José Alberto Mar. Com tecnologia do Blogger.

31.7.16

por uma unha negra

 
 
Foi um tempo obscuro, escuro, mesmo negro. Atravessei-o com a juventude espalhada pela idade e todos os mundos que podia a encherem-me a alma até às marcas afloradas na pele. Por vezes, pensava que enlouquecia e então abrigava-me nas casas do silêncio á espera de escutar o fio tremeluzente da minha voz mais íntima. Outras vezes, saía pelo mundo fora, á procura de mais dias & mais noites umas a seguir ás outras como primaveras que se devoram com muitas flores vivas a saltarem pela boca, pelos olhos, pelo corpo inteiro e esburacado. Conheci gente, pessoas, corpos habitados por alguém, outros nem por isso, cheguei a conhecer os mortos que continuam por aí, de um lado para o outro, como imagens atrapalhadas adiarem sei lá o quê. Também, confesso, cheguei a ser tocado por alguns seres humanos que me deram minúsculas estrelas duradoiras, muitas vezes sem eu dar por isso. Ainda hoje as guardo, como pedras preciosas, soltas entre os seixos das minhas margens.
Foi um tempo de procuras, em que passei por pontes & pontes e nem sequer as via nem os rios dedicados aos seus mares, nem os lugares de um lado e do outro, por onde gastava o meu destino possuído pela dourada cegueira da juventude e por todos os copos de veneno que encontrava. Vi alguns amigos caírem para o interior de uma luz que nunca mais os largou, foram assim sozinhos para longe e nuncanunca mais.
Após muitas paisagens, comecei a ver que tudo à minha volta eram imagens que se soltavam de dentro de mim, onde eu não era chamado para o caso, nem propriamente ninguém, mas no fim de contas todos estávamos lá: pessoas, animais, plantas, pedras, mundo, vida e todos os universos conhecidos e por conhecer.
Comecei a olhar mais a luz, a luz claramente acesa, a primeira que vem de dentro das pessoas e das coisas e descobri um centro que não é centro nenhum, apenas me desloco, despido e nu, de centro em centro, no mapa circular da minha idade.
Sempre, com 1 deus presente em tudo e o amor íntimo e distante pelo que passa por mim.
 
(2006)
 
 


26.7.16

Onde o Sol é mais Perto



Às vezes pego no bloco. Pego na caneta. Fico assim horas a fio a olhar

Depois
desço o olhar
1 pirilampo aqui outro acolá na espessura da noite deste jardim
por detrás da sebe da casa há um sobreiro com ramos rugosos onde a cortiça respira & cresce sem darmos por isso e as folhas todas juntas formam  uma cabeleira que estremece e dança, muito espaçadamente, com a aragem que sopra dos lados do mar.

De repente, os repuxos calaram-se. Gotas de água escorrem de folha em folha e depois apagam-se no chão onde as raízes das plantas absortas se abrem ao desejo da sede. E as folhas cintilam sob o peso da luz que desce dos candeeiros. E são belas assim, nos seus verdes flamejantes contra as obscuridades à volta. Na superfície azulada da piscina, estranhamente ondulada, está a lua estampadamente enorme.

 
(Algarve. 2009)

Série: pequenas sabedorias ~ Series small wisdoms

    - J. A. M. -

25.7.16

Signals Times ~ Tempos de Sinais

 
 - J.A.M.-

O MEDO DA ROSA


 
Eu sei a rosa da cor da luz ao amanhecer o mundo, a primeira imagem antes de qualquer palavra, antes do verbo, era deus e a sua solidão era deus a sonhar a minha vaidade de o imaginar assim, na soberba imensidão vazia, que nunca foi.
- Sei como a rosa se levantou, pétala a pétala, no seu fulgor de luz errante, hilariante e como o seu esforço vai adiante.
Sei e claro que não sei, a cor da rosa, nem a imagem da própria rosa, nem esse deus nada assim, de que vos falo só para me libertar de mim e assim pressentir nas palavras que semeio, esta assustadora liberdade de ser humano.
 
(2007)

22.7.16

auto-retrato ~ self portrait



















( Foto: J.A.M.) 






&, no entanto há uma luz por aqui



&, no entanto
há uma luz
poisada no centro
do seu  silêncio de ser
só uma luz
Aberta
para fora
de si

- como se um pássaro esquecesse no voo
o peso das suas asas;

- como se a memória fosse uma trave esmorecida
na casa estagnado dos hábitos;

- como se, algo te chamasse & fosse uma voz cúmplice
no cálice mais translúcido do teu  corpo
onde o som maduro do silêncio
te chama - em chamas - alumiantes na cor
e tu estás longe ou perto nos olhos
divagados em ti


E então, nem o ouro
nem a prata


- por onde há-de uma Vida luzir?



(28-Set.2007)

What are your masters in the arts, artist?- Is the Nature.




















( Imagem construída: J.A.M.)

21.7.16

Ponta d’ Areia



Estou na ponta d’areia. Sentado. Á sombra, aí uns 20 e tal graus. O guarda-sol é cor de laranjas maduras e eis á minha frente o mar vivo e aceso. Do céu vários tons azuis luminosos descem suavemente sobre tudo o que é vida.
Á minha volta, o povo espraia-se finalmente no seu sábado.
As crianças vivem à solta por aqui, onde o mar deslaça dia-&-noite as suas ondas e elas, as crianças dão cambalhotas e correm chapinhando a água dócil, entre pequenos saltos de quem está mesmo felizmente feliz. Há gazelas morenas, umas a seguir às outras, é difícil acompanhar com a devida atenção tantos ritmos ondulantes e belos, sob este sol de deus.
Passa alguém com uma caixa transparente pelo braço e leva ovos de codorniz, camarão cozido, umas comidas que outros comerão, com certeza.
Olhando para trás, vejo 2 candeeiros públicos ainda acesos a despontarem entre os verdes das árvores sossegadas e claramente alheadas do assunto. É de lá – dessas bandas, que chega até aqui aquela música popular, sempre a tocar as esferas do coração. Muitas pessoas cantam-nas em grupos e alegram-se simplesmente assim.
 
1 papagaio caiu, tombou mesmo agora a meus pés e reparo que é feito de plástico, que já foi saco de supermercado + uns pauzinhos de coqueiro aliados e ainda mais agora, o menino já o ergueu no ar e aquela coisinha frágil como Tudo, dá curvas sozinho com a  cauda louca sem tino esburacando o espaço, rodopia veloz e depois,,, cai outra vez no chão sólido do mundo e a criança continua a ser criança a brincar e já é muito, tomara eu.
A menina do bar, mini-saia de ganga boa perna, camiseta desabotoada, bandeja prateada na mão esquerda, já aviou mais umas cervejas Sol *a uns jovens que estão prá-li num forrobodó evidente e regressa ao balcão, esvoaçando um olhar geral pelas mesas dos seus clientes.
Um bandozinho de pardais passa à frente do meu olhar a rasarem o grande areal, com cadeiras & mesas azuis, vermelhas, brancas e cinzentas
e
desaparecem numa curva uníssona do tempo, o que é feito deles? pensei, enquanto uma outra parte de mim ainda se regala a fazer jogos infindáveis com as cores do cenário.
Lá adiante, lá mesmo ao fundo, uma tira horizontal de água mais cintilante no brilho, faz-me lembrar que amanhã irei a St.º António de Alcântara, por onde um touro passeia a sua estrela de cinco pontas na testa carimbada.
 
* marca de cerveja

 
(Estado do Maranhão. Brasil - 2007)

11.7.16

Estou de Tanga



hoje levantei-me bem comigo & a vida, comi manga, papaia e cana de açúcar do meu quintal tudo oferecido com a claridade do sol sempre esclarecido nas coisas do mundo.
Também bebi água logo nas aberturas do dia e é água leve e fresca que vem dos lados do convento de São Francisco, do séc. XVII, eles lá sabiam as melhores fontes das coisas essenciais à vida.
Nesta varanda virada para a Sidády Vêlha, com o mar ao fundo de onde se colhem imagens & imagens sem fim e um barulho de ondas fortemente contra as rochas negras da praia, onde todos os dias me banho ao fim da tarde até ver o círculo solar cheio de cores a partir para outros lugares.

 Acabei agora de regar as minhas plantas, saudar as flores que me ajudam tacitamente a ser feliz, tocar ao de leve as folhas da palmeira aqui ao lado, são pequenos gestos aparentemente distraídos entre seres que são irmãos.
A minha amiga borboleta, que me visitou logo no 1º dia, volta todos os santos dias, enquanto estou a acordar-me nestas pequenas tarefas. Um dia destes, veio poisar na minha mão, mas só ao fim do coração da manga bem chupada, é que sorveu com tal suavidade a ultima gota que me deixou derrotado por uns longos instantes.
Ah! eu e a minha amiga borboleta, duas pétalas brancas, uma de cada lado, onde pontuam vários círculos coloridos salpicados  à toa, falámos abertamente dentro dos nossos silêncios amadurecidos, depois foi vadiar pela mata a fora  partilhar alegria e liberdade com outros, remando agora as suas muitas asas frágeis ao sabor das curvas da aragem e, pronto.
 

Votei ajustar a tanga à cintura (um dia destes tenho que arranjar uma tanga a sério de pano de terra, logo se vê) incendiei 1 cigarro, pernas desleixadamente sobre a varanda azul e costas contra o mundo.

 

( Cabo Verde. Ilha de Santiago. Sidády Vêlha – 2008)

6.7.16

Sensação a veludo nas mãos


 
Primeiro foi uma sensação a veludo nas mãos, a carne à flor da pele era  macia de um modo tão suave e a pedir só mansidão e elas, as mãos, transcorriam bêbedas com todos os seus 10 dedos nas polpas sensíveis cada vez eram mais e eu lá no fundo, no final da sensação, deixava-me navegar com toda a preguiça esboçada do mundo, por este mar de novidades que aquele corpo me emprestava no silêncio ofegante da noite.
E ela deitada, absorta no seu sonho de ser mulher para as minhas mãos e eu sentia-a a crescer nos ritmos da respiração, e de um lado e do outro, ambos éramos mais próximos, como se houvesse uma indeterminada luz pelo meio, que tínhamos de possuir precisamente ao mesmo tempo.
Tudo ilusão. E, no entanto não era. Eu estava ali, ela também, éramos dois corpos com as portas escancaradas de todo. A aragem das mãos esvoaçando sobre a pele de veludo, era o que sobrava do silêncio de chumbo, onde os nossos corpos jaziam. Havia entre nós, um nó inteiramente aceso por dentro, onde as línguas mais aprumadas já não dizem palavras. Os gestos criavam outros mundos, onde só nós cabíamos, onde só nós éramos quase perfeitos espera de o sermos.

 

  (Brasil. São Luís do Maranhão. Algures por 2007/ 2027)

27.6.16

( MAURO, O Poeta da Ilha)



 
Arrastava mais um pé do que outro e eu reparei no seu ar luminoso abrir airosamente a noite. Ia a passar perto do meu lugar e eu senti que podíamos trocar algumas luzes. Convidei-o a sentar-se ali, por baixo da grande árvore nocturna. Vi o seu olhar inclinado para o meu copo e perguntei-lhe o que bebia. Não tardou a abrirem-se as nossas portas, uma de cada vez e cada uma no seu lugar mais claro e íntimo. Sem correntes de ar ruidosas pelo meio.
Era um poeta e eu disse-lhe que também era um aprendiz de poeta. (Ele lembrou-se deste pormenor passado uns dias, quando à sombra de outra árvore mais diurna, voltámos a trocar meia-dúzia de luzes pessoais.)
Ele arrastava uma perna quando andava, mas falava sem arrastar nenhuma das suas asas. Aí, ele crescia em voos cheios de altura e distância e às vezes, descia um pouco, para recitar um poema seu, que parecia ler no meu rosto. Eram sempre feitos de simplicidade e lonjura e eu ficava mais pequeno e escutá-lo e a olhá-lo com todo o orgulho do mundo, pois já éramos amigos.
Hoje, vejo-o a levantar a noite da sua ilha, livre como sempre, feliz e a cantar alegremente toda a escuridão que há na sua vida de poeta.

 

 

 (São Luís.Maranhão.Brasil.)

 

20.6.16

17.6.16

estremece a estrela que vive naturalmente




Estremece a estrela que vive naturalmente aberta
à escuridão
e nos 2 olhos cintila o véu do instante, a aparência maior
do que é superfície e aí se afoga
na multidão dos dias a vida deles é mecânica.

Vejo nos gestos o silêncio amparado
pelo silêncio que aspiro, o lugar onde
qualquer semente pensa
sonhando com tudo
pois nada do que é fruto
acontece sozinho.


(Set.-2009)

Série: pequenas sabedorias (Nº27)

Autor: J.A.M. ( 2015)
 

mas porque é que cresce a mão para a palavra?



Há o sol, as matérias primas
dentro do sangue
e há a noite recolhida, submersa
e ainda há as pessoas
e a vastidão da respiração
no coração
seio de idades invadidas por tantos rostos
e há pontos imprecisos em que somos quase
inteiros
e há o útero de tudo onde as vozes se instalam
mas só às portas exaltam os sons
nas palavras que agora escrevo


o olho do mundo dança-me na cabeça
ao sabor das luzes que giram
na alta nudez sem nome.


 

(Nov.2008)

auto.retrato.incendiado

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 foto: J.A.M. ( São Luís do Maranhão.Br.)

11.4.16

rio preguiças





Um barco desliza nas águas ao de leve sonoras.
Enquanto a noite desce como um lençol suavemente escuro
apagando o rio, que era azul
e agora já é um espelho prateado deitado sobre o mundo.
Alongado pela vastidão que se recolhe nos olhos de quem só olha.

Há em tudo uma paz impossível, e eu vejo o teu rosto e tu pareces não ser.
Olho-te de novo, e tu olhas-me assim:
tão perto e tão longe, no fundo de mim, que me deixas mais nu.
Eu sei:
és aquela que me ama do fundo das águas
que agora nos unem.
Eu sou aquele que procura
e te dá o silêncio inteiro das minhas duas mãos nas tuas.
Pois, no fim desta escuridão
somos sempre sozinhos.
A partir de agora, entre nós
não haverá mais segredos.





Poema e foto de
José Alberto Mar
- In, Colectânea "Os Dias do Amor". Pág. 304,
Editora Ministério dos Livros.2009

26.3.16

Cresce a mão para as palavras


 
mas porque é que cresce a mão para a palavra?

 
Há o sol, as matérias primas
dentro do sangue
e há a noite recolhida, submersa
e ainda há as pessoas
e a vastidão da respiração
no coração
seio de idades invadidas por tantos rostos
e há pontos imprecisos em que somos quase
inteiros
e há o útero de tudo onde as vozes se instalam
mas só às portas exaltam os sons
nas palavras que agora escrevo

o olho do mundo dança-me na cabeça
ao sabor das luzes que giram
na alta nudez sem nome.

 

(Nov.2008)

Das Américas do Sul

15.2.16

VOZES COMUNICANTES




Às pessoas nómadas nos corpos e nas almas
um beijo indelével no rosto ausente
intervalo onde tocamos juntos
a íntima diferença no único coração das coisas.

Sobre as minúsculas ciências dos homens
pousamos a luz urgente de outros olhos
desce sobre nós
a lucidez dos universos vivos.


(in, O Triângulo de Ouro - Editora Justiça e Paz.1988)
- Prémio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores.1987

28.1.16

14.1.16

E, No Entanto Há uma Luz



e, no entanto
há uma luz
poisada no centro
do seu vivo silêncio de ser
só uma luz
Aberta
para fora
de si.

- como se um pássaro esquecesse no voo
o peso das suas asas.
- como se a memória fosse uma trave antiga
na casa estagnado dos hábitos.
- como se, algo te dissesse e fosse uma voz
derradeira no cálice mais translúcido do corpo
onde o som maduro do silêncio
te chama - em chamas - verdadeiras na cor
e tu estás longe ou perto nos olhos

divagados em ti.


E então, nem o ouro
nem a prata
porque há-de uma vida luzir?



28-Set.2007

28.12.15

Cheguei hoje ao Tarrafal…


 
cheguei hoje ao Tarrafal. A viajem em “ayacer”* demorou-se, com vizinhos  sonolentos como eu, o meu grande malão lá atrás cheia de pedras preciosas, jóias de ouro muitas e de prata algumas, N riqueza, a mala pesadíssima lá atrás encostada a um porco branco que às vezes rosnava para o silêncio dele próprio e o barulho do veículo pela estrada acima que nem uma seta q.b. dentro do nevoeiro que às vezes se esquecia de o ser, e então havia montanhas verdes, casas perdidas sozinhas por lá, onde me apetecia morar.
 

 
* pequena camioneta.
 
 
(Cabo Verde)

pequenas sabedorias

6.12.15

há nevoeiro na estrada e a ferida voltou




há nevoeiro na estrada e a ferida voltou alastrar. Com crisântemos carregados de aromas para os lados onde se abre o sol caído entre nós.

Não é Inverno nem é Verão é outro o tempo da espera e da esperança, entre as árvores com história e as rochas escolhidas pelo mar.

Só na espuma das noites caiem  pérolas nas visões.

A Longa Estrada

 
Imagem : J. A.M.

1.12.15

Sentimentos Ilhados


 
O céu cheio de manchas cinzentas umas mais outras menos escuras sobre um fundo que se pressente azul. O Monte Cara pousado na sua lonjura pensativa e sempre tão presente na alma de cada mindelense. O aroma nostálgico do Ser de uma ilha com as raízes mergulhadas no oceano Atlântico, os sons de uma morna abrindo a noite como quem pede licença para entrar, mas já se instalou suave e inteira abrindo os braços a quem quiser estar, a menina de camisa encarnada e mini-saia-azul abertamente com as coxas de ébano demoradamente nuas e brilhantes até um determinado ponto inexacto, os 2 amigos calados & unidos a uma garrafa de grogue, a criança ainda de colo de camisa cor-de-rosa e 4 totós verde-alface no cabelo encarapinhado a chupar uma manga pela boca adentro e uma gota docemente a cair-lhe pelo queixo até à mão naturalmente aberta da mãe absorta aos sons do cantor, unindo-nos a todos num só lugar e depois lá fora os ruídos dos ilhéus que vão e vêem dos seus destinos circulares, e ali fora na estrada alguém vai sentado de lado sobre uma bicicleta que desliza sorrateiramente pelas azáguas* a fora sem darmos por isso

 

*Em crioulo: poças de água da chuva

(Cabo Verde. Mindelo.)

16.11.15

Estou de Tanga


 
hoje levantei-me bem comigo & a vida, comi manga, papaia e cana de açúcar do meu quintal tudo oferecido com a claridade do sol já esclarecido nas coisas do mundo.
Também bebi água logo nas aberturas do dia e é água leve e fresca que vem dos lados do convento de São Francisco, do séc. XVII, eles lá sabiam as melhores fontes das coisas essenciais à vida.
Nesta varanda virada para a Sidády Vêlha, com o mar ao fundo de onde se colhem imagens & imagens sem fim e um barulho de ondas fortemente contra as rochas negras da praia, onde todos os dias me banho ao fim da tarde até ver o círculo solar cheio de cores a partir para outros lugares.

Acabei agora de regar as minhas plantas, saudar as flores que me ajudam tacitamente a ser feliz, tocar ao de leve as folhas da palmeira aqui ao lado, são pequenos gestos aparentemente distraídos entre seres que são irmãos.

A minha amiga borboleta, que me visitou logo no 1º dia, volta todos os santos dias, enquanto estou a acordar-me nestas pequenas tarefas. Um dia destes, veio poisar na minha mão, mas só ao fim do coração da manga bem chupada, é que sorveu com tal suavidade a ultima gota que me deixou derrotado por uns longos instantes.

Ah! eu e a minha amiga borboleta, duas pétalas brancas, uma de cada lado, onde pontuam vários círculos negros salpicados  à toa, falámos abertamente dentro dos nossos silêncios amadurecidos, depois foi vadiar pela mata a fora  partilhar alegria e liberdade com outros, remando agora as suas muitas asas frágeis ao sabor das curvas da aragem e, pronto.

Votei ajustar a tanga à cintura (um dia destes tenho que arranjar uma tanga a sério de pano de terra, logo se vê) incendiei 1 cigarro, pernas desleixadamente sobre a varanda azul e costas contra o mundo.

 

 

Cabo Verde. Ilha de Santiago. Sidády Vêlha - 2008

12.11.15

A Viajante














(lençõis maranhenses. Br.)
Foto de J.A.M.

( Aliete )


Aliete foi menina algures. Falou e eu escutei e depois fizemos amor com os dois corpos ali. Lembro os seus olhos de índia distantes e negros a pele de veludo a chamar-me o tesão na lentidão de cada mão. Adormecemos tombados já o sol acendia os lençóis. Deixei-lhe o ás de copas que encontrei pelo caminho à espera do nosso destino. Ela deixou o meu coração mais dourado.

 
(Brasil-Natal-Agosto-2003)

11.10.15

OLHANDO PARA O MONTE CARA



Os ramos das palmeiras ao sabor da leve brisa
e os sons frescos encaminham-me para o mar
onde vejo um pensativo rosto de pedra.


Feliz escurece, o olhar à procura
da lua, esse vaso de luz
onde uma das luas se deita
e então eu sou, a sombra pousada

nessa luz alheada.
 
 
( Cabo Verde. Mindelo)

da Série: pequenas sabedorias.





17.9.15

Estremece a estrela que vive



 
Estremece a estrela que vive naturalmente aberta

à escuridão & nos 2 olhos cintila
o véu do instante, a aparência maior
do que é superfície e aí se afoga
na multidão dos dias há tanta vida  mecânica


Vejo nos gestos o silêncio amparado
pelo silêncio que aspiro
o lugar onde qualquer semente pensa
sonhando com tudo
pois nada do que é fruto
acontece sozinho.

 



Set. - 2009

de coração na cabeça (Série)
















de J.A.M.

Técnica: Tinta da china e acrílico s/ papel.
Medidas: 60X75 cm
(2015)

28.8.15

Atravessado pelo zen


 


 

 ...e o ar dentro das gaiolas está engaiolado?
algo realmente aconteceu e eu fiquei perplexo. várias vezes, o ar se tornou mais leve e aí as palavras eram sombras estranhas mesmo, quando o silêncio pesava inventava à sorte outros sons: kaziar, ooom, latuuda, maçala, tarugui,....etc.
no próprio acto da busca retornava ao silêncio vivo. onde as mãos lembravam somente algo que se eleva.
e o ar, ao atravessar as gaiolas, soprava risos criativos. A bem dizer eu só estava ali, para aprender a estar

 


 

...distante mas aceso, ele procura o seu silêncio vazio. depois de todos os sons que já conhece, depois do eco desses mesmos sons, depois de qualquer imagem de som, ele busca um silêncio que nunca aconteceu.
tudo à superfície é ruído e tumulto. insatisfeito, incompleto, ele mergulha para dentro. foge de uma parte de si, para encontrar outra, onde se veja mais real e vivo.

 


 

 .. todo este caminho é demorado. as vozes à volta, as vozes dentro da cabeça, as vozes pendulares das imagens, dos astros, da torrente das águas no corpo em frente à lua, só por si é muito para ele descobrir entre as 7 portas qual a 1ª, a 2ª e por aí adiante ou então se não haverá  vez alguma.
adiante, se lembra que a intuição é a única voz que pode ser escutada, depois do silêncio pleno instalado, ali onde nenhum sinal será referência de qualquer outro

17.7.15

Deambulando pelo arco-iris.

 
Técnica: Tinta da china e acrílico s/ papel.
Medidas: 60X75 cm.
(2015)
Autor: José Alberto Mar
 


o novelo da paisagem perdura
no lugar que está a cair.

14.5.15

OLHANDO PARA O MONTE CARA


 

Os ramos das palmeiras ao sabor da leve brisa
e os sons frescos encaminham-me para o mar
onde vejo um pensativo rosto de pedra.



Feliz escurece, o olhar à procura
da lua, esse vaso de luz
onde uma das luas se deita
e então eu sou, a sombra pousada

nessa luz alheada.

 
(Cabo Verde.Mindelo.)

10.5.15

tudo está ligado
















( foto) J.A.M.

Género Metáfora

 
A gente vai sabendo as coisas para aprender a saber outras coisas e depois esquecer.
Amparamo-nos nisto e naquilo ao sabor dos gostos e desgostos que a vida nos dá, ao deixarmos bater o coração contra o peito do mundo.
Alguém passeia-se algures por caminhos e paisagens, onde há pedras pelo chão e acontece-lhe curvar-se de repente, por algo que o chama sem dar por isso e há um diamante entre as mãos, o olhar turva-se pelo brilho demasiado que o sol lhe oferece no mesmo instante e depois?
Há quem veja logo um diamante , há quem não dê conta do vislumbre que lhe aconteceu e continue a sua vida apegado aos seus hábitos, atirando o pequeno seixo para as águas de 1 rio que desliza por ali no seu ocaso indiferente a tudo isto.
Os hábitos escravizam-nos, tornam-nos cegos, todos os dias acontecem coisas assim, parecem banais porque são diárias mas não o são, não.
 
 
( J.A.M.)

A Travessia
















 
digital-art. J.A.M.

9.4.15

Ponta d’Areia


 
Estou na ponta d’ areia. Sentado. À sombra, aí uns 20 e tal graus. O guarda-sol é cor de laranjas maduras e eis à minha frente o mar vivo e aceso. Do céu vários tons azuis luminosos descem suavemente sobre tudo o que é vida.

À minha volta, o povo espraia-se finalmente no seu sábado.

As crianças vivem à solta por aqui, onde o mar deslaça dia-e-noite as suas ondas e elas, as crianças, dão cambalhotas e correm chapinhando a água dócil, entre pequenos saltos de quem está mesmo felizmente feliz. Há gazelas morenas, umas a seguir às outras, é difícil acompanhar com a devida atenção tantos ritmos ondulantes e belos, sob este sol de deus.

Passa alguém com uma caixa transparente pelo braço e leva ovos de codorniz, camarão cozido, umas comidas que outros comerão, com certeza.

Olhando para trás, vejo 2 candeeiros públicos ainda acesos a despontarem entre os verdes das árvores sossegadas e claramente alheadas do assunto. É de lá – dessas bandas, que chega até aqui aquela música popular, sempre a tocar as esferas do coração. Muitas pessoas cantam-nas em grupos e alegram-se simplesmente assim.

1 papagaio caiu, tombou mesmo agora a meus pés e reparo que é feito de plástico, que já foi saco de super-mercado + uns pauzinhos de coqueiro aliados e ainda mais agora, o menino já o ergueu no ar e aquela coisinha frágil como Tudo, dá curvas sozinho com a  cauda louca sem tino esburacando o espaço, rodopia veloz e depois,,, cai outra vez no chão sólido do mundo e a criança continua a ser criança a brincar e já é muito, tomara eu.

A menina do bar, mini-saia de ganga boa perna, camiseta desabotoada, bandeja prateada na mão esquerda, já aviou mais umas cervejas Sol*a uns jovens que estão prá-li num forrobodó evidente e regressa ao balcão, esvoaçando um olhar geral pelas mesas dos seus clientes.

Um bandozinho de pardais passa à frente do meu olhar a rasarem o grande areal, com cadeiras & mesas azuis, vermelhas, brancas e cinzentas

e

desaparecem numa curva uníssona do tempo, o que é feito deles? pensei, enquanto uma outra parte de mim ainda se regala a fazer jogos infindáveis com as cores do cenário.

Lá adiante, lá mesmo ao fundo, uma tira horizontal de água mais cintilante no brilho, faz-me lembrar que amanhã irei a St.º António de Alcântara, por onde um touro passeia a sua estrela de cinco pontas na testa carimbada.

 

 

* marca de cerveja brasileira.

 

Brasil. Estado do Maranhão - 2007