José Alberto Mar. Com tecnologia do Blogger.

28.4.23

Exposição de Pintura

 


SEM MARGENS


por vezes, abrem-se outras luzes, outras cores
outros sons dentro
como acontece na boca das fontes
e é por aqui que algo em mim é mais humano
entre esta sagrada Terra e as estrelas á mão de semear
entre tantas margens os tambores celestes batem e
rebatem no meu coração.
 

 
Outras vezes vem um outro sol, outro sal, outra luz
da cintura dos astros ou do fundo da Terra
descendo, subindo, entrando, aclarando
a cabeça que já não pensa
pois já é outra a resposta que cintila
no esquecimento do olhar
onde caio em mim, como uma gota de água
no mar dentro dos dias todo o tempo é redondo
e reparo nas duas mãos como se fossem
10 os novos caminhos
e no entanto, são tantos e tantos
que me volto a calar.


( J. A. M.)


 
 


25.4.23

Poema em saldo

Made in Portugal. (Pintura. J. A. M.)

 
uma data que regressa sempre
transparente à cabeça
um sino pendular nas cavernas do corpo
e então escrevê-lo é abrir as potências
do sangue, dos pés até à raiz
dos cabelos, deixar renascer a vida
circular dos dias
pelo silêncio poderoso
se fundamenta um olhar
um sonho uma estátua invisível
dentro da memória
ordena-se o esquecimento
mantendo todos os dias
a respiração deste poVo
entre muitos e muitos horizontes.



José Alberto Mar


22.4.23

RIO SEM MARGENS ( Exposição de Pintura)




Tríptico ás Imagens

 

Por vezes, alguém põe um dedo na ferida. Quero dizer: alguém acorda a sombra geral dos seus nomes e os nomes mergulham nos ritmos do sangue e logo as mãos crescem para os lugares e os lugares crescem com elas e tudo fica mais Alto. Há quem passe, olhe de lado e continue a sua vida. Outros há que passam e se detêm por um pormenor mais chamativo.

Claro que todos os lados, todos os nomes são pretextos. E os lugares também. Nascemos e morremos por uma graça indomável perdida no tempo. Andamos às voltas disto tudo enquanto por dentro acordam e adormecem as sementes povoadas pelos estranhos frutos de uma sede sem fim.

Vozes e imagens que cantam a Vida e o exemplo dos milhares de sóis mesmo sabendo-se que para outros olhares, há um abismo memorial nas cabeças uma outra idade outra boca menos cercada pelos dons dos dias, na transformação dos corpos.

 

(in, “A Primeira Imagem “, J. A. M.)

16.4.23

É PRECISO ESCOAR O DIA

 

Uma mulher negra, com um olhar divagante, coberta de panos amarelos sentada num banco de madeira pintado de verde, no jardim da Praça. No banco ao lado um Sr. de camisa e calças vermelhas, estirado num banco também verde à sombra de outra acácia ainda mais verde.
O sino do relógio vai dando badaladas bem compassadas ao ritmo do calor hoje mais abafado, será que vai haver tchuva?
Passam mulheres e mulherzinhas agrupadas, com as bundas arrebitadas todas janotas em direção à igreja já apinhada de crentes para a missa domingueira. Espreito discretamente e parece-me haver ali um fervor amornecido, uma entrega naturalmente física à devoção, neste caso católica, mas a fé lá no fundo terá algum nº de porta?
No jardim, um casalinho namora espreguiçadamente num outro banco de cimento já sem cor. Ela deitada sobre o colo ali à mão de semear e ele com as mãos dedilhadas no corpo da paixão. No chão quente do dia as suas sombras estremecem sem eles darem por isso. Evolam-se pelo ar formas de tesão e paixão, cores encarnadas vivas que até acordam as flores sonolentas à-volta.
 
Volto a dar 1 longo passeio pelo Plateau(1), sem deixar de passar pelo mercado onde as cores e os aromas levantam os sorrisos das vendedoras. E volto ao lugar. A meu lado, encostado à fonte central com uns barulhinhos de cascata, está um homem com o cachimbo adormecido na mão e um ar de quem já não espera nada e também não se rala com isso. Talvez esteja em plena divagação do seu ser, talvez seja mesmo o seu modo de estar, talvez a luz do seu olhar esteja toda estancada no pequeno sol de dentro, mas o que sei eu?
Passam mais meia-dúzia de moços todos coloridos e alegres, entretidos com eles próprios em direção aos finais da missa, na igreja matriz de traça colonial há dois séculos ali plantada. É a hora das moças saírem e acontecerem luzinhas entre os olhares.
 
Ouço o barulho de uma moto bastante na Avª Amílcar Cabral e leva atrás, de reboque, um gajo de patins a deslizar por ali como gente grande, lá vai ele a espalhar o seu imenso sorriso branco pela cidade adiante

Adiante, adiante que é sempre tempo para se ser feliz.

 
 
(1) Zona histórica central da cidade da Praia.

 
-  Ilha de Santiago. Cabo Verde -

 
(in, Livro de contos.: O Ouro Breve dos Dias.2021.
Escrito em vários locais de Portugal, Cabo Verde e Brasil.)
 

7.4.23

Bastou um sorriso

Caminhos da Vida. J. A. M.
 

No meio das ruas da cidade, por vezes
a surpresa de um coração desprotegido
cercado por uma luz sem nomes.

E um  rosto caído em cascata
no olhar desnudado como se
uma estrela longínqua
quisesse falar
 
Bastou um sorriso de alguém que passou.

 
Por vezes, a inesperada vida deslumbrada
por um encontro ao acaso, num dia qualquer
onde arde a fulgurante e permanente
chama do Mundo.



( J.A.M.)
 

4.4.23

O Olho de Agamotto

Pintura: J. A. M. 

Há o sol e as matérias primas
dentro do sangue nos corpos
há os dias e as noites recolhidas,
submersas até aos dedos
e ainda há o Mundo e as pessoas
os animais, as árvores, a Natureza
e a vastidão da respiração
que vem do coração da vida
seio de idades invadidas por tantos rostos

e há instantes imprecisos em que somos quase
inteiros
no útero de tudo onde as vozes se instalam
mas só às portas soltam as suas âncoras:
as palavras, as sombras que agora vos entrego.
 
 
O olho do mundo dança-me na cabeça
ao sabor das luzes que giram
na alta nudez sem nome.



( J. A. M. )

 

 

31.3.23

Quanto demora uma idade a ser luz?

 

Pintura. J. A. M.


Alguém passeia-se algures por caminhos e paisagens onde há pedras pelo chão e acontece-lhe curvar-se de repente, por algo que o chama sem dar-bem-por-isso e há um diamante entre as suas mãos, o olhar turva-se pelo brilho que o sOl, atento a tudo onde há vida, lhe oferece no mesmo instante e depois há quem veja logo ali um presente, ou há quem não dê conta do vislumbre que lhe aconteceu e continue apegado aos seus hábitos, atirando o pequeno seixo para as águas de rio que desliza por perto no seu ocaso indiferente a tudo isto.

 Os hábitos escravizam, tornam-nos cegos.

Todos os dias acontecem coisas assim, parecem banais porque são diárias, mas não o são, não.
Nada é banal nesta vida que nos está acontecendo. E por aqui os diamantes não têm quaisquer preços, são iluminadas fontes metafóricas, criadas pela infindável sede que habita os profundos lençóis da Terra. E das pessoas, também.

 
 - Quanto demora uma idade a ser luz?

 

 

(Ourique. Alentejo. Portugal)

 

-in, livro de contos, escritos em Portugal, Cabo Verde e Brasil: O OURO BREVE DOS DIAS.2021


23.3.23

Estremece a estrela que em mim vive

Foto digital. J. A. M.

 

Estremece a estrela que em mim vive
naturalmente aberta
á escuridão
e nos 2 olhos cintila
o véu do instante, a aparência maior
do que é superfície e aí se afoga
pois na multidão dos dias a vida
tornou-se mecânica.

Vejo em todos os gestos um silêncio amparado
pelo silêncio que aspiro
o lugar onde qualquer semente pensa
sonhando com tudo
pois nada do que é fruto
acontece sozinho.


( J. A. M.)

21.3.23

DIA MUNDIAL da POESIA

Foto digital. J. A. M.

 

Felizmente vivo

 
de manhã, quando as aves lá fora
ainda estão entranhadas nos sonhos
e já várias claridades esvoaçam
abrindo as portas e as janelas
de encontro aos olhos de quem acorda

e os rios de ouro abrem as vozes
à procura dos mastros humanos
onde há gente viajada em nascentes

e a Beleza do Mundo é 1 presente simples
e tudo se ampara nos muitos eus
que devagar se unem
enlaçando a infância, o futuro e o agora

de manhã, quando algo estala
o silêncio instaurado e já ouço
o cantarolar aceso dos pássaros
Felizmente vivo
mais um dia.

 

( J.A.M.)

 

19.3.23

The Power of the Heart ~ Os Poderes do Coração.

Ainda demos as mãos, como quem uma constrói uma ponte

Pintura. J. A. M.

 

(…)As gaivotas vinham açoitadas pelo mar sem pescadores e abriam lá fora os espaços altos à procura. Eram sombras nos intervalos apanhadas pelos acasos, quando olhava de soslaio pelas vidraças húmidas do café.
Enquanto ambos estávamos num fogo adormecido apesar de não darmos por ele.
 
À-volta havia os outros, longínquas sombras, e em poucos minutos nem sombras já aconteciam. Por dentro senti metafóricos desejos de serem mais, algo que só na altura sabia: cresciam para cima e para baixo como nas árvores a seiva, nas galáxias a luz.

Ainda demos as mãos, como quem uma constrói uma ponte que agora vejo ter ficado perfeita, apenas no ar leve daquele momento.

(J.A.M.)

 

3.3.23

Paisagens abertas

Paisagem Árabe (198?). J. A. M.

 

Estamos numa viagem aparentemente  longa, “ um homem com pressa é um homem morto “ , eis um ditado destas gentes apaziguadas entre si no centro dos desertos (1) por aqui há tempo para tudo pois tudo é tudo, o silêncio cheio de ecos, o céu amplo e vasto e os horizontes eternamente demorados no presente, o tal tempo que foi expulso dos dias e das noites daquelas bandas Ocidentais por onde desandam  tantos desalmados a correrem sozinhos cada um com a sua meta e o descalabro dos seus desígnios impostos & aceites como únicos.

 – Mas, quem os convenceu de que sozinhos vão a algum lado?



(1) Deserto do Sáara. الصحراء الكبرى


( J. A. M.)


24.2.23

Pintura: J. A. M.


 (…) é preciso construir um tema que nasça do fundo, uma linha que se prolongue ao mesmo ritmo, repetir o hábito que vem de si próprio e esquecê-lo para haver um outro, escutar o rumor do seu íntimo rio apenas só seu, caminhar em companhia com os sonhos que nos acordam ao longo da idade. 
Enobrecer os dias, recriar o fogo, iluminar as margens da viagem
.


( J. A. M.)

 

1.2.23

Uma flor no asfalto

Pintura: J. A. M.

 

Enquanto caminho pelas ruas desta cidade, ao sabor da leve aragem que me acompanha re/paro por perto no aroma espalhado de uma visita a que não (me) tinha ligado e é saboroso vislumbrar
agora
minúscula flor encantada só em si e amparada pelas significantes folhas verdes onde o sol tranquilamente  se desfaz em prata.
Guardo a lição no bolso da camisa junto ao peito e continuo a caminhar para onde ainda não sei


( Porto. J.A.M.)

 

20.1.23

Pedaços do céu

Pintura. J. A. M.


de manhã, quando as aves ainda parecem sonhos
e já as claridades esvoaçam
abrindo as portas e as janelas
de encontro aos olhos de quem acorda

e os rios de ouro abrem as vozes
à procura dos mastros humanos
onde há gente viajada em nascentes

e a Beleza do mundo é 1 presente simples
e tudo se ampara nos muitos eus
que devagar se unem
enlaçando a infância, o futuro e o agora

de manhã quando algo estala o silêncio

instaurado e já ouço
o cantarolar aceso dos pássaros
Felizmente vivo
mais um dia.


(J. A. M.)

13.1.23

Onde o Sol é mais perto

Pintura. J. A. M.

às vezes à noite, pego no bloco pego na caneta. Fico assim, horas a fio a olhar para o céu, depois a incerta altura, desço o olhar
agora:

1 pirilampo aqui outro acolá na espessura da noite por detrás da sebe deste jardim há 3 sobreiros unidos com troncos rugosos onde a cortiça respira e cresce sem darmos por isso e as folhas todas juntas formam uma cabeleira que estremece e dança, muito espaçadamente, com a aragem que sopra dos lados do mar enquanto pedaços de algodão dos álamos esvoaçam e uma sisão * algures espalha as pautas.

 De repente, a chuva parou.
Gotas de água escorrem de folha em folha e depois apagam-se no chão onde as raízes das plantas absortas se abrem aos desejos da sede. E as folhas cintilam sob o peso da luz que cai dos candeeiros. E são belas assim, nos seus verdes flamejantes contra as obscuridades à volta. Na superfície azulada de um pequeno lago provisório, estranhamente ondulado, está a lua estampadamente enorme.



* Ave considerada Vulnerável, pela organização BirdLife International.


 (Cabo de São Vicente. Algarve. Portugal) 

7.1.23

Pintura. J. A. M.


 O olho do mundo dança-me na cabeça
ao sabor das luzes que giram
na alta nudez sem nome.


( J. A. M.)


2.1.23

2023

(Pintura): Novo Ano. Novo Mundo

 

uma data que regressa sempre
todos os anos

um sino pendular nas cavernas do corpo
e então escrevê-lo é abrir as potências
do sangue, dos pés até à raiz
dos cabelos, deixar crescer
a vida circular dos dias
pelo silêncio poderoso
se fundamenta um olhar
um sonho uma estátua invisível
dentro da memória
ordena-se o esquecimento
mantendo sempre a respiração do Mundo
entre muitos e muitos horizontes.


( J. A. M. )


 

23.12.22

alianças

Pintura. J. A.M.

 

Sei como os universos estão cheios de estrelas
de ouro breve nas suas viagens
e um coração de ouro nunca tem preço
(eu sei) como o teu sol também é o meu
também sei que por onde caminhas
é o (mesmo) lado só teu 
do lado que também é o meu.


(J.A.M.)

17.12.22

O Farol

( Farol. J.A.M.)

 Alguém disse já não recordo, pois foi num campo de batalha e o ribombar das bombas e dos seus ecos na altura, faziam-nos surdos. A outros, faziam-nos cegos. A outros ainda, faziam-nos mortos. 
Mas a frase em questão, no meio daquele inferno encantou-me o lugar e por momentos caí num silêncio sem tempo, que me trouxe a casa de meus pais, longe muito longe, onde havia um jardim. E a frase era assim: não corras atrás das borboletas, cuida antes das tuas flores que elas virão até ti (1).
 
Ainda hoje, passados séculos, por vezes em dias ou noites em que tudo parece estranhamente desolador, me acontecem as imagens bem nítidas que esta frase levanta à frente do meu olhar.
E então, algo em mim se transforma e tudo à minha volta também.
E um pequeno e incógnito farol aflora por dentro.



(1) frase atribuída, a D. Elhers, em tradução livre.


( J. A. M. )

 

13.11.22

Estremece a estrela que em mim vive

Pintura: J. A. M.


Estremece a estrela que em mim vive
naturalmente aberta
á escuridão
e nos 2 olhos cintila
o véu do instante, a aparência maior
do que é superfície e aí se afoga
pois na multidão dos dias a vida
tornou-se mecânica.

Vejo em todos os gestos um silêncio amparado
pelo silêncio que aspiro
o lugar onde qualquer semente pensa
sonhando com tudo
pois nada do que é fruto
acontece sozinho.

( J. A. M.)

 

 

31.10.22

Na boca das manhãs

Pintura: J. A. M.


O silêncio serpenteia-se nas ondas do ar a boca da noite

abre as flores do coração curva os sons que tem sempre

à mão e o tempo habita-nos mais ao sabermos nos olhos

as sombras que se despedem das árvores onde os pássaros

acolhem os primeiros tons do dia sob o lençol verde

às tantas da manhã pelas cinco e tal ou quase assim começam

a sinfonar uma visão acesa para quem ainda dorme ainda

é cedo ainda há o segredo

de haver um mundo, com tudo sagrado.


(J.A.M.)

 

 

 

 

 

21.10.22

E, no entanto, há uma luz por aqui

Pintura: J. A. M. 

 

e, no entanto
há uma luz
poisada no centro
do seu sereno silêncio de ser
só uma luz
Aberta
para fora
de si

- como se um pássaro esquecesse no voo
o peso das suas asas.
- como se a memória fosse uma trave esmorecida
na casa estagnado dos hábitos.
- como se, algo te chamasse e fosse uma voz cúmplice
no cálice mais translúcido do teu corpo
onde o som maduro do silêncio
te chama - em chamas - alumiadas na cor
e tu estás longe ou perto nos olhos
divagados em ti

E então, nem o ouro
nem a prata

- por onde há-de uma Vida luzir ?

 

10.10.22

um adeus de sombras a voarem

Pintura: J. A. M.

As folhas caiem das árvores
com o peso do Outono
castanhas, amarelas, verdes, vermelhas
às vezes
um adeus de sombras a voarem.

Mudas as árvores abraçam o frio.


( J. A.M.)


 

5.10.22

o meu problema pessoal com as galinhas

 

     Estava no meu cadeirão anti-stress, enlevado sei lá com quê se é que havia tal coisa quando me ocorreu - repentinamente - que afinal tenho uma incerta desavença, pacífica é claro, com as galinhas. Assim à 1ª a coisa não me parece ser grave, mas eu nunca tenho a certeza de nada. E já comecei a cacarejar justificações, até são uns bichos interessantes, quando estão a comer debicam algo no chão tão rapidamente que nem enxergo o quê e depois atiram as cabecinhas para o céu e estão nestas figuras amiudadas vezes. Nos inícios de tais observações eu olhava - imediatamente! - lá pra cima tentando vislumbrar o que era o alvo de tal curiosidade inopinada, pois eu quando como, habitualmente olho para o que está à frente do meu nariz e deixo os céus para as ocasiões místicas. Prosseguindo os já citados cacarejos, também gosto das suas penas, algumas mais, pois vê-se ali a mão da mãe-natureza o deslumbre da luz a desfazer-se em cores.
     Tive uma amiga artesã, das américas do sul salvo erro, que alimentava uma galinha com o intuito assumido de lhe arrancar apenas uma pena de vez em quando, para os seus colares & aquelas obras de arte que lhe davam o pão para a boca. É verdade! Também havia por lá 1 macaco pendurado nas traves da casa, que eram ramos grossos de uma acácia que lhe entrava por ali dentro para lhe oxigenar gratuitamente o ambiente. Uma vez estávamos eu e ela esparramados lá no seu jardim sem cercas que se prolongava por uma floresta a sério cheia de borboletas estonteadas e belos pássaros a esvoaçarem com as suas cores, Tudo junto era bom respirar ali, e então estávamos nós a fazer o nada e aparece o seu filho por aí nove anos se tanto, e deu-me uma lata de coca-cola transformada em cinzeiro para as cinzas do meu fogo no cigarro que ardia alheado disto tudo. O meu preconceito em relação à coca-cola é assumidamente enorme, mas a Brigite sentiu logo a coisa e explicou-me que era a maneira do menino me dizer que gostava de mim e como não tinha mais nada para brincar, costumava apanhar latas no lixo dos Sr.s lá em baixo na cidade e depois transformava-as no que lhe vinha à cabeça e ao coração e, sinceramente, aquilo era uma piquena obra de arte. Olhei para a criança como quem olha para um Deus e os seus olhos eram luminosos e felizes e eu,,,eu também fiquei feliz e com a voz embarcada num nó cego até às lágrimas que contive. A mãe sentiu tudo como só as mulheres sabem e ofereceu-me um chá que dividimos pelos 3.
     Afinal, a bem dizer eu até gosto das galinhas, a maneira como se deslocam com as duas patas indecisas parecem sempre inquietas à toa, mas isso não passa de + uma perceção pessoal, pois suspeito que só vejo aquilo que sou e aí há que ter uma certa parcimónia nas coisas dos julgamentos, juízos de valor, essas lérias.

     São precisamente 5 h. e tal da noite e ainda estou pr’aqui com as minhas irmãs galinhas, que são muitas no meu quintal, sem medos dado que eu não as papo pois adotei a moda saudável de ser vegetariano já faz um tempo que estou sentado à sombra de 1 pinheiro que também habita comigo ali no canto onde lhe deu para estar e dá-me pinhas às vezes pinhões que eu amontoo numa tigela azul e branca da dinastia Ming que tenho na cozinha, foi uma namorada chinesa mesmo da China que m´a deu, o pai era podre de rico, segundo ela, mas fiquei sempre na dúvida se a peça era realmente verdadeira ou não, mas como não ligo a tais valores, o que me agradou foi a sua beleza  singular. À superfície, na epiderme colorida, o branco e os azuis entrelaçados como fios de cabelos ondulados parecem dançar uma música que julgo escutar às vezes, quando o silêncio à volta se fecha e estou muito dentro. Quando acumulo forças suficientes, pego nos tais pinhões às mãos cheias e quebro-lhes as couraças, um a um atentamente, com uma pedra de estimação que tenho sempre à mão de semear para ocasiões mais determinantes.

 

     Depois desta ocasional divagação, retorno à cabeça da pescadinha de rabo na boca que agora com o tempo já é uma serpente a morder a cauda que dá veneno, que também pode ser remédio, tantas vezes se dá este caso há esotéricos que o dizem, e o que eu nesta realidade   pretendia dizer é que elas, as minhas amigas galinhas, têm uma relação íntima visceral com o Sol(1) que eu naturalmente também mantenho com todo o apreço deste mundo e dos outros, mas também gosto das estrelas e da lua e dos silêncios azuladamente brilhantes quando o são outras vezes nem por isso acontecem estas circunstâncias de 1 gajo estar ~ graças a Deus ~ a respirar mesmo vivo no meio destas montanhas onde o meu patrão sou eu não.

 

 

(Foz-Côa. Douro. Portugal)

 

 

(1) As galinhas a que me refiro, são umas felizardas parolas nas aldeias pois em relação às suas irmãs macambúzias & amordaçadas de todo (como os irmãos humanos) fechadas em infernos imaginados por desalmados, onde claramente desconhecem o que é a noite. Foi através do genuíno comportamento das 1ªs que surgiu o ditado popular: “fulano ou sicrano deita-se com as galinhas”. Isto é, esse alguém mal se põe o sol já está deitado a dormir, caso não sofra de insónias. Interessante!  (ocorreu-me agora). Nos meus tempos de intelectual puro & duro, deu-me para estudar com muito afinco e múltiplas pesquisas no terreno, o pano de fundo ontológico destes animais, digamos assim, e nunca apanhei uma só galinha acordada, com insónias, ao lado da fileira em que se costumam organizar, mui meticulosamente, para meu espanto na altura.

 

 

~ in, O Ouro Breve dos Dias. Livro de contos.2021. J. A. M. ~

26.9.22

A Porta das Imagens

"Portal". Exposição SOMETHING is CALLING

 Por vezes, alguém põe um dedo na ferida. Quero dizer: alguém acorda a sombra geral dos seus nomes e os nomes mergulham nos ritmos do sangue e logo as mãos crescem para os lugares e os lugares crescem com elas e tudo fica mais Alto. Há quem passe, olhe de lado e continue a sua vida. Outros há que passam e se detêm por um pormenor mais chamativo.

Claro que todos os lados, todos os nomes são pretextos. E os lugares também. Nascemos e morremos por uma graça indomável perdida no tempo. Andamos às voltas disto tudo enquanto por dentro acordam e adormecem as sementes povoadas pelos estranhos frutos de uma sede sem fim.

Vozes e imagens que cantam a Vida e o exemplo dos milhares de sóis mesmo sabendo-se que para outros olhares, há um abismo memorial nas cabeças uma outra idade outra boca menos cercada pelos dons dos dias, na transformação dos corpos.

 

(in, “A Primeira Imagem “ , J. A. M.)

21.9.22

A propósito da Exposição de Artes Visuais: "SOMETHING is CALLING". (Inauguração a 24-09-22)


~ alguém encontra algo porque escutou  ~


alguém passeia-se algures por caminhos e paisagens onde há pedras pelo chão e acontece-lhe curvar-se de repente, por algo que o chama sem dar-bem-por-isso e há um diamante entre as suas mãos, o olhar turva-se pelo brilho que o sOl, atento a tudo onde há vida, lhe oferece no mesmo instante e depois

há quem veja logo ali um presente, há quem não dê conta do vislumbre que lhe aconteceu e continue apegado aos seus hábitos, atirando o pequeno seixo para as águas de 1 rio que desliza por ali no seu natural ocaso indiferente a tudo isto.

Os hábitos escravizam, tornam-nos cegos.

Todos os dias acontecem coisas assim, parecem banais porque são diárias, mas não o são, não. Nada é banal nesta vida que nos está acontecendo.

E por aqui os diamantes não têm quaisquer preços, são iluminadas fontes metafóricas, criadas pela infindável sede que também habita nos profundos lençóis da Terra:


- Quanto demora uma idade a ser luz?

( J.A.M.)

 


 

18.9.22

SOMETHING is CALLING

 

DAYS ARE
Rua Miguel Bombarda, 124 - sala A, Porto 

 Tel: +351 917 185 350

 Email: daysarept@gmail.com

https://www.facebook.com/daysare.pt

https://www.facebook.com/josealberto.mar

~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~


“Mais uma vez, se nos afigura que o cunho inconfundível da arte de José Alberto Mar flui naturalmente da matriz existencial do poeta, pintor – e visionário - e de uma radical liberdade do ser e do estar como assumida celebração da vida. (…)”

(Sofia Moraes)


9.9.22

um céu para ti

Pintura: J. A. M.


as aves esburacam o espaço, não propriamente ao sabor das suas asas, mas por uma vontade uníssona levadas pelo ímpeto do grande mistério da vida.

Em bando, têm 1 só espírito. Vê-se. 

Quando solitárias,
sobem
descem,
sabem, 
saboreiam, 
satisfazem o olhar de quem as contempla.