonial há dois séculos ali plantada. É a hora das moças saírem e acontecerem luzinhas entre os olhares.
Ouço o barulho de uma moto bastante na Av.ª Amílcar Cabral e leva atrás, de reboque, um gajo de patins a deslizar por ali como gente grande, lá vai ele a espalhar o seu imenso sorriso branco pela cidade adiante
 
Adiante, adiante que é sempre tempo para se ser feliz.

 

 

(Cidade da Praia. Ilha de Santiago. Cabo Verde.)



(1) Zona histórica central da cidade da Praia.

 

~ ~ ~

 

P.S. Texto integrado no livro de contos, " lusófonos ":
 O OURO BREVE DOS DIAS
 

2.2.21

Lançamento do livro: O OURO BREVE DOS DIAS.


 













Foi lançado em São Paulo, (Brasil), o meu Livro de Contos: 

O Ouro Breve dos Dias.

Para já, em  formato ebook.


O Livro em formato ebook e igualmente em suporte papel, será divulgado logo que possível, em Portugal.


( Contém contos escritos em vários locais do  Brasil, Cabo Verde e Portugal.)


 ~~~


O autor publicou anteriormente os seguintes livros de poesia:


 - O Triângulo de Ouro (Prémio Revelação de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores – 1987), Editora Justiça e Paz, Porto, 1988.

- As Mãos e as Margens, Editora Limiar, Porto, 1991.

- A Primeira Imagem, Editora “Sol XXI” – Lisboa, 1998.

 








 

 

 

29.1.21

Autor: J. A. M.

Existe vida em todo o Universo. Existem infinitas civilizações extraterrestres. Estamos todos ligados.
Como as raízes das árvores no fundo da terra.

24.1.21

Folhas douradas caídas

Pintura: J. A. M. 











eu sinto = eu sei, como Tudo é uma outra coisa alada

no sono das pedras

onde já respirámos o halo misterioso

da Vida como agora, tudo é um

agora


( J.A.M.-2021)





 

19.1.21

Estrelas apagadas

 

     Já a noite tinha sido iniciada, os pescadores juntos sentados calados curvados olhavam presos por um fio emaranhado de leves e ondulantes pensamentos o horizonte, como quem lia 1 texto antigo.
     Entretanto as nuvens de um lado para o outro, fragmentariamente orquestradas pelo seu próprio destino, lá iam impavidamente diferentes. Nada se cruzava e tudo estava ligado.
     Os barcos continuavam a baloiçar o cais. O mar sempre estivera ali como se fosse eterno. Como um eco longínquo que ainda perdura pelo poder dos olhares de muitas gerações.
     E os pescadores aguardavam como quem espera e também não, a hora da partida. Em casa os filhotes mais novatos choramingavam por comidas diferentes e as mães afagavam-lhes os cabelos, com um sorriso esboçado junto ao aconchego do útero.
 
     Os pescadores, disse-me um dia um amigo vagabundo nas viagens, viraram estátuas fixas e ali estancaram para o gáudio dos turistas que acudiam aos magotes & as crianças agora pediam moedinhas com uma vida inteira moribunda nos olhares.

 

( Póvoa do Varzim. Douro Litoral. Portugal )


~ José Alberto Mar ~


P.S. Texto  do Livro de Contos " O OURO BREVE DOS DIAS ", constituído por vários contos escritos em vários locais de alguns países lusófonos: Portugal, Brasil e Cabo Verde.

Brevemente acessível ao público.


10.1.21

For sale: “ Parallel Worlds ”











 SMAVE ART (This Work): https://smaveart.com/painting/parallel-worlds-jos-alberto-mar

Some Works: : https://smaveart.com/jos-alberto-mar

(In this World there are many worlds. In the Universe there are millions and millions of Worlds with Life, without end).


9.1.21

Uma trave no olho












( Escultura. Autor: J. A. M. )


“Por que vês o cisco no olho de teu irmão, porém não reparas na trave que tens no teu? Ou como poderás dizer a teu irmão: Deixa-me tirar o cisco do teu olho, quando tens a trave no teu?” (Mateus 7:1-5)


18.12.20

~ Green Maze ~











( Pintura: J. A. M.) 

Se sentes essa novidade no rosto quando no coração há chamas
deixa-te levar, deixa pairar esse espírito em visita (...)

3.12.20

Não sei se volto a voltar


    ( Sol em Cabo Verde. Autor: J. A. M. )


Algures no Brasil cheguei a estar num Paraíso. E regressei.  Agora encontrei outro Paraíso. Não sei se volto a voltar. Começo por um dos lados: o mar sem fundo, no compasso di roncu di mar(1) a chegar claraMente até  mim. Depois há coqueiros esguios, altaneiros nas suas tranquilas danças  com a aragem muito ao de leve, afinal quem sopra por lá? E há as tamarineiras com os fortes braços erguidos para os céus e os seus frutos tombados doados à espera de quem lá chegue. Palmeiras com as suas folhas dobradas em devoção às 7 portas que iniciam as noites. Balançam-se também aos sons do mar, da lua que começa a ser maior no céu indefinito do meu olhar.

Estou nu, sentado com os pés apoiados na varanda azulzíssima e tomara eu estar assim tão nu por dentro. Agora vou colher uma cana de açúcar aqui do meu quintal e depois talvez vá soprá-la numa flauta vazia por aí adiante.

 Olhando, escutando, aprendendo a ser mais. 

O pássaro que me visita todos os dias merece agora toda a minha atenção. E ele já está ali, na sua árvore de eleição, misturado com as flores vivas cor-de-laranjas-acesas, pelo meio da folhagem verde escura porque efetivamente já é noite e tudo está demasiado claro para mim.


(1) “nos sons compassados das ondas do mar”. (crioulo do Sotavento).


 (Sidády Vêlha. Ilha de Santiago. Cabo Verde).

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P.S. Texto integrado no Livro de Contos, " O OURO BREVE DOS DIAS ", brevemente acessível ao público. Trata-se de um conjunto de textos escritos em alguns países lusófonos.

24.11.20

coisas noturnas










( auto-retrato. 2020)


até que enfim o Porto hoje era uma cidade viva às 3 horas da manhã ainda havia uma chusma de gente nas ruas à volta dos Clérigos e, enquanto resolvia comigo a estranheza da novidade, acabei por me sentar numa cadeira à frente do café Piolho. Havia pessoal desordenado, em grupos, falavam, riam, bebiam. Gostei. Havia também um aroma quente no ar & fiquei por ali o tempo de 2 finos frescos, ou foram mais?

Depois, atravessei a escuridão do jardim da Cordoaria, onde revi de soslaio, mas com natural atenção, as estátuas do Juan Muñoz. com aquela parca luz geral a gentinha do nosso hermano ganhava um ar mais severo e bizarro.                                                                                          Mas porque é que não estavam parados?


As extensas sombras pelo chão pareciam levitar ao som dos candeeiros sobriamente acesos. Ao fundo, ainda estalavam no ar as gargalhadas dos jovens, abrindo a noite a outras luzes mais


 ( Porto. Portugal. 2007 )

J. A. M. 


 P.S. Texto incluido no Livro de Contos,O Ouro Breve dos Dias ", brevemente  acessível ao público. O livro contém Contos escritos em alguns países lusófonos.


16.11.20

Outras vozes

 

por vezes, abrem-se outros sons, outras

luzes dentro

como acontece na boca das fontes

e é por aqui que algo em mim é mais humano

entre esta sagrada Terra e as estrelas às mãos de semear

entre tantas margens, os tambores celestes batem

e rebatem o meu coração.



( J. A. M. - 1980 ?)

 

16.10.20

OUTONO



 

As folhas despedem-se das suas árvores

castanhas, amarelas, verdes, vermelhas

às vezes

um adeus de sombras a voarem

 

vadias pela aragem enquanto a terra

não lhes dá colo.

 

Naturalmente, em breve despidas

as árvores abraçam o frio.



( J. A. M. - anos 80?)


12.10.20

INTERROGAÇÕES

 












( Pintura: J. A. M. )


1

 

Bate-me à porta a noite

o silencioso exercício do Mundo

acontece-me na mais pura beleza

do que parece estar nu.

 

Inspira-me a visão das linhas curvas

dos sons e a inutilidade das mãos

quando a intenção desta beleza é estar

à altura do espanto.

 

Sou, pois, mais um ser

dominado pela voz, cantando

o seu exemplo de onda transformada

em espuma

 

2

 

É sempre à noite, quando a luz

caminha de soslaio entre as paredes do mundo e

chego à casa da minha existência.

 

É sempre fria esta estranha sensação a distância

entre tudo o que parece real dentro da casa ou

dessa voz vadia

que canta desamparada e só.


( J. A. M. - Anos 80 ou 90?)

4.9.20








( praia  de  Cuba. Foto: J. A. M. ) 


Pergunta às montanhas

como o silêncio ou os gritos

crescem

como tudo é um som

vindo de dentro

ressoam os ecos das infinitas vidas

enquanto as nuvens nos mostram

as respostas que já sabemos.

 

(J. A. M. )

26.8.20

Paisagem Budista








( Foto: J. A. M. 


" Os espelhos são usados para ver o rosto; a arte para ver a alma ".

18.8.20

~ 15º Pedaço de mais um diário perdido ~

 ( " A Céu  Aberto ". " 1 Heaven to You ". Pintura: J. A. M. )


por vezes os pássaros são escuros, ou amarelos, multicolores, ou de outras cores indefinidas, mas a arte dos seus voos confundem-se com os azuis dos céus.

- penso ( quando distraído) como tal é possível?

Entretanto, por vezes também há nuvens que voam e se transformam sozinhas. E então, 1 ou outro pássaro, transportado para um possível mundo paralelo, parece ressurgir na sua cor original.

- Duvido. Qual?


Tantas vezes... andamos tão afastados de nós.


2ª Parte


porque as aves esburacam o espaço, não propriamente ao sabor das suas asas, mas por uma vontade uníssona levadas pelo  ímpeto do grande mistério da vida.

Em bando, têm 1 só espírito. Vê-se. Quando solitárias, sobem descem, sabem, saboreiam, satisfazem o olhar de quem as observa.


( J. A. M.)

- Rascunho Nº7 -

15.8.20

estamos JuntOs ~ we are tOgether ~ نحن سوية

 

( Foto: J. A. M. - 2020)

(...) e a partir de agora vais sentir o medo afastado
pelas areias da praia, quando olhas o mar e te sentes bem,
sem saber o porquê desse renascimento (...)

( J. A. M. )

29.7.20

~ 14º Pedaço de mais um diário perdido ~



( Foto: J. A. M. )


o teu rosto é o meu sol, o meu rosto será o teu sol, se me olhares lá do fundo onde já não há traves,trevas, pontes ou abismos que se patrocinam cúmplices  entre si, sozinhos.

Abraço a tua cintura, como quem enlaça a haste  de uma flor que ainda não se vislumbra; mas leve o seu aroma no ar já é uma natureza mortal. Por isso, mais uma flor irá acontecer. Nas suas pétalas onde podemos poisar o olhar e as nossas cores.

Pois, em cada momento morremos, com as dispersas tarefas da vida e 1 dia partimos irremediavelmente nus, apenas com os aromas que, no fundo de nós, em nós colhemos.
 

          
             ( J.A.M.- 2020 )

              - Rascunho Nº5 - 

Mapa Descido

Pintura: J. A. M. 



















Os Universos Paralelos existem  (Sadhguru Português):


27.7.20

~ o Grande Olho ~

Pintura. Autor: J. A. M. 



















O olho no qual vejo Deus é o mesmo
olho no qual Deus me vê;
o meu olho e o olho de Deus

são um único olho, uma única visão, um único reconhecimento
e um único amor.

( Eckhart )

22.7.20

~ 13º Pedaço de mais um diário perdido ~

Foto trabalhada. Autor: J. A. M. 

























era Primavera [i] e havia papoilas espalhadas pelos campos são seres com as pétalas como asas de borboletas, finas, frágeis esvoaçantes quando pressentem qualquer brisa.
Ao longe, parecem gotejar sangue nos verdes prados empolgadas pelo sol.
Por onde eu caminhava, á deriva, mas com o intuito de descobrir repentinamente um outro mundo inteiramente desconhecido.

Mas, ia-o conhecendo aos poucos, aparecia-me uma árvore frondosa: um carvalho, um ulmeiro, um choupo de onde se soltavam farrapos informes de algodão que me atapetavam o chão.
E eu reparava como aquilo já era algo de novo na minha pressa dos milagres repentinos. Debruçava-me sobre estas minúsculas coisas, e descobria que – afinal – estava já a viver o que ainda não sabia estar a acontecer.

Parava. Não sei se refletia ou se me esquecia. Deitava-me sobre as ervas verdes ao lado das papoilas, com o céu por cima.
Estava mais em mim e dentro do que á minha volta me tocava. Havia alturas em que desconhecia os pássaros metafóricos em visita à minha própria alma. 
E o frenesim inicial da caminhada, apaziguava-se com a candura que me surgia por todos os lados. Pois, dentro e fora tudo é o mesmo.

E, quando chegava a casa estava remediavelmente perdido nas horas dos outros. Nem tinha ouvido o sino da Igreja.  Chegava normalmente tarde e a más horas.
Mas os meus pais eram pacientes e compreensivos e olhavam-me como alguém que regressava á sua morada, sempre pela primeira vez.



[i] Estas flores, quando colhidas mal tardam em qualquer jarra.




( J. A. M. )

- Rascunho Nº 4 -