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Desenho. J. A. M. |
Estava eu bem sossegado, afundado no meu
cadeirão anti-stress e profundamente enlevado nos meus íntimos sonhos de ser
alguém na vida um dia talvez me calhe a vez, quando a minha vizinha me acordou
para fora deste delicioso enlevo criativo, com um frenético toque de campaiiiinha
que, enfim.
mais umas frases adiante,
fiquei desarmado com uma revista nas mãos que
se tinha perdido por entre as caixas de correio. A Sr-ª apresentou-se em
cima de uns sapatos de Salto alto muito bem aprumada no geral, até tem
um peito jeitoso só hoje é que reparei, há males que vêm por bem, pensei,
mas logo me arrependi de tais lucubrações claramente infrutíferas no momento,
por uma decisão inconscientemente pessoal, confesso, embora ainda hoje
desconheça o que levou a tal.
Bom, agradeci o favor, que obviamente não foi favor nenhum, mas um
grandessíssimo "corte" e por hábito, educação ou
qualquer outra razão de que já não me recordo, abri a dita revista, que não
tinha muitas folhas, mas parecia Grande devido à generosa espessura das folhas,
e, e, caí logo na pág. 16. O 16? Como sou um adepto entre o mui fervoroso e o
semi-fanático das numerologias, ninguém é perfeito, peguei no telemóvel para
fazer as contas e 1+6=7, Zás! ali estava o tal 7, o número mágico por
excelência nesta civilização onde deus me faz andar ou penar e vai daí pus-me
logo em pulgas a pensar onde poderia encontrar a tal magia.
Então comecei pelo título da pág.: "Desporto, saúde &
bem-estar". Saltei logo para o "bem-estar", bem
aberto a tal assunto e a prováveis soluções, pois quem anda realmente bem no
meio disto tudo? mas no decorrer das palavras fiquei
simultaneamente intrigado, pois havia Muita matéria junta que transbordava
um-não-sei-quê de excesso para encher as medidas de quem tem a intenção
sub-reptícia de convencer alguém de algo que só tem haver consigo próprio, no
intuito para mim claríssimo de um lucro sorrateiro qualquer. Mas pronto.
Estou habituado a estas circunstâncias e
já não me ponho com guerras na minha cabeça, bastam-me as outras. O lucro será deles
com certeza é sempre, mas a cabeça é minha, s.f.f., pelo menos por enquanto
como isto anda só Deus sabe, algures nos E.U.A.
ouvi dizer que há tecnologias de interferências cerebrais que não
lembram ao diabo.
Vim por ali abaixo, saltei as frases supérfluas que surgiam, mas o pior era o
tipo de letra emoldurando uma horripilante mancha gráfica, até que me deparei
com a palavra em negrito "AVISO". E aí, estanquei definitivamente,
com todas as minhas forças possíveis e impossíveis quase, fiz um momento de
inclinação corporal a obrigar-me a uma maior concentração no assunto e pus-me a
ler o dito Aviso para poder continuar a escrever este artigo de momento, sem
qualquer futuro à vista desarmada, pois a vida de um cidadão neste país é um
eterno desarmamento de tudo o que é Vida mesmo.
A coisa começou a complicar-se, tudo aquilo eram "artigos" e "sub-artigos" , os "dispostos" os "decretos-lei"
e as "deliberações" com datas (em letras menores), mais os
"capítulos" e os "subcapítulos",,, Ó minha Santa Maria Madalena, comecei a ficar farto,
farto, enfartado de todo, pois considero-me uma pessoa minimamente culta,
minimamente inteligente, minimamente capaz de ler e entender um mero artigo de
uma Revista de Informação Camarária, mas efetivamente não estava a entender
patavina daquilo.
Adiante.
Trocado por miúdos e muito bem espremido o
fruto em causa, quanto à qualidade estamos falados, mas
tratava-se mais precisamente de quê?
De um “AVISO” para avisar o povo destas bandas
de que foram avisados de que há um prazo de 30 dias "úteis" (ainda
estou para descortinar o que é isso de dias "inúteis”) para se realizar
uma "discussão pública" acerca de mais uma alteração ao não-sei-quê,
que logicamente tem o seu quê de mudança relevante para alguém e o pessoal até
tem de ser informado segundo a lei em vigor e essas lérias ditas democráticas,
deles.
Agora a questão aqui complicou-se ainda mais,
porque na parte final diziam ao povo que 1º tinham de ir a uma determinada
morada para consultarem o tal assunto fundeado no meu enigmático número 7,
e depois quem quisesse até podia enviar, através de cartas registadas, reclamações
ou sugestões, nas " horas normais de expediente ". Só
estas palavras do final da frase, atiraram-me abruptamente para profundíssimos
momentos de reflexão pessoal acerca deste lado da questão: o que são horas
"normais" para eles? Onde param as horas "anormais", que
nunca as vislumbrei na minha vida? E qual será o expediente lá do sítio? E no
expediente lá do sítio estará lá alguém? ou será a habitual
espera-desespera e o habitual culto matricial português do “como-e-cala-te”
e hoje em dia o telemóvel é que as paga, para o gáudio dos habituais ,
está mesmo tudo ligado.
Mas
o que mais me deixou desanimado de todo, confrangedoramente deprimido mesmo
comigo próprio e com o mundo e até ouso dizer, com toda a Humanidade que à
priori nem era chamada para o caso, foi o facto de perceber - creio
eu - que numa declaração tipo preto no branco acerca de uma
DISCUSSÃO PÚBLICA, o pessoal era afinal convidado, nestes moldes enviesadamente
anacrónicos e absurdamente mirabolantes a ENVIAR CARTAS, se quisesse. (verdade
seja dita, não vislumbrei neste textozinho nenhuma insinuação mesmo velada,
acerca de uma possível coima ao adotar-se uma eventual atitude de abstenção ou
de ausência atempada das ditas cartas no destinatário. Apesar de – a meu ver –
a tática dos Medos ser a base funcional e disfuncional Disto Tudo, que
designam,ipsis verbis, como sociedades
democráticas.)
E. Pronto.
Continuo a não entender a ponta de um corno
acerca do modo de pensar e sentir e agir dos Senhores que nos governam
legitimamente eleitos & tudo.
e para ver se alguém me poderá ajudar neste
momento francamente muito difícil da minha vida, vou surripiar uma garrafa de
vinho da parte mais nobre da minha pindérica garrafeirazinha encostada à casota
do meu "eGo" * e vou ter com a vizinha que me arrancou dos meus
criativos enlevos e vou tocar à campainha, muitíssimo ao de leve só um
toquezinho de quem está ali desamparado como um toco de vela moribundo
fustigado pela noite, apenas com um pretexto entre as duas mãos e um sorriso
naturalmente aparvalhado de quem espreita uma suave e doce vingançazinha.
* trata-se do meu cão.
( J.A.M. texto iniciado em 1993)