José Alberto Mar. Com tecnologia do Blogger.

17.6.16

estremece a estrela que vive naturalmente




Estremece a estrela que vive naturalmente aberta
à escuridão
e nos 2 olhos cintila o véu do instante, a aparência maior
do que é superfície e aí se afoga
na multidão dos dias a vida deles é mecânica.

Vejo nos gestos o silêncio amparado
pelo silêncio que aspiro, o lugar onde
qualquer semente pensa
sonhando com tudo
pois nada do que é fruto
acontece sozinho.


(Set.-2009)

Série: pequenas sabedorias (Nº27)

Autor: J.A.M. ( 2015)
 

mas porque é que cresce a mão para a palavra?



Há o sol, as matérias primas
dentro do sangue
e há a noite recolhida, submersa
e ainda há as pessoas
e a vastidão da respiração
no coração
seio de idades invadidas por tantos rostos
e há pontos imprecisos em que somos quase
inteiros
e há o útero de tudo onde as vozes se instalam
mas só às portas exaltam os sons
nas palavras que agora escrevo


o olho do mundo dança-me na cabeça
ao sabor das luzes que giram
na alta nudez sem nome.


 

(Nov.2008)

auto.retrato.incendiado

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 foto: J.A.M. ( São Luís do Maranhão.Br.)

11.4.16

rio preguiças





Um barco desliza nas águas ao de leve sonoras.
Enquanto a noite desce como um lençol suavemente escuro
apagando o rio, que era azul
e agora já é um espelho prateado deitado sobre o mundo.
Alongado pela vastidão que se recolhe nos olhos de quem só olha.

Há em tudo uma paz impossível, e eu vejo o teu rosto e tu pareces não ser.
Olho-te de novo, e tu olhas-me assim:
tão perto e tão longe, no fundo de mim, que me deixas mais nu.
Eu sei:
és aquela que me ama do fundo das águas
que agora nos unem.
Eu sou aquele que procura
e te dá o silêncio inteiro das minhas duas mãos nas tuas.
Pois, no fim desta escuridão
somos sempre sozinhos.
A partir de agora, entre nós
não haverá mais segredos.





Poema e foto de
José Alberto Mar
- In, Colectânea "Os Dias do Amor". Pág. 304,
Editora Ministério dos Livros.2009

26.3.16

Cresce a mão para as palavras


 
mas porque é que cresce a mão para a palavra?

 
Há o sol, as matérias primas
dentro do sangue
e há a noite recolhida, submersa
e ainda há as pessoas
e a vastidão da respiração
no coração
seio de idades invadidas por tantos rostos
e há pontos imprecisos em que somos quase
inteiros
e há o útero de tudo onde as vozes se instalam
mas só às portas exaltam os sons
nas palavras que agora escrevo

o olho do mundo dança-me na cabeça
ao sabor das luzes que giram
na alta nudez sem nome.

 

(Nov.2008)

Das Américas do Sul

15.2.16

VOZES COMUNICANTES




Às pessoas nómadas nos corpos e nas almas
um beijo indelével no rosto ausente
intervalo onde tocamos juntos
a íntima diferença no único coração das coisas.

Sobre as minúsculas ciências dos homens
pousamos a luz urgente de outros olhos
desce sobre nós
a lucidez dos universos vivos.


(in, O Triângulo de Ouro - Editora Justiça e Paz.1988)
- Prémio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores.1987

28.1.16

14.1.16

E, No Entanto Há uma Luz



e, no entanto
há uma luz
poisada no centro
do seu vivo silêncio de ser
só uma luz
Aberta
para fora
de si.

- como se um pássaro esquecesse no voo
o peso das suas asas.
- como se a memória fosse uma trave antiga
na casa estagnado dos hábitos.
- como se, algo te dissesse e fosse uma voz
derradeira no cálice mais translúcido do corpo
onde o som maduro do silêncio
te chama - em chamas - verdadeiras na cor
e tu estás longe ou perto nos olhos

divagados em ti.


E então, nem o ouro
nem a prata
porque há-de uma vida luzir?



28-Set.2007

28.12.15

Cheguei hoje ao Tarrafal…


 
cheguei hoje ao Tarrafal. A viajem em “ayacer”* demorou-se, com vizinhos  sonolentos como eu, o meu grande malão lá atrás cheia de pedras preciosas, jóias de ouro muitas e de prata algumas, N riqueza, a mala pesadíssima lá atrás encostada a um porco branco que às vezes rosnava para o silêncio dele próprio e o barulho do veículo pela estrada acima que nem uma seta q.b. dentro do nevoeiro que às vezes se esquecia de o ser, e então havia montanhas verdes, casas perdidas sozinhas por lá, onde me apetecia morar.
 

 
* pequena camioneta.
 
 
(Cabo Verde)

pequenas sabedorias

6.12.15

há nevoeiro na estrada e a ferida voltou




há nevoeiro na estrada e a ferida voltou alastrar. Com crisântemos carregados de aromas para os lados onde se abre o sol caído entre nós.

Não é Inverno nem é Verão é outro o tempo da espera e da esperança, entre as árvores com história e as rochas escolhidas pelo mar.

Só na espuma das noites caiem  pérolas nas visões.

A Longa Estrada

 
Imagem : J. A.M.

1.12.15

Sentimentos Ilhados


 
O céu cheio de manchas cinzentas umas mais outras menos escuras sobre um fundo que se pressente azul. O Monte Cara pousado na sua lonjura pensativa e sempre tão presente na alma de cada mindelense. O aroma nostálgico do Ser de uma ilha com as raízes mergulhadas no oceano Atlântico, os sons de uma morna abrindo a noite como quem pede licença para entrar, mas já se instalou suave e inteira abrindo os braços a quem quiser estar, a menina de camisa encarnada e mini-saia-azul abertamente com as coxas de ébano demoradamente nuas e brilhantes até um determinado ponto inexacto, os 2 amigos calados & unidos a uma garrafa de grogue, a criança ainda de colo de camisa cor-de-rosa e 4 totós verde-alface no cabelo encarapinhado a chupar uma manga pela boca adentro e uma gota docemente a cair-lhe pelo queixo até à mão naturalmente aberta da mãe absorta aos sons do cantor, unindo-nos a todos num só lugar e depois lá fora os ruídos dos ilhéus que vão e vêem dos seus destinos circulares, e ali fora na estrada alguém vai sentado de lado sobre uma bicicleta que desliza sorrateiramente pelas azáguas* a fora sem darmos por isso

 

*Em crioulo: poças de água da chuva

(Cabo Verde. Mindelo.)

16.11.15

Estou de Tanga


 
hoje levantei-me bem comigo & a vida, comi manga, papaia e cana de açúcar do meu quintal tudo oferecido com a claridade do sol já esclarecido nas coisas do mundo.
Também bebi água logo nas aberturas do dia e é água leve e fresca que vem dos lados do convento de São Francisco, do séc. XVII, eles lá sabiam as melhores fontes das coisas essenciais à vida.
Nesta varanda virada para a Sidády Vêlha, com o mar ao fundo de onde se colhem imagens & imagens sem fim e um barulho de ondas fortemente contra as rochas negras da praia, onde todos os dias me banho ao fim da tarde até ver o círculo solar cheio de cores a partir para outros lugares.

Acabei agora de regar as minhas plantas, saudar as flores que me ajudam tacitamente a ser feliz, tocar ao de leve as folhas da palmeira aqui ao lado, são pequenos gestos aparentemente distraídos entre seres que são irmãos.

A minha amiga borboleta, que me visitou logo no 1º dia, volta todos os santos dias, enquanto estou a acordar-me nestas pequenas tarefas. Um dia destes, veio poisar na minha mão, mas só ao fim do coração da manga bem chupada, é que sorveu com tal suavidade a ultima gota que me deixou derrotado por uns longos instantes.

Ah! eu e a minha amiga borboleta, duas pétalas brancas, uma de cada lado, onde pontuam vários círculos negros salpicados  à toa, falámos abertamente dentro dos nossos silêncios amadurecidos, depois foi vadiar pela mata a fora  partilhar alegria e liberdade com outros, remando agora as suas muitas asas frágeis ao sabor das curvas da aragem e, pronto.

Votei ajustar a tanga à cintura (um dia destes tenho que arranjar uma tanga a sério de pano de terra, logo se vê) incendiei 1 cigarro, pernas desleixadamente sobre a varanda azul e costas contra o mundo.

 

 

Cabo Verde. Ilha de Santiago. Sidády Vêlha - 2008

12.11.15

A Viajante














(lençõis maranhenses. Br.)
Foto de J.A.M.

( Aliete )


Aliete foi menina algures. Falou e eu escutei e depois fizemos amor com os dois corpos ali. Lembro os seus olhos de índia distantes e negros a pele de veludo a chamar-me o tesão na lentidão de cada mão. Adormecemos tombados já o sol acendia os lençóis. Deixei-lhe o ás de copas que encontrei pelo caminho à espera do nosso destino. Ela deixou o meu coração mais dourado.

 
(Brasil-Natal-Agosto-2003)

11.10.15

OLHANDO PARA O MONTE CARA



Os ramos das palmeiras ao sabor da leve brisa
e os sons frescos encaminham-me para o mar
onde vejo um pensativo rosto de pedra.


Feliz escurece, o olhar à procura
da lua, esse vaso de luz
onde uma das luas se deita
e então eu sou, a sombra pousada

nessa luz alheada.
 
 
( Cabo Verde. Mindelo)

da Série: pequenas sabedorias.





17.9.15

Estremece a estrela que vive



 
Estremece a estrela que vive naturalmente aberta

à escuridão & nos 2 olhos cintila
o véu do instante, a aparência maior
do que é superfície e aí se afoga
na multidão dos dias há tanta vida  mecânica


Vejo nos gestos o silêncio amparado
pelo silêncio que aspiro
o lugar onde qualquer semente pensa
sonhando com tudo
pois nada do que é fruto
acontece sozinho.

 



Set. - 2009

de coração na cabeça (Série)
















de J.A.M.

Técnica: Tinta da china e acrílico s/ papel.
Medidas: 60X75 cm
(2015)

28.8.15

Atravessado pelo zen


 


 

 ...e o ar dentro das gaiolas está engaiolado?
algo realmente aconteceu e eu fiquei perplexo. várias vezes, o ar se tornou mais leve e aí as palavras eram sombras estranhas mesmo, quando o silêncio pesava inventava à sorte outros sons: kaziar, ooom, latuuda, maçala, tarugui,....etc.
no próprio acto da busca retornava ao silêncio vivo. onde as mãos lembravam somente algo que se eleva.
e o ar, ao atravessar as gaiolas, soprava risos criativos. A bem dizer eu só estava ali, para aprender a estar

 


 

...distante mas aceso, ele procura o seu silêncio vazio. depois de todos os sons que já conhece, depois do eco desses mesmos sons, depois de qualquer imagem de som, ele busca um silêncio que nunca aconteceu.
tudo à superfície é ruído e tumulto. insatisfeito, incompleto, ele mergulha para dentro. foge de uma parte de si, para encontrar outra, onde se veja mais real e vivo.

 


 

 .. todo este caminho é demorado. as vozes à volta, as vozes dentro da cabeça, as vozes pendulares das imagens, dos astros, da torrente das águas no corpo em frente à lua, só por si é muito para ele descobrir entre as 7 portas qual a 1ª, a 2ª e por aí adiante ou então se não haverá  vez alguma.
adiante, se lembra que a intuição é a única voz que pode ser escutada, depois do silêncio pleno instalado, ali onde nenhum sinal será referência de qualquer outro

17.7.15

Deambulando pelo arco-iris.

 
Técnica: Tinta da china e acrílico s/ papel.
Medidas: 60X75 cm.
(2015)
Autor: José Alberto Mar
 


o novelo da paisagem perdura
no lugar que está a cair.

14.5.15

OLHANDO PARA O MONTE CARA


 

Os ramos das palmeiras ao sabor da leve brisa
e os sons frescos encaminham-me para o mar
onde vejo um pensativo rosto de pedra.



Feliz escurece, o olhar à procura
da lua, esse vaso de luz
onde uma das luas se deita
e então eu sou, a sombra pousada

nessa luz alheada.

 
(Cabo Verde.Mindelo.)

10.5.15

tudo está ligado
















( foto) J.A.M.

Género Metáfora

 
A gente vai sabendo as coisas para aprender a saber outras coisas e depois esquecer.
Amparamo-nos nisto e naquilo ao sabor dos gostos e desgostos que a vida nos dá, ao deixarmos bater o coração contra o peito do mundo.
Alguém passeia-se algures por caminhos e paisagens, onde há pedras pelo chão e acontece-lhe curvar-se de repente, por algo que o chama sem dar por isso e há um diamante entre as mãos, o olhar turva-se pelo brilho demasiado que o sol lhe oferece no mesmo instante e depois?
Há quem veja logo um diamante , há quem não dê conta do vislumbre que lhe aconteceu e continue a sua vida apegado aos seus hábitos, atirando o pequeno seixo para as águas de 1 rio que desliza por ali no seu ocaso indiferente a tudo isto.
Os hábitos escravizam-nos, tornam-nos cegos, todos os dias acontecem coisas assim, parecem banais porque são diárias mas não o são, não.
 
 
( J.A.M.)

A Travessia
















 
digital-art. J.A.M.

9.4.15

Ponta d’Areia


 
Estou na ponta d’ areia. Sentado. À sombra, aí uns 20 e tal graus. O guarda-sol é cor de laranjas maduras e eis à minha frente o mar vivo e aceso. Do céu vários tons azuis luminosos descem suavemente sobre tudo o que é vida.

À minha volta, o povo espraia-se finalmente no seu sábado.

As crianças vivem à solta por aqui, onde o mar deslaça dia-e-noite as suas ondas e elas, as crianças, dão cambalhotas e correm chapinhando a água dócil, entre pequenos saltos de quem está mesmo felizmente feliz. Há gazelas morenas, umas a seguir às outras, é difícil acompanhar com a devida atenção tantos ritmos ondulantes e belos, sob este sol de deus.

Passa alguém com uma caixa transparente pelo braço e leva ovos de codorniz, camarão cozido, umas comidas que outros comerão, com certeza.

Olhando para trás, vejo 2 candeeiros públicos ainda acesos a despontarem entre os verdes das árvores sossegadas e claramente alheadas do assunto. É de lá – dessas bandas, que chega até aqui aquela música popular, sempre a tocar as esferas do coração. Muitas pessoas cantam-nas em grupos e alegram-se simplesmente assim.

1 papagaio caiu, tombou mesmo agora a meus pés e reparo que é feito de plástico, que já foi saco de super-mercado + uns pauzinhos de coqueiro aliados e ainda mais agora, o menino já o ergueu no ar e aquela coisinha frágil como Tudo, dá curvas sozinho com a  cauda louca sem tino esburacando o espaço, rodopia veloz e depois,,, cai outra vez no chão sólido do mundo e a criança continua a ser criança a brincar e já é muito, tomara eu.

A menina do bar, mini-saia de ganga boa perna, camiseta desabotoada, bandeja prateada na mão esquerda, já aviou mais umas cervejas Sol*a uns jovens que estão prá-li num forrobodó evidente e regressa ao balcão, esvoaçando um olhar geral pelas mesas dos seus clientes.

Um bandozinho de pardais passa à frente do meu olhar a rasarem o grande areal, com cadeiras & mesas azuis, vermelhas, brancas e cinzentas

e

desaparecem numa curva uníssona do tempo, o que é feito deles? pensei, enquanto uma outra parte de mim ainda se regala a fazer jogos infindáveis com as cores do cenário.

Lá adiante, lá mesmo ao fundo, uma tira horizontal de água mais cintilante no brilho, faz-me lembrar que amanhã irei a St.º António de Alcântara, por onde um touro passeia a sua estrela de cinco pontas na testa carimbada.

 

 

* marca de cerveja brasileira.

 

Brasil. Estado do Maranhão - 2007

27.3.15

diálogos com deus



 
 
(de J. A.M.)
 
Técnica: tinta da china e acrílico s/ papel.
(61X73 cm)

Já não me lembro se era uma luz exterior ou de dentro de mim


 
 
Já não me lembro se era uma luz exterior ou de dentro de mim, mas tudo estava incandescente de uma forma natural e o Mundo tinha um amplo sentido exato em todas as coisas.
A certa altura, olhei-me de longe e com o passar do tempo aprendi a esquecer-me de mim.

No entanto, sou cada vez mais
esse vaso de luz
onde a luz me ensina.

 

 

 
2.Julho.2009

18.2.15

DIÁLOGO

- de J.A.M. -

Técnica: Tinta da china e guache s/ papel ( 61X76 cm). 2015.

17.2.15

REENCONTRO


às vezes, de um modo inesperado, levanta-se um lençol qualquer da memória e aparece-nos um lugar com luz e alguém lá dentro, como se tudo acontecesse de novo.

Aconteceu-me hoje, com algo que foi a primeira vez há dois anos, num local deste planeta agora distante, estava eu a olhar um pôr-do-sol e a pensar na redondez do mundo e ao mesmo tempo, na sua vastidão sem medida e todas as circunferências e espirais de tudo isto estavam a levar-me para longe.

Entretanto, alguém apareceu por ali, com os pés descalços e apenas o manso som surdo de uma presença e eu demorei a desviar o olhar.(Estava por lá, de onde é difícil, os regressos repentinos. Tinha que deslocar-me até ao centro, voltar ao núcleo aceso do que eu julgo ser eu, e depois repetir-me nos gestos, por aí…).

Mas, quando já estava em mim, deparei-me com alguém muito sereno, distante até, com o olhar atirado ao deus-dará e pensei como há seres humanos a sentirem as coisas mais simples e essenciais da vida. E no entanto, são silenciosos ao largo dos seus horizontes, não são notícia nas T.V.s deste mundo ruidoso demais, nem escurecem os dias dos outros.

Depois, acho que trocámos meia-dúzia de palavras, nem tanto, com os 2 pares de olhos em pontes abertas entre si.

Despedimo-nos como dois bons amigos, e cada um foi para o seu mundo continuar a cumprir o seu destino.

 

2-Out-2007

A Porta Para



 
-de J.A.M.-
Técnica: Tinta da china e guache s/ papel.(57X79 cm)

7.10.14

É preciso escoar a coisa


 
Uma mulher negra coberta de panos amarelos sentada num banco de madeira pintado de verde, no jardim. Ao lado um Sr. de camisa & calças vermelhas, também sentado num banco verde à sombra de uma árvore com folhas tenramente ainda.

O sino do relógio dá 6 badaladas bem compassadas ao ritmo do calor hoje abafado, será que vai chover?

Passam mulheres e mulherzinhas agrupadas, com as bundas arrebitadas todas janotas em direção à igreja já apinhada de crentes para a missa domingueira. Espreito discretamente e parece-me haver ali um fervor amornecido, uma entrega naturalmente física à devoção, neste caso católica, mas a fé lá no fundo terá algum nº de porta?

No jardim, um casalinho namora espreguiçadamente num outro banco de cimento que já não tem cor. Ela deitada sobre o colo ali à mão de semear e ele com as mãos dedilhadas no corpo da paixão. No chão quente do dia as suas sombras estremecem quase sem darmos por isso, evolam-se no ar em formas de carne & paixão e até encantam as flores sonolentas à volta.

Volto a dar 1 longo passeio pelo Plateau sem deixar de passar pelo mercado. E volto ao lugar. A meu lado está alguém com ar de quem já não espera nada e também não se rala com isso. Talvez esteja em plena divagação do seu ser, talvez seja o seu modo de estar, talvez a luz do seu olhar esteja toda estancada no pequeno sol de dentro, mas o que é que eu terei a ver com isto?

Passam mais meia-dúzia de moços todos coloridos, todos alegres, entretidos com eles próprios, em direção aos finais da missa. Ouço o barulho de uma moto bastante na estrada ao lado, e leva atrás um indígena de patins a deslizar por ali como gente grande, lá vai ele a espalhar o seu imenso sorriso branco pela cidade adiante, adiante que é sempre cedo para se ser feliz.

 
Cabo Verde. Ilha de Santiago. Praia - 2008

12.9.14

Auto-Retrato do Poeta Viajante

 
 
( Na Imagem: José Alberto Mar.foto: Jaime Godinho. Brasil)

18.7.14

Sentimentos Ilhados


 
O céu cheio de manchas cinzentas umas mais outras menos escuras sobre um fundo que se pressente azul. O Monte Cara pousado na sua lonjura pensativa e sempre tão presente na alma de cada mindelense. O aroma nostálgico do Ser de uma ilha com as raízes mergulhadas no oceano Atlântico, os sons de uma morna abrindo a noite como quem pede licença para entrar, mas já se instalou suave e inteira abrindo os braços a quem quiser estar, a menina de camisa encarnada e mini-saia-azul abertamente com as coxas de ébano demoradamente nuas e brilhantes até um determinado ponto inexacto, os 2 amigos calados & unidos a uma garrafa de grogue, a criança ainda de colo de camisa cor-de-rosa e 4 totós verde-alface no cabelo encarapinhado a chupar uma manga pela boca adentro e uma gota docemente a cair-lhe pelo queixo até à mão naturalmente aberta da mãe absorta aos sons do cantor, unindo-nos a todos num só lugar e depois lá fora os ruídos dos ilhéus que vão e vêem dos seus destinos circulares, e ali fora na estrada alguém vai sentado de lado sobre uma bicicleta que desliza sorrateiramente pelas azáguas* a fora sem darmos por isso

 

 
*Em crioulo: poças de água da chuva

(Texto de J.A.M., inédito.Cabo Verde.Mindelo.2005)

Série B2. 2014.

17.7.14

bilhete aceso

 
....colher dos teus olhos a voz que me chama sei lá para onde eu olhe o teu corpo está nu e eu vejo-me despedido pela natureza e já não é a carne, nem os cabelos, nem a púbis, é outro o espanto que me afronta, talvez volte aos teus olhos e ao fundo dessa luz irei a caminho de quem me cativa assim, sem mais nenhuma palavra embalo a noite que me leva...e já nada tem haver contigo.. é outra a chama que me
 
 
 
...regressa..debruça-te sobre os teus primeiros sonhos enquanto eras criança era a água metafórica a respirar para cima, o teu corpo aberto ao sol e às perguntas que amadureciam com as folhas das árvores, verdes, verdes eram as emoções impressas dentro das noites que acordavas, a infância é sempre tão vasta e desprendida, não era?..
 
 
.. no entanto, ainda há os dias que virão, as velas acesas dentro dos corações animados para cima dos sonhos e estes como gritos acordados a chamarem o corpo para o equilíbrio das vozes inspiradas e tudo o que realmente é desconhecido como um desenho esboçado à felicidade do Homem - quanto tardas?

..e do animal às asas nos símbolos ocidentais da brancura, as imagens nos tempos que correm já ultrapassam as visões dos homens de génio, ainda espero desesperado uma espécie de justiça entre os homens, porque é que a ganância nunca mais sabe encontrar a sua morte?..


- 25-Out.- 2009 -



10.6.14

Vadu : La fora


Visão


São 5 H. da manhã e
por aqui é noite fechada
e um nó de silêncio ampara a visão

um astro ancorado nos olhos
diz "não"
a este Mundo medonho
das europas no estertor da doença
mais funda: a do espírito
que está a secar, sem
sem mais nada a dizer.


Não me venham com mais imagens
das glórias que se apagam
sobre os corações de pedra(s)
já sem vida.
Todos os Impérios desaparecem
em cada gesto hediondo, todos
os dias são assim-assim,
sem vocês, já darem por disso.
E a História, não está : Viva
nos livros, nos museus, por aí..
bem guardada em baús de cimento dourado
A História, quando está, prolonga-se
nos actos de quem sente
o dever & o direito
de lhe dar : outras Novas Luzes.

Estais a morrer, aos poucos
muitos de vocês já morreram, mas ainda
não o sabeis
é que, a questão, a verdadeira Questão é que
os nossos filhos talvez não tenham tempo
de resgatar tantas mortes erguidas como glórias.
A juventude ofusca-se ( vocês lembram-se?)
com as 1ªs luzes,
e não têm tempo para o tempo
que irão ter mais tarde.

Só Vocês, OH! Sr.s deste antigo & carcomido
lugar do Mundo
só alguns de vocês ainda
poderão reparar nas brechas
do Novo Sol, que já chegou.

Estejam atentos, pois o Tumulto já começou.
Não é tarde nem é cedo,
mas, nenhum mal se compadece
com tanta vã loucura, e
há 1 ponto nesta viajem
em que o mal se desmorona
e tudo já não poderá ter regresso
algum

17.3.14

Grupo Dourado ( da Série-Exposição: "O Ouro Breve das Imagens")

















Técnica: Tinta da china e tinta dourada. Março.2014.

( meia dúzia de palavras )


Meia dúzia de palavras podem iluminar uma alma que esteja atravessar a ponte entre a escuridão e as riquezas da luz.
Por vezes, 1 alento bem dito e bem escutado, basta. Como uma brisa não impede uma abelha de colher o seu pólen, antes lhe alivia o peso depois para o voo.

 
2011