José Alberto Mar
A irreverência na pintura
Uma entrevista que descambou para a literatura, para a música...para a arte!
Falar de pintura é falar do universo, é falar dos seus componentes onde também nós marcamos presença. Falar de pintura é falar de várias disciplinas e interligá-las, tal qual o puzzle azul onde vivemos...ou do puzzle de todas as cores que compõem a nossa imaginação pois como diria o filósofo Paul Claudel "a ordem é o prazer da razão: mas a desordem é a delícia da imaginação". E é por isso que esta entrevista tinha mesmo de descambar. Porque falar de pintura é falar no plural!
E é mesmo no campo das letras que começa a viagem do gaiense José Alberto Mar. No campo da poesia (Prémio Revelação de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores-1978, com o Livro "O Triângulo de Ouro"), mais precisamente, reflexo de um percurso pessoal que não atinge o seu nirvana sem a magia das palavras. "Sempre tive o hábito de ler e escrever bastante. Quando não o faço sinto-me bastante incompleto ( Recentemente o autor frequentou o curso de Mestrado em Literatura na F.F.P.- Porto)". Mas como na engenharia da arte todas as ramificações se podem cruzar, eis que o núcleo da escrita redescobre todo um "paradise lost" de pintura perdido nas idades de menino. "Em criança davam-me lápis de cor e materiais de desenho. Passava dias a pintar e as pessoas à minha volta gostavam muito…. A minha mãe ficava toda contente por eu não a chatear". Destes dias em diante, de tardes investidas, a vida de José Alberto Mar descambou mesmo para as artes plásticas, desequilibrando-se definitivamente em 1980 altura em que começa a fazer as primeiras exposições (Licencia-se, posteriormente em Artes-Plásticas- Pintura e Escultura - pela F.B.A.U.P)."
. Nos campos da balança, porém, a irreverência é um turbilhão controlado, sadio, domado pela vontade do homem em respeitar as assimptotas da vida.
"Na vida, o conhecimento é infinito. O que sabemos é um ponto de um ponto. Nunca podemos ser demasiado vaidosos nem demasiado arrogantes. Temos de ressalvar o dom de estarmos vivos, ter uma certa reverência pela nossa existência", destaca o pintor que frisa o fio condutor com que procurou desempenhar o seu trabalho artístico ao longo de 26 anos.
José Alberto Mar não é um pintor estático. É um garimpeiro que desbrava as correntes da mina esperando tudo aquilo que ela tem para lhe oferecer."Enquanto houver minério num determinado filão vou até ao fim dessa fase. Depois, quando acaba, vou para outra mina e recomeço nova fase na pintura." Foi assim que aconteceu com a fase das “Pautas” (em que o pintor criava o seu próprio alfabeto e a sua própria linguagem), com as “Sinfonias”, ou com a fase "De coração na cabeça", em que o artista procura uma resposta para o equilíbrio entre o pensado e o sentido, com uma metáfora orgânica que seria uma boa solução. Atrás mais uma vez a música a enredilhar-se no fino universo imaginativo, transportando as melodias para os quadros que pretendem cantar. Pintando em vários estilos, desde o figurativo ao abstracto, a recente exposição "Imagens Nuas" deu a oportunidade ao artista de criar pontes invisíveis entre a literatura e a arte plástica. Ao longo do percurso da exposição, em tom provocatório, o visitante foi confrontando com pequenos versos que coloriam os quadros, como que lhes dando pistas para uma solução final que pode muito bem-estar no interior de nós mesmos. Porque a pintura é um trabalho de dicotomia consciente e de um "eu" mais profundo.
"São as ideias que vêm ter connosco. Nós só temos de estar atentos e apanhá-las. Contudo, nem só de inspiração vive o pintor. O trabalho e o perfeccionismo são fundamentais". Nestas premissas, de catadupa inspirativa e de auto-linguagem, muitas vezes interrogações pairam sobre o produto final, obrigando o leitor a fazer órbitas em trilho de um desconhecido...
Chegamos ao abstracto e para o comum dos "aficionados" da arte duas questões fundamentais. Será uma obra deste tipo uma linguagem mágica ou um “facilismo” da arte, disfarçada ? A resposta chegou da Rússia..."Perante os quadros e independentemente da informação que cada um possui acerca de Arte, as pessoas ou gostam ou não gostam."O 1º impacto com a obra é o mais importante. Para sabermos o significado da abstracção é necessário analisarmos o contexto de artistas como Kandinsky. Ao longo da sua carreira começou com um estilo figurativo em que pintou mundos novos. Depois começou a fazer uma certa síntese que culminou no abstraccionismo. Por isso, e tendo em conta que há um percurso, não considero o abstraccionismo um facilitismo da arte. Além disso existem já estilos historicamente reconhecidos."
Tal como no percurso do nosso quotidiano, a máxima com a qual José Alberto Mar pactua, a nossa vida é uma libertação. Nas correntes das telas, o artista tinha influências que respeita, mas aos poucos foi criando a sua independência artística. "Aos poucos fui-me libertando das tutelas. Encontrei o meu próprio caminho. Pinto de acordo com a(s) minha(s) vontade(s)". E a sua vontade, mais uma vez, descamba com as próprias premissas do mundo, em que a sociedade vai impondo regras em que o antídoto dá pelo nome de irreverência. "Cada vez mais sou um contribuinte/consumidor e menos um Ser Humano. Vivemos num mundo de constante informação em que a sociedade robótica , cada vez mais em Tudo, deve mesmo encontrar outros sentidos para esta vidinha." E, nesta onda de progresso e desconcertância, José Alberto Mar não deixa de lado as novas tecnologias. "Tenho feito alguns trabalhos ligados à Arte Digital e vou agora a um Festival Internacional na Argentina. Trabalho impessoal? Não considero! É simplesmente mais uma outra forma , agora à mão de semear,de se fazer arte.".
Homem tranquilo, José Alberto, vai buscar grande parte da sua inspiração ao elemento natural que simplifica o seu nome "Martins" e que lhe dá a autonomia artística."não é só por isso. Sempre fui muito ligado ao mar. Faz-me serenar, pensar e até meditar. É especial.", Conclui, enquanto olha de soslaio para as suas obras...
Autor:
Gil Nunes